quinta-feira, 3 de abril de 2008

O Tempo foi-se para o espaço


O tempo foi-se para o espaço


No princípio era Deus, o autor de todos os tempos. Depois surgiu o relógio. Mas, não foi tudo de uma vez. Primeiro veio o relógio de sol, que apenas dividia os dias. Depois surgiu o relógio de água ou clepsidra e o de areia ou ampulheta, um pouco mais aprimorado. Isso foi em torno do ano 400 a.C. O relógio de pêndulo, capaz de assinalar com precisão as horas, apareceu somente por volta do ano 1600 da nossa era, inspirado nas descobertas de Galileu Galilei. A marcação dos minutos começou a ser feita em 1700. Os segundos, por sua vez, vieram em terceiro lugar.
A emergência desse equipamento que mede o tempo em pequenas frações coincide com a expansão da modernidade. O invento significou uma verdadeira revolução na história da humanidade. Com o advento do relógio, começou-se a reproduzir calendários e fabricar agendas, sem o que já não conseguimos viver. Assim, podemos organizar melhor nossos eventos e compromissos. Porém, passamos a sofrer uma espécie de ditadura do cronômetro.
Aportamos aos dias atuais com a noção de tempo profundamente alterada. O sociólogo Anthony Giddens diz, por exemplo, que a modernidade avançada – a mesma que alguns chamam de pós-modernidade – arranca de modo crescente o espaço de dentro do tempo, fomentando relações entre “ausentes”. O relógio, acelerado pelos tempos modernos, revolucionou também o metro, medida definida em 1799 como sendo a décima-milionésima parte da distância entre o Pólo Norte e a linha do Equador
Vivemos hoje um clima de “esvaziamento do tempo”, que acaba gerando também uma sensação de “esvaziamento do espaço”. Nas grandes cidades esse fenômeno é ainda mais perceptível. O autor citado fala que existe mesmo um “desencaixe” na engrenagem entre tempo e espaço, o que influencia de modo profundo a vida humana. Experimentamos uma inédita relação entre o local e o global. Passamos a viver glocalmente, isto é, radicados num local, mas às voltas pelo mundo globalizado, globalizante.
Em conseqüência desta “ordem” das coisas, surgem novos modos de relação entre as pessoas. Relações mais virtuais que presenciais; mais efêmeras que duradouras; mais plurais, anônimas e descomprometidas que em outros tempos. Estamos vivendo a globalização sedentária, mórbida, alucinante e estressante, algo inédito e inusitado. Por um lado, o mundo parece cada vez mais complexo. Por outro, a técnica avança a passos largos na notável tentativa de simplificá-lo.
O que estava fora de cogitação até pouco tempo, agora é real. Uma das grandes novidades consiste precisamente no fato de que muitas coisas são reais na condição de virtuais. O mundo moderno não sabe mais viver sem suas virtualidades. Muito do que parecia impossível tornou-se possível. Outras coisas acabaram ficando de lado porque não estão na “rede”. O que era supostamente complexo tornou-se aparentemente simples. Contudo, quem não consegue entrar no sistema, passa a ser considerado um “zero à esquerda”.
A tecnologia associada à informática eliminou qualquer distância. Agora os acontecimentos podem ser acompanhados em tempo real. O telefone celular significou uma das últimas inovações, juntamente com a internet (blog, orkut, msn, skype) e demais invenções que não param de aparecer. Com tais ferramentas temos acesso às informações que desejamos, em qualquer hora e lugar. Mas, isso não garante que estamos nos comunicando mais e melhor.
Estando próximos – muitas vezes lado a lado – podemos, ao mesmo tempo, nos achar separados, distantes, noutro mundo. A modernidade e a globalização ressaltaram e estão levando ao extremo esses contrastes. Há uma revolução sobre a geografia física, social e humana mundial, como também sobre as instituições, as idéias, os valores e paradigmas. Nesse emaranhado uma questão está sempre posta: para onde vamos, agora que o tempo se foi para o espaço?
Dirceu Benincá
Pe Dirceu Benica
autor de diversos livros - entre eles : Nos Trilhos da Espiritualidade Libertadora