No
Rio de Janeiro para a Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável, Rio+20, o cardeal dom Odilo Scherer, legado
pontifício e chefe da Delegação da Santa Sé, discursou em 19 de junho, em um evento paralelo à Rio+20, sobre
Agricultura e Sociedades sustentáveis: segurança alimentar, terra e
solidariedade.
O evento foi uma iniciativa da Cáritas
Internacional, CIDSE e organização Franciscana Internacional. Também
participaram do evento o arcebispo de Dioulasso, em Burkina Fasso, dom
Paul Yembuado Ouédraogo, e o observador permanente da Santa Sé na ONU,
arcebispo Francis Chullikatt.
Em seu discurso, o cardeal
ressaltou que “a centralidade da pessoa humana no Princípio 1º da
Conferência de 1992 é um lembrete de que o desenvolvimento sustentável
não é alcançado através do desenvolvimento econômico, ambiental ou
político isoladamente, mas antes, e acima de tudo, deve ser medido pela
sua capacidade de promover e salvaguardar a dignidade da pessoa humana”.
Dom
Odilo recordou a responsabilidade da sociedade para com o meio ambiente
e ressaltou, porém, que não se pode tirar a dignidade humana e nem
deixar de lado o direito a vida “a centralidade da pessoa humana requer
que a sociedade meça o progresso econômico sobretudo pela capacidade de
promover a pessoa humana. Isso requer que a ética não seja separada das
tomadas de decisões econômicas, mas sim que seja reconhecida”.
Ao
finalizar seu discurso, o arcebispo reforçou que a Santa Sé tem
procurado “promover um desfecho que respeite a dignidade da pessoa
humana”, e que o maior recurso do planeta é o ser humano. E este está
“no centro do desenvolvimento sustentável”.
Leia a íntegra do discurso, em tradução cedida pela Arquidiocese de São Paulo.
Pontos de discussão de Sua Eminência, Cardeal Scherer
AGRICULTURA & SOCIEDADES SUSTENTÁVEIS: Segurança alimentar, Terra e Solidariedade
Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável
Rio de Janeiro
Centro de Conferência
Excelências, Senhoras e Senhores,
É
uma honra e um grande prazer estar aqui hoje como enviado Especial de
Sua Santidade o Papa Bento XVI à Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável. Primeiramente, gostaria de agradecer Sua
Excelência Arcebispo Francis Chullikatt por sua dedicação permanente,
tanto nas Nações Unidas, quanto nesta Conferência.
Ainda,
gostaria de agradecer Sua Excelência Arcebispo Paul Ouedraogo, Senhora
Gisele Henriques, Senhora Cristina Dos Anjoys e Senhora Maria Elena
Aradas por terem se juntado a nós neste dia. O trabalho, a nível base,
da CARITAS Internationalis, CIDSE e da Franciscans International, é uma
grande contribuição para a promoção do ser humano centrado no
desenvolvimento sustentável.
Vinte anos atrás, líderes do mundo
vieram para o Rio de Janeiro para estabelecer um novo modelo e estrutura
para promoção do desenvolvimento sustentável. Nessa reunião, eles
reconheceram que, na da promoção de uma nova e mais justa parceria para o
desenvolvimento sustentável, o princípio básico que deve orientar o
desenvolvimento global exige colocar a pessoa humana no centro das
preocupações para o desenvolvimento sustentável. A centralidade da
pessoa humana no Princípio 1 da Conferência de 1992 é um lembrete de que
o desenvolvimento sustentável não é alcançado através do
desenvolvimento econômico, ambiental ou político isoladamente, mas
antes, e acima de tudo, deve ser medido pela sua capacidade de promover e
salvaguardar a dignidade da pessoa humana.
Agora, vinte anos
depois, nós continuamos a ver as consequências para o desenvolvimento
humano quando a pessoa humana não é colocada no centro desenvolvimento
político, ambiental ou social, mas é bastante colocado à sua mercê. A
contínua promoção das abordagens neo-malthusianas para o
desenvolvimento, que veem o ser humano como obstáculo para o
desenvolvimento, em vez de um benefício para este, levou à adoção de
programas que promovem a destruição da vida humana e desenvolveu uma
cultura hostil à vida. Os efeitos de uma abordagem não centrada no ser
humano pode ser verificada no envelhecimento de comunidades ao redor do
mundo hoje e nos milhões de órfãos que nunca tiveram a aportunidade de
nascer e cujas contribuições graduais para o nosso planeta, portanto,
ficarão para sempre em falta.
A centralidade da pessoa humana
requer que a sociedade meça o progresso econômico sobretudo pela
capacidade de promover a pessoa humana. Isso requer que a ética não seja
separada das tomadas de decisões econômicas, mas sim que seja
reconhecida. A ética da justiça e da solidariedade serve como a fundação
de uma eficiência social e econômica, crucial para reparar injustiças e
reformar instituições fundadas para perpetuar a pobreza, o
subdesenvolvimento e a degradação ambiental, permitindo a todos o
direito de participar na vida econômica para o progresso de suas
comunidades e sociedades. Quando a dimensão ética é negligenciada na
elaboração de políticas econômicas, podemos facilmente ver os efeitos
desumanizantes e desestabilizantes resultantes de um crescimento
econômico realizado à custa do detrimento dos seres humanos.
A
atual crise financeira e econômica atesta os perigos do desenvolvimento
econômico que desdenha imperativos éticos e morais e demonstra que o
interesse próprio e a ganância apenas fomentam o agravamento da
desigualdade social e da divisão. A consequência de uma ordem econômica
ambivalente com os imperativos morais e éticos pode ser visto nos rostos
das mulheres e homens desempregados que lutam para sustentar suas
famílias, na agitação política crescente que assola o mundo, enquanto os
líderes políticos tentam estabilizar a sistemas econômicos, na
brutalmente verificada nas vidas dos mais pobres da sociedade, cujos
filhos morrem de fome ou sucumbidos por doenças facilmente tratáveis e
controladas. Estas realidades emergem onde as políticas econômicas não
conseguem reconhecer o vínculo essencial entre a moralidade e a vida
econômica.
A centralidade da pessoa humana no desenvolvimento
sustentável deve orientar não só o trabalho dos gestores políticos, mas
também do setor privado. Embora o desenvolvimento da riqueza seja um
objetivo da economia, a criação de riqueza deve se concentrar no
progresso em qualidade e da moralidade, e não apenas na quantidade de
riqueza gerada. Quando a acumulação de riqueza for valorizada como um
bem social em si, ciclos insustentáveis de produção e consumo vão
continuar a provocar o esgotamento inexorável de recursos, deixando as
pessoas e as comunidades ansiosas por uma felicidade autêntica. O que é
necessário, antes, é o meio para a promoção do desenvolvimento humano
integral, que reconhece que o real desenvolvimento solicita mais que o
simples desenvolvimento econômico, social ou políticos, mas exige, acima
de tudo, que o desenvolvimento da pessoa humana seja mantido na frente e
no centro de tudo.
A encíclica do Papa Bento XVI, Caritas in
veritate, elabora as necessidades da promoção do desenvolvimento
integral, a fim de estimular o verdadeiro desenvolvimento humano e,
portanto, o desenvolvimento sustentável. Tal desenvolvimento integral
requer o reconhecimento que abordagens puramente institucionais para o
desenvolvimento não podem ser suficientes para o genuíno
desenvolvimento, mas que cada membro individual da sociedade é dotado de
uma atitude vocacional que livremente assume a responsabilidade, na
genuína solidariedade para com o outro e toda criação.
O
reconhecimento de uma dimensão ética para o desenvolvimento não se
limita apenas à criação de riqueza, mas também é relevante para o nosso
papel como administradores da criação. Nós não somos chamados para
subjugar e dominar a criação (cf. Gn 1:28) sem referência a quaisquer
critérios determinados . Em vez disso, estamos a exercer este mandato
numa gestão responsável da criação para o florescimento da geração atual
e as futuras gerações. Isso requer o reconhecimento de uma
responsabilidade primordial para com o meio ambiente para a melhora de o
nosso futuro e que de todo o planeta.
A gestão adequada da
criação reconhece a importante contribuição que a ciência e a tecnologia
trazem para a proteção ambiental e fornece os recursos necessários para
a sobrevivência humana. No entanto, os avanços tecnológicos e
científicos devem ser sempre prudentes e responsáveis, para que seus
reais objetivos sejam servir toda a humanidade. Os avanços científicos e
tecnológicos não podem, portanto, tornarem-se um novo meio para a
criação de barreiras para os pobres, nem podem ser permitir provocar
novos, longos e duradouros detrimentos que ferem o delicado equilíbrio
de vários ecossistemas nossos.
O direito à alimentação e à água
potável continua a ser dois dos mais elementares direitos humanos que
ainda não foram cumpridos em tantas partes do nosso planeta. Os avanços
científicos e tecnológicos certamente tornaram possíveis que toda a
comunidade internacional pudesse se beneficiar da generosidade de
criação para o bem de toda a humanidade, mas milhões de pessoas ainda
vivem sem esses direitos mais básicos. Uma ordem internacional mais
eficaz requer mais solidariedade e maior responsabilização perante os
nossos irmãos e irmãs, especialmente os mais necessitados. As crianças
que passam fome e morrem de disenteria são nossas crianças: isso não é
problema local, mas é um problema que requer que toda a comunidade
internacional se una para trabalhar para cumprir o mais básico dos
direitos humanos.
O progresso tecnológico, científico e humano
tornou-se de vital importância se quisermos abordar a segurança
alimentar e a promoção de produtos agrícolas saudáveis e boa gestão da
terra. Como o Papa Bento XVI tem sublinhado recentemente, “a fome não é
muito dependente da falta de coisas materiais como na escassez de
recursos sociais”. Para resolver esta falta de recursos sociais é
imperativo máximo que os líderes da sociedade tomem as medidas
necessárias para resolver as causas estruturais da insegurança alimentar
e promovam um maior investimento no desenvolvimento agrícola nos países
pobres.
Com o acesso maior e mais equitativo às mercadorias e às
tecnologias agrárias, como a irrigação e o eficiente armazenamento e
transporte de mercadorias e de transporte e a remoção de programas do
mercado distorcidos, podemos fazer uma contribuição substancial para a
resolução da segurança alimentar e erradicação da pobreza.
No
desenvolvimento de tais políticas, temos de assegurar que a cooperação,
em conformidade com o princípio da subsidiariedade, oriente nossos
esforços para garantir estas escolhas das comunidades locais e precisam
ser tratadas de forma adequada e tidas em consideração. Assim, a
agricultura, a assistência ao desenvolvimento e os programas de reforma
agrária não deveriam ser implementados de cima para baixo, mas deveriam
sim ativamente ser levados em consideração e cooperar com as comunidades
locais.
Um dos primeiros passos a serem tomados no tratamento a
reforma agrária é resolver a falta de direitos de terra e propriedade
por marginalizados dentro da sociedade. A crescente concentração da
propriedade da terra e produção agrícola por poucos apresentam uma
obrigação moral para os líderes políticos e sociais para encontrar meios
equitativos e justos para uma reforma agrária em longo prazo. Em
particular, maiores investimentos em agricultura familiar e pequenas
propriedade proporcionam uma oportunidade única, tanto para apoiar a
família e quanto para apoiar um futuro mais sustentável para a
agricultura em longo prazo.
O destino universal dos bens da terra
também se aplica à água, esse elemento vital, essencial para nossa
sobrevivência e para a agricultura. A Sagrada Escritura tem também a
água como um símbolo de vida, sustento e purificação. Por sua própria
natureza, a água nunca pode ser tratada como mais uma mercadoria, mas
deve sim ser reconhecida como um direito inalienável de ser
compartilhada em solidariedade e generosidade com os outros. A água é um
bem público, o que significa que é da responsabilidade da liderança
política garantir que todas as pessoas tenham acesso à água potável,
especialmente os pobres. O descumprimento de obrigações tais resultados
em sofrimento, conflitos e doenças e, portanto, prejudica o direito
inerente à vida.
Ao redor do mundo, graves problemas ecológicos e
humanos exigem uma mudança fundamental no estilo de vida se quisermos
ser melhores administradores da criação e promover uma mais justa
comunhão econômica internacional. Métodos de produção de alimentos,
portanto, demandam análise atenta para garantir o direito a alimentos
suficientes, saudável e nutritiva e água, e para alcançar esse direito,
de forma a reconhecer as nossas obrigações de proteger o meio ambiente
como uma herança compartilhada para as gerações atuais e futuras.
Isto
exige romper com o longo ciclo de mais de consumo e produção, de
pobreza e de degradação ambiental. Aqui, devemos reconhecer que todas as
decisões econômicas têm implicações morais que exigem de nós
redescobrir os valores de longa data da sobriedade, da temperança e
auto-disciplina. Um mundo no qual os ricos consomem uma percentagem
esmagadora de recursos humanos e naturais é escandaloso e chama para uma
renovada disposição para se tornar mais consciente da interdependência
de todos os habitantes da terra. A autêntica solidariedade global deve
motivar indivíduos e líderes políticos a reavaliar suas escolhas de
estilo de vida, a fim de fazer escolhas que promovam a dignidade humana e
a solidariedade global. A este respeito, devemos reconhecer o papel
fundamental que a família desempenha na aprendizagem e ensino dos
valores necessários para se formarem cidadãos responsáveis que fazem
escolher responsáveis de estilo de vida.
Antes de concluir, eu
gostaria de tocar em algumas das preocupações constantes da Santa Sé no
processo de negociações. Enquanto a Santa Sé tem procurado promover um
desfecho que respeite a dignidade da pessoa humana, nós continuamos a
ver algumas delegações tentando promover estas questões como "dinâmica
populacional" ou "direitos reprodutivos", como uma forma de
desenvolvimento sustentável. Estas propostas são baseadas em uma noção
errada de que o desenvolvimento sustentável e a proteção ambiental só
podem ser alcançados através da garantia de que haja menos pessoas em
nosso planeta. Sublinhada por uma hermenêutica da suspeita que fere
profundamente a solidariedade humana, tal ideologia levou a um alarmante
destruição na família e, fundamentalmente, priva o planeta de seu maior
recurso, a pessoa humana, que está no centro do desenvolvimento
sustentável.
Além disso, um grande volume de trabalho continua em
busca um olhar para o futuro consciente, ciente que o documento
resultante é de responsabilidade de todos os países. Os esforços para
assegurar que os países em desenvolvimento tenham acesso à tão
necessária amigável tecnologia ecológica, e financeira para a transição
para um futuro mais sustentável são apenas dois dos muitos exemplos em
que uma maior solidariedade entre países em desenvolvimento e nas
economias desenvolvidas é necessária, se quisermos fazer uma diferença
duradoura no mundo. Da mesma forma, maior solidariedade é necessária
para promover o acesso a empregos decentes e cuidados básicos de saúde,
bem como os direitos dos migrantes. Essa é a nossa esperança, que o
texto final do documento seja satisfatório na abordagem destas questões
para que possa ser dito de contribuir para o bem-estar material e
espiritual de todas as pessoas, suas famílias e suas comunidades.
Obrigado.
Cardeal Odilo Scherer
Arcebispo de São Paulo
Legado Pontifício para a Conferência Rio+20