quinta-feira, 29 de março de 2012
Fidel e Bento XVI: inspiração e flagelo da Teologia da Libertação
HAVANA, 28 Mar 2012 (AFP) -Fidel Castro, o homem que encarnou o marxismo revolucionário na América Latina, se reuniu nesta quarta-feira com Bento XVI, que auxiliou João Paulo II em sua luta contra a influência do marxismo na Igreja, expressa na Teologia da Libertação.
Nos anos 1970-1980, numerosos movimentos revolucionários do continente combinaram a influência do marxismo de Fidel Castro, apoio ideológico e material das guerrilhas, e a Teologia da Libertação, nascida na América do Sul nessa época.
Esta aliança entre marxistas e católicos partidários da teologia da libertação foi principalmente encarnada pelo sacerdote colombiano Camilo Torres, transformado em "padre guerrilheiro", que se uniu ao ELN, Exército de Libertação Nacional (guevarista) nos anos 60.
O papa polonês, que tinha vivido o comunismo, era visceralmente hostil à mistura da mensagem cristã, o marxismo e a revolução.
Bento XVI, como presidente da Congregação para a Doutrina da Fé sob o papado de João Paulo II, se encarregou de velar pela correta aplicação da doutrina da Igreja Católica. Apoiou totalmente e aplicou a vontade do Papa para frear ou afastar os religiosos que defendiam essa teologia.
Convencido de que tinham se desviado da doutrina da Igreja, Joseph Ratzinger convocou ou suspendeu a muitos desses teólogos que estavam na América Latina.
Também sancionou em 1984 o teólogo brasileiro Leonardo Boff, pedindo a ele que guardasse silêncio: "Faça silêncio até novo aviso", disse-lhe Ratzinger.
Nesse mesmo ano, criticou quem é considerado o "pai" desta teologia depois do Concílio Vaticano II, o sacerdote peruano Gustavo Gutiérrez, que foi submetido pela Congregação ao longo processo de diálogo e de esclarecimento.
Os bispos considerados "vermelhos" foram afastados ou perderam influência, como aconteceu com Dom Hélder Câmara, bispo emérito de Olinda e Recife. Outros, vindos do Opus Dei e de movimentos católicos conservadores, foram promovidos e chegaram a ser muito influentes, dando a impressão de um retrocesso da Igreja nos campos social e político.
Atualmente, o arcebispo de Lima, berço da teologia da libertação, é o ultraconservador Juan Luis Cipriani, do Opus Dei.
Consultado pela AFP, o cardeal hondurenho Oscar Andrés Rodríguez, presidente da Caritas Internacional, considerou que algumas boas intenções desta teologia continuam sendo válidas.
"Não acredito que se possa dar um único significado à Teologia da Libertação. Houve desvios rumo à violência armada que não eram da teologia, e foi isso o que foi condenado", explicou.
"O que continua sendo primordial é a preferência pelos pobres, que é o fio condutor de todas as conferências gerais do episcopado americano desde a de Medellín (1968) até a de Aparecida (2007). O compromisso social (dos bispos latinoamericanos) está muito claro (...) e um alegado retrocesso conservador pode ser obra de poucos", refletiu.
Apesar da semente desta teologia ter sido lançada na Colômbia, na conferência do espiscopado latino-americano de 1968, alcançou uma tímida manifestação neste país, focada em reduzidos setores da Igreja, sem ter o impacto nem a transcendência que teve em outros países.
O momento mais simbólico da repreensão aos sacerdotes latino-americanos comprometidos politicamente foi o dedo levantado de João Paulo II humilhando o sacerdote nicaraguense Ernesto Cardenal durante uma missa em 1983, que então era ministro do governo sandinista.
Em 1986, em uma entrevista com um dos expoentes da teologia da libertação, o religioso brasileiro Frei Betto, Fidel Castro se negou a colocar mais lenha na fogueira: "Atualmente, ante um problema dessa envergadura, de discussões no seio da Igreja, me sinto no dever de ser prudente e de evitar emitir opiniões que poderiam gerar polêmica ou divisões internas em uma corrente religiosa", disse o líder da revolução cubana.
No avião que o levou na sexta-feira ao México, o Papa não respondeu a uma pergunta sobre a teologia da libertação, dizendo simplesmente que já não era atual.
A polêmica está atualmente aplacada e o último bispo do continente que o Papa Bento XVI investiu como cardeal em fevereiro, o brasileiro João Braz de Aviz, é julgado como progressista e favorável a teologia da libertação.
Encontro das Comunidades Eclesiais de Base - Diocese Oliveira - MG
O tema do Encontro – Comunidade de Comunidades -, que refletiu as luzes do Documento de Aparecida, da Exortação Apostólica Pós-Sinodal Verbum Domini, das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (2011 – 2015) e do Plano Diocesano de Pastoral (2011 – 2015), atentou-nos para a urgência mis-sionária: “Evangelizar, a partir de Jesus Cristo e na força do Espírito Santo, como Igreja discípula, missionária e profética, alimentada pela Palavra de Deus e pela Eucaristia, à luz da evangélica opção preferencial pelos pobres, para que todos tenham vida, rumo ao Reino definitivo.” (DGAE 2011 – 2015).
Alguns aspectos tiveram grande destaque no Encontro: a receptividade, acolhida e excelente organização do espaço para o Encontro por parte da Paróquia Nossa Senhora do Carmo na pessoa de seu pároco e vigário-geral da Diocese Pe. Vanir José de Oliveira; a integração entre os párocos – Pe. Onaldo, Pe. Antônio Orestes e Pe. Mériton, acessor diocesano para a CEB – e seminaristas – Carlos Roberto e Marcelo – que participaram do momento a serviço da missão; o grande número de jovens (cerca de 80 pessoas assistiram ao Encontro, destas, 15 eram jovens) discípulos-missionários que propiciaram novo ânimo à Comunidade e o grande espírito de comunhão existente entre os diversos carismas – RCC, Pastoral da Criança, Catequese, PJ, etc. – presentes nas Comunidades Eclesiais de Base.
Nossa Comunidade terminou o momento planejando as datas das Missões na Di-ocese e em Piedade do s Gerais. A primeira missão ocorrerá na Paróquia de São Sebastião – Campo Belo nos dias 20 a 22 de abril.
Até lá!
XXXII Aniversário de Dom Romero. Continuar o que ele fez e foi
A páscoa de Dom Oscar A. Romero aconteceu há 32 anos e hoje nos perguntamos o que fazer com Dom Romero. É a mesma pergunta que os cristãos da segunda geração se fizeram: o que fazer com Jesus de Nazaré?
Jesus foi crucificado no ano 30 e uns trinta e cinco anos depois, Marcos, o primeiro em fazê-lo, editou um evangelho. Para isso, recolheu tradições orais, averiguou por sua conta, sobre a compaixão de Jesus para com as multidões, suas denúncias aos poderosos, as controvérsias sobre Deus e sua oração ao Pai.
Estruturou tudo isso em forma de história, sendo seu ponto culminante a paixão que termina em cruz. Com audácia, afirma que Jesus morre com um grito: "Deus meu, por que me abandonaste". E ao pé da cruz, um pagão, o centurião romano, é quem o reconhece como "Filho de Deus".
Passado o sábado, umas mulheres vão até a tumba para ungir o cadáver. Encontram a pedra da entrada movida e um jovem que lhes diz: "Não está aqui. Ressuscitou. Contem aos seus discípulos". E o relato termina com essas palavras de novo audazes: "as mulheres saíram correndo e fora de si; e, com medo, não disseram nada a ninguém". Esse final foi tão surpreendente que anos depois, tiveram que agregar outro mais convencional.
Por que Marcos escreveu esse "pesado" evangelho? Certamente, PA rtilha com os outros evangelistas que Jesus é a Boa Notícia de Deus. Porém, como escreve para uma comunidade que sofre a perseguição, em Roma, insiste em que o cristianismo não é coisa fácil. É seguimento de Jesus carregando a cruz. E ensina que "perdendo a vida", como Jesus, o cristão "a ganhará".
Recordar como Marcos procedeu pode ajudar-nos a falar sobre Dom Romero hoje. Há uma diferença significativa, pois Marcos não teve biografias e discursos precisos de Jesus, como os que nós temos de Dom Romero. Porém, podemos aprender com Marcos a encontrar em Dom Romero um cristianismo forte, não frágil. E ver a grande importância ao final da vida de Dom Romero.
É o que tentamos fazer a seguir. Tanto em Jesus quanto em Dom Romero, sua relação com Deus e com os seres humanos alcançou uma profundidade inigualável no final de suas vidas. Por isso, recordaremos a última Carta Pastoral de Dom Romero, seu último discurso, sua última homilia e seu último retiro espiritual.
1. Sua última Carta Pastoral. Dom Romero, pastor do país. Está datada de 6 de agosto de 1979, quando Dom Romero já havia feito um longo caminho em uma situação sumamente conflitante. Se via o aumento da repressão, que desembocaria em guerra, tal como aconteceu. Podemos aprender várias coisas, pensando, sobretudo, nas Igrejas, em seus membros e em sua hierarquia.
a) O título da Carta é "Misión de la Iglesia en medio de la crisis del país". Dom Romero levou o país a sério. Não escreveu uma breve mensagem; mas um texto de umas 60 páginas. O preparou durante várias semanas com uma equipe de vinte pessoas bem capacitadas: economistas, sociólogos, teólogos, leigos e sacerdotes, e pessoas em trabalho direto com o povo. Também enviou uma pesquisa às comunidades, pedindo-lhes sua opinião, entre outros temas, sobre: "para você, quem é Jesus Cristo", "qual é o pecado fundamental do país", "o que pensa da conferência episcopal, do senhor Núncio, do arcebispo de San Salvador", e levou em conta as resposta que recebeu. Considerou muito os documentos dos bispos latino-americanos em Puebla, que acabavam de ser publicados. Certamente, a opção pelos pobres e a idolatria.
b) Em um país que estava ardendo, Dom Romero "quis pensar o país", seus problemas e os passos para uma solução. Com vigor e rigor, analisou e condenou as idolatrias. A primeira, a absolutização da riqueza e da propriedade privada, que condenou como raiz da violência estrutural. Hoje em dia, apenas se fala com seriedade dessa idolatria, nem na sociedade e nem na Igreja. E persiste o silêncio sobre o imperialismo capitalista que provoca guerras e crises mundiais. A segunda, absolutização da segurança nacional, do exército, dos corpos de segurança, dos esquadrões da morte. Na história, são como o deus Moloch que, na mitologia, exige vítimas para subsistir. Hoje, de diferentes formas, apesar de que, provavelmente, com as mesmas causas, em El Salvador e em toda Mesoamérica, vivemos com a "epidemia do homicídio", de 10 a 13 por dia. A terceira, a absolutização das organizações populares. Em sua Carta Pastoral de 1978, as defendeu de forma surpreendente para um hierarca da Igreja Católica, pois as organizações tinham a todos os poderes, e parte da hierarquia, contra si. Nessa Carta, insiste no serviço da Igreja às organizações; porém, adverte sobre suas falhas e perigos: não cair na idolatria que se manifesta no sectarismo entre elas; colocar a organização acima do povo; manipulação da religião.
c) Também tratou sobre outros graves problemas, como a violência, que poderia chegar a ser legítima; porém, que, historicamente, era fonte de inúmeros males. E propôs caminhos de solução, como o diálogo, não somente em razão de suas bondades abstratas, mas em base a sua urgente necessidade histórica. E de tudo isso, tirou uma conclusão, muito inovadora e audaz para a Igreja: a pastoral de acompanhamento ao povo, sofredor, combativo e cheio de esperanças.
Hoje, essas Cartas Pastorais são benéficas e necessárias.
2. Seu último discurso. Dom Romero, sacerdote e teólogo dos pobres. Expressa bem o que disse em Lovaina, no discurso de aceitação de um Doutorado Honoris Causa, no dia 2 de fevereiro de 1980. Comecemos três anos antes. Na semana após o assassinato de Rutilio Grande, nas reuniões do clero, sacerdotes e religiosas propuseram celebrar, no dia do funeral, uma missa única na praça diante da catedral, para mostrar a unidade massiva da Igreja, seu repúdio, sua esperança e seu compromisso. Dom Romero tinha somente uma dificuldade, que expôs com simplicidade e clareza. "O sacrifício da missa da glória a Deus. Fechar as igrejas no domingo não iria diminuir essa glória?". Com a mesma simplicidade e clareza, um sacerdote disse: "Dom Romero, se mal não estou, um padre da Igreja -se referia a São Irineu- disse que "a glória de Deus é o homem que vive". Gloria Dei vivens homo. Dom Romero ficou sossegado em seu espírito e com decisão e entusiasmo celebrou uma única missa naquele domingo. Três anos depois, Dom Romero disse em Lovaina: "A glória de Deus é que o pobre viva". Gloria Dei vivens pauper. Colocou em palavra teológica o miolo de sua prática histórica cotidiana.
Ninguém falou dos pobres como Dom Romero. E poucos os amaram como ele os amou.
3. Sua última homilia na catedral. Dom Romero, ao mesmo tempo, homem, de Deus e do povo sofrido. São muito conhecidas as palavras finais de sua última homilia na catedral: "Parem a repressão!" Recebeu o aplauso mais estrondoso em três anos. As palavras não necessitam comentário. Somente quero fixar-me na argumentação de Dom Romero: colocar juntos a Deus e ao povo sofrido.
Exigiu aos soldados "deixar de matar" porque temos que obedecer a lei de Deus; porém, antes, clamou indefesa e comovedoramente. "Irmãos, são de nosso próprio povo; matam a seus próprios irmãos". E terminou sem argumentação alguma: "Em nome de Deus e em nome desse povo sofrido, cujos lamentos sobem até o céu cada dia mais tumultuados; rogo-lhes; ordeno-lhes, em nome de Deus, parem a repressão!".
Para Dom Romero, em Deus há ultimidade transcendente total. E no povo sofrido há ultimidade histórica: seus lamentos. Os lamentos dos que sofrem sobem até o céu. E Deus sai de seu céu para escutá-los. Ellacuría tinha razão:
"Sobre dois pilares Dom Romero apoiava sua esperança: um pilar histórico, que era seu conhecimento do povo... e um pilar transcendente, que era sua persuasão de que ultimamente Deus é um Deus da vida e não de morte, que o último da realidade é o bem e não o mal".
Dom Pedro Casaldáliga costuma dizer: "Tudo é relativo, menos Deus e a fome". Para Dom Romero, a ultimidade está unificada: "Deus e o povo sofrido".
4. Seu último retiro espiritual. Dom Romero, sozinho diante de Deus. Um mês antes de ser assassinado, Dom Romero deixou escrito um diário, começado em 25 de fevereiro de 1980, com seus apontamentos sobre os exercícios espirituais. Neles abre sua alma a Deus e comunica ao seu pai espiritual, Segundo Azcue. Escreve sobre três coisas, mesmo que em ordem diversa ao que registramos aqui. É um texto comovedor e especialmente importante para conhecer o melhor possível sobre Dom Romero a partir daquilo que mais o preocupava.
a) "Não quero aceitar uma morte violenta que, nessas circunstâncias, é muito possível". Escreve só, diante de Deus; porém, nesses últimos dias também falou publicamente sobre sua morte.
"Tenho sido frequentemente ameaçado de morte. Devo dizer-lhes que, como cristão, não creio na morte sem ressurreição. Se me matam, ressuscitarei no povo salvadorenho. Digo isso sem nenhuma jactância; com a maior humildade. Como pastor estou obrigado pro mandato divino a dar a vida pelos que amo, que são todos os salvadorenhos, mesmo pelos que vão assassinar-me. Se essas ameaças se cumprirem, desde já ofereço a Deus meu sangue pela redenção e ressurreição de El Salvador".
Palavras de total nudez espiritual.
b) Falou também com o Padre Azcue sobre "minha situação conflitante com outros bispos". O problema era suficientemente conhecido. Com exceção de Dom Rivera, os demais bispos estavam contra ele. Em 1978, escreveram uma Carta Pastoral sobre as organizações populares, contrária a escrita por Dom Romero e Dom Rivera. Menos conhecidas foram suas dificuldades com o Vaticano; porém, na congregação de bispos queriam destituí-lo como arcebispo. De sua primeira visita a João Paulo II (7 de maio de 1079) saiu decepcionado e triste. Em sua segunda visita (30 de janeiro de 1980) sentiu compreensão e carinho. Anos antes, feliz, visitou a Paulo VI. "Coraggio", lhe disse o papa. Mencionamos tudo isso porque mostra o quanto Dom Romero esteve só diante de Deus, apesar de que em Roma encontrou consolo e conselho no Padre Arrupe e no Cardeal Pironio. Dom Romero deveu perguntar-se e perguntar a Deus: Senhor, e tua Igreja?".
c) O que mais surpreendeu foi ler seu escrúpulo: "não ser tão cuidadoso como antes em geral com minha vida espiritual". É enternecedor. Vai além da psicologia e penso que toca uma fibra de grande fineza ante o mistério de Deus. Poucos dias depois de escrever essas palavras, disse em sua homilia dominical: "Quem me dera, queridos irmãos, que o fruto dessa predicação de hoje fosse que cada um de nós fôssemos encontrar-nos com Deus e que vivêssemos a alegria de sua majestade e de nossa pequenez" (10 de fevereiro de 1980).
Ao longo de sua vida, Dom Romero se foi empapando de Deus. Morreu empapado de Deus.
*****
Assim vemos a Dom Romero desde seus últimos dias: "Homem dos pobres, homem de seu povo sofrido, home de Deus".
Outros disseram isso melhor e com menos palavras. Um camponês, quando lhe perguntaram quem foi Dom Romero, respondeu instantaneamente: "Dom Romero disse a verdade. Nos defendeu; defendeu os pobres. E por isso o mataram". O livro de María López Vigil ‘Piezas para um retrato' termina com a história de um homem limpando a tumba de Dom Romero. Perguntou-lhe por que fazia aquilo; e o home respondeu: "Porque ele era meu pai". E explicou. "Eu não sou mais do que um pobre. Às vezes faço carreto no mercado; outras vezes, peço esmolas e outras vezes gasto tudo com bebida e curto a ressaca largado nas ruas. Porém, sempre me animo. Eu tive um pai. Porque ele derramava todo seu carinho às pessoas como eu. Por isso, limpo sua tumba. Faz com que eu me sinta gente".
Recordam a Dom Romero em vida. Como Marcos, proclamam que Dom Romero é "uma boa notícia". "Com ele, Deus passou por El Salvador", disse o padre Ellacuría.
Nós falamos sobre Dom Romero, sobre o final de sua vida e a reflexão pode parecer sombria. Porém, desde seu final ele pode nos oferecer esperança. Jürgen Moltmann, o teólogo de "El Dios crucificado", escreveu: "Nem toda vida é motivo de esperança; porém, sim, o é a quem por amor tomou sobre si a cruz".
Assim foi a vida de Dom Romero. Dá esperança vê-lo caminhar pelos cantões de seu povo e escutar suas homilias na catedral. E dá esperança seu martírio.
Capela da UCA - Universidad Centroamericana, El Salvador.
23 de março, 2012.
Jon Sobrino
Quando só se pensa em Messias como Rei Glorioso
JESUS, O EMPREGADO DE TODOS, VEM MONTADO NUM ANIMAL DE CARGA
ABRIR OS OLHOS PARA VER
Esse texto fala da grande manifestação popular em favor de Jesus no Domingo de Ramos. Sentado num jumento, animal de carga, Jesus entra em Jerusalém, capital do seu povo. Os discípulos, as discípulas e povo romeiro, vindos da Galiléia, o aclamam como messias. Mas o povo da capital não participa. Apenas assiste, e as autoridades nem aparecem. A romaria termina na praça do Templo, a praça dos poderes. Parece uma passeata que termina diante da catedral e do Palácio do Planalto. Também hoje há manifestações populares. As suas reivindicações revelam o sofrimento do povo e a sua indignação frente às injustiças. Nem todos participam, pois tem medo. A maioria apenas assiste.
SITUANDO
Finalmente, após uma longa caminhada de mais de 140 quilômetros, desde a Galiléia até Jerusalém, a romaria está chegando ao seu destino. Neste quinto bloco (Mc 11,1 a 13,37), tudo se passa em Jerusalém, símbolo central da religião (Sl 122,3). No início do bloco, está o gesto simbólico de Jesus: aclamado pelo povo peregrino, ele entra na cidade montado num jumentinho, animal de carga.
A caminhada de Jesus e seus discípulos era também a caminhada das comunidades no tempo em que Marcos escrevia o seu evangelho: seguir Jesus, desde a Galiléia até Jerusalém, desde o lago até o calvário, com a dupla missão de denunciar os donos do poder que preparam a cruz para quem os desafia e de anunciar ao povo sofrido a certeza de que um mundo novo é possível. Esta mesma caminhada continua até hoje.
COMENTANDO
Marcos 11,1-3: A chegada em Jerusalém
Jesus vem caminhando, como romeiro no meio dos romeiros! O ponto final da romaria é o Templo, onde mora Deus! Em Betânia ele faz uma parada. Betânia significa Casa da Pobreza. Era um povoado pobre fora da cidade, do outro lado do Monte das Oliveiras. De lá, Jesus organiza e prepara a sua entrada na cidade. Ele manda os discípulos buscar um jumentinho, um jegue, animal de carga, para poder realizar um gesto simbólico.
Marcos 11,4-6: A ajuda dos discípulos e das discípulas
Os discípulos fazem como Jesus tinha mandado, e tudo acontece conforme o previsto. Eles encontram o jumentinho e o levam até Jesus. E alguns dos que ali se encontravam perguntaram: "Por que vocês estão soltando o jumentinho?" E eles responderam: "Jesus está precisando!" Todos nós somos como o jumentinho, animal de carga. Jesus precisa de nós.
Marcos 11,7-10: A entrada solene na Cidade Santa
Jesus monta o jumentinho e entra na cidade, aclamado pela multidão de peregrinos e pelos discípulos. Na cabeça deles está a ideia do messias rei glorioso, filho de Davi! Eles acreditam que, finalmente, o Reino de Davi tenha chegado e gritam: "Bendito o Reino que vem de nosso pai Davi!" Jesus aceita a homenagem, mas com reserva. Montado no jumentinho, ele evoca a profecia de Zacarias que dizia: "Teu rei vem a ti, humilde, montado num jumento. O arco de guerra será eliminado" (Zc 9,9-10). Jesus aceita ser o messias, mas não o messias rei glorioso e guerreiro que os discípulos imaginavam. Ele se mantém no caminho do serviço, simbolizado pelo jumentinho, animal de carga. Jesus ensina agindo. Os discípulos, que procurem entender o gesto de Jesus, mudem de ideia e se convertam!
ALARGANDO
As romarias do povo e os salmos de romaria
As romarias para Jerusalém se faziam três vezes ao ano, nas três grandes festas: Páscoa, Pentecostes e Tabernáculos (cf. Ex 23,14 e 17). Dos lugares mais distantes os romeiros vinham caminhando. Alguns faziam cinco, seis ou mais dias de viagem. Vinham para Jerusalém, a capital, "a cidade grande e bela, para onde tudo converge" (cf. Sl 122,3-4). As romarias eram momentos de confraternização e de muita alegria: "Fiquei foi contente, quando me disseram: Vamos para a Casa do Senhor!" (Sl 122,1). Nestas longas viagens, o povo rezava e cantava os Salmos de Romaria. Jesus também os rezou, junto com os peregrinos da Galiléia, nesta sua última romaria para a Casa de Deus, em Jerusalém.
Os "Salmos de Romaria" formam uma coleção de 15 salmos dentro do saltério, do Salmo 120 até o Salmo 134. São salmos pequenos. O povo que rezava quando subia para o Templo de Jerusalém em peregrinação. Por isso chamados "Cânticos das Subidas". Eles diziam: "Vinde! Vamos subir ao Monte de Javé!" (Is 2,3). "Vamos subir a Sião, a Javé, nosso Deus!" (Jr 31,6).
Apesar de pequenos, os Salmos de Romaria possuem uma grande riqueza. São uma amostra de como o povo rezava e se relacionava com Deus. Eles ajudam o povo a perceber os traços de Deus nos fatos da vida. Transformam tudo em prece, mesmo as coisas mais comuns da vida de cada dia. De um jeito bem simples, revelam a dimensão divina do quotidiano. Ajudam a perceber e a rezar a dimensão divina do humano.
Também eram chamados "Cânticos dos Degraus". Provavelmente por causa da majestosa escadaria de 15 degraus que dava acesso ao Templo de Jerusalém. Daí, talvez, a razão de a coleção ter exatamente 15 salmos.
A subida pelos 15 degraus da escadaria do Templo era uma imagem e um resumo da própria romaria, desde o povoado até Jerusalém. E ambas, tanto a subido como a romaria, eram um símbolo ou uma imagem da caminhada de cada pessoa em direção a Deus.
Quando, finalmente, após longa caminhada, o romeiro chega ao Templo e experimenta algo da presença de Deus, as palavras já não bastam para dizer o que se vive. Então, o gesto das mãos completa o que falta nas palavras. Isto transparece nos Salmos de Romaria. Assim, no último salmo, gesto e palavra se unem para expressar o que se vive: "Levantem as mãos para o santuário e bendigam a Javé!" (Sl 134,2).
Ao longo dos salmos de romaria, os mesmos pensamentos e sentimentos aparecem e reaparecem, do começo ao fim. Eles indicam a direção da oração, o rumo do Espírito. Eis uma lista que pode servir como chave de leitura para nós.
- O pano de fundo que percorrer estes salmos é a experiência libertadora do Êxodo e do Exílio;
- São orações em que agricultores expressam e rezam a sua vida e os seus problemas;
- Transparece nas imagens usadas uma situação de violenta opressão e de exploração do povo;
- Em alguns destes salmos, se passa do eu para o nós, o que revela a integração na comunidade;
- Neles se expressa a alegria intensa da confraternização dos romeiros em Jerusalém;
- O Templo ocupa um lugar importante na vida do povo, lugar de encontro com Deus;
- A ambivalência da monarquia e da cidade de Jerusalém: centro que atrai e que oprime;
- Um grande desejo de paz e de liberdade percorre quase todos estes salmos;
- Não usam ideias rebuscadas, mas transformam em prece as coisas comuns da vida;
- No centro de tudo, no começo e no fim, está a fé em "Javé que fez o céu e a terra".
Extraído livro Caminhando com Jesus - Círculos Bíblicos de Marcos - II Parte, de Carlos Mesters e Mercedes Lopes
quarta-feira, 28 de março de 2012
Antiterroristas cubanos afirmam que continuarão luta por justiça
26 de marzo de 2012, 09:19San Salvador, 26 mar (Prensa Latina) Os cinco antiterroristas cubanos prisioneiros nos Estados Unidos ratificaram que manterão sua luta pela dignidade, justiça e liberdade, vontade confirmada em duas mensagens ao povo salvadorenho. Em tais notas, os Cinco, como são conhecidos internacionalmente, agradecem a solidariedade recebida à causa de sua libertação após sua detenção no dia 12 de setembro de 1998. As cartas foram lidas ontem num culto ecumênico celebrado na igreja Nossa Senhora do Rosário, no centro da capital salvadorenha, com motivo do início hoje da visita a Cuba do papa Bento XVI. Na celebração, bispos de várias igrejas, sacerdotes, laicos e organizações sociais pediram ao Sumo Pontífice que defenda o fim do bloqueio dos Estados Unidos contra Cuba e a liberdade dos antiterroristas. É uma grande honra poder saudar a todos daqui dos Estados Unidos, onde prosseguimos esta batalha pela dignidade, justiça e liberdade, expressa a mensagem de Ramón Labañino, em nome dos cinco lutadores. Outro dos antiterroristas, Antonio Guerrero, destaca em sua mensagem a indestrutível amizade que une os povos salvadorenho e cubano, além de manifestar o eterno agradecimento pelo apoio à longa e difícil luta para levá-los de volta para casa. A grande batalha continua sendo de ideias, e unimo-nos a vocês nessa trincheira daqui de nossas prisões, onde jamais defraudaremos os valores dignos e puros que nos ensinou a Revolução e a história da América, sublinha Guerrero. Os lutadores, entre os quais estão também Fernando González, Gerardo Hernández e René González, foram detidos quando monitoravam nos Estados Unidos as atividades criminosas de grupos terroristas anticubanos. No culto, o embaixador de Cuba neste país, Pedro Pablo Prada, destacou que os cinco lutaram contra o terror e a morte, mas por vingança à rebeldia dos cubanos foram condenados pelo império a uma injusta, longa e cruel prisão. Esses cinco heróis salvaram a vida de cubanos, norte-americanos e centro-americanos inocentes. Eles merecem a liberdade e a justiça. Eles devem voltar o quanto antes ao seio de sua pátria e seu lar, com suas famílias, afirmou. O presidente (estadunidense Barack) Obama pode libertá-los e deve fazer isso já, sublinhou. A demanda foi ratificada por bispos das igrejas Luterana, Presbiteriana Reformada, Anglicana, sacerdotes católicos e comunidades eclesiais de base junto à Coordenadora Salvadorenha de Solidariedade por Cuba e veteranos da Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN). Em sua mensagem aos salvadorenhos, Labañino destaca que em todos estes anos sentiu sempre a firme presença dos salvadorenhos, "que jamais faltaram a nosso lado em todos os instantes, em especial nos mais críticos". René González cumpriu sua condenação e foi solto no dia 7 de outubro do ano passado, mas foi obrigado por um juiz a permanecer outros três anos nos Estados Unidos em "liberdade supervisionada". ocs/rl/es |
Concílio Vaticano II e Gaudium et Spes, A Carta Magna da Pastoral Social
Introdução
Nas comemorações do 50º aniversário do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965), mais do que nunca vale estudar a fundo a Constituição pastoral sobre a Igreja no mundo de hoje – Gaudium et Spes (GS), promulgada solenemente pelo para Paulo VI em dezembro de 1965, no encerramento do concílio. A Constituição Pastoral, portanto, terá seu cinquentenário celebrado em 2015. Nestes quase 50 anos, muito já se escreveu e se falou sobre este documento. A ideia de um documento de caráter pastoral, em princípio, não estava no programa do referido evento. Deve-se sua elaboração e aprovação a uma interpelação do Cardeal Suenens, lançada num discurso da I Sessão do Concílio Ecumênico Vaticano II, em dezembro de 1962, bem como ao empenho pessoal do então Cardeal Montini, eleito papa como o nome de Paulo VI no decorrer das sessões conciliares, com a morte de João XXIII.
Na trajetória histórica do cristianismo, poucos eventos e poucos documentos mexeram tanto com a Igreja como, respectivamente, o Concílio Vaticano II e a Gaudium et Spes. Na mensagem do Natal que se seguiu à sua aprovação, Paulo VI assim se referiu a ela: “O encontro da Igreja com o mundo atual foi descrito em páginas admiráveis na última Constituição do Concílio. Toda pessoa inteligente, toda alma honrada deve conhecer essas páginas. Elas levam, sim, de novo a Igreja ao meio da vida contemporânea, mas não para dominar a sociedade, nem para dificultar o autônomo e honesto desenvolvimento de sua atividade, mas para ilumina-la, sustenta-la e consola-la. Essas páginas, assim o pensamos, assinalam o ponto de encontro entre Cristo e o homem moderno e constituem a mensagem de Natal deste ano de graça ao mundo contemporâneo”.
Uma releitura atenta da Gaudium et Spes, no contexto da sociedade atual, pode significar uma grata surpresa, em três dimensões: primeiro, embora publicada há quase 50 anos, ela continua trazendo elementos preciosos para entender as transformações por que passa a sociedade moderna; depois, devido justamente a esse diagnóstico válido ainda para muitos problemas que estamos atravessando, ela fornece pistas para uma ação eficaz, seja do ponto de vista pastoral, seja do ponto de vista social e político; por fim, em conjunto com os demais documentos do Concílio Vaticano II, ela representa uma inflexão decisiva quanto à postura da Igreja diante dos principais desafios da modernidade.
1. Um novo olhar sobre o mundo moderno
Reconhecidamente, a maior novidade do Concílio Vaticano II é sua abertura e a tentativa de diálogo com os problemas e desafios do mundo moderno. Duas constatações iniciais marcam essa disposição. Na primeira, de caráter mais analítico, o documento lembra que “o gênero humano encontra-se hoje em uma fase nova de sua história, na qual mudanças profundas e rápidas estendem-se progressivamente ao universo inteiro”. Depois, num tom de denúncia que será característico de suas páginas, acrescenta que “o gênero humano nunca dispôs de tantas riquezas, possibilidades e poder econômico. No entanto, ainda uma parte considerável dos habitantes da terra padece fome e miséria e inúmeros são analfabetos” (GS, nº 4).
As “mudanças profundas e rápidas” de que fala o texto remontam, como se sabe, a uma série de transformações que sacudiram a Europa nos séculos precedentes, culminando com a Revolução Industrial. Esta, por sua vez, tem seus antecedentes no florescimento do comércio, ainda nos séculos XIII e XIV, nos descobrimentos de novas terras e novas riquezas, nos séculos XV e XVI, nos inventos e avanços científico-tecnológicos dos séculos XVII e XVIII e, por fim, na Revolução Francesa e seus desdobramentos na passagem do século XVIII ao século XIX.
O velho continente transforma-se de forma radical, seja na sua capacidade tecnológica e produtiva, seja na sua organização social e política, seja nas suas formas de pensar e agir, especialmente a partir do renascimento e do iluminismo. O teocentrismo da era medieval é gradativamente substituído pelo antropocentrismo moderno. O pensamento autônomo e emancipado, a teoria da evolução progressiva e os direitos do cidadão passam a formar um novo paradigma. Ciência, razão, tecnologia, progresso e democracia são termos que, combinados, constituem o que se poderia chamar de novo credo das sociedades ocidentais. O otimismo e até ufanismo em relação ao poder das novas descobertas científicas e em relação ao futuro da humanidade serão uma marca dos que acreditam piamente na chamada razão instrumental e aplicada. Razão e fé entram por caminhos bifurcados, aumentando cada vez mais a distância entre uma e outra. Igreja e comunidade científica experimentarão uma convivência tensa e cheia de desencontros.
Mas esse credo da modernidade irá sofrer profundos reveses no decorrer do século XX. Grande corrosão abalará progressivamente suas bases mais sólidas diante da atmosfera de competição e violência, guerra e barbárie no período que precede o Concílio. Evidente que muitos avanços foram conquistados. Basta tem em conta, por exemplo, os benefícios da medicina, dos transportes e das comunicações, para citar apenas esses. Mas os problemas mais agudos da humanidade permanecem chagas vivas, enquanto novos desafios surgem por todos os lados. Assim, ao chamar a atenção para “a condição do homem no mundo de hoje”, a Gaudium et Spes (GS), em sua primeira parte, põe a nu, por uma parte, as contradições, assimetrias e desigualdades sociais que se aprofundam por todas as partes, e, por outra, as esperanças e aspirações do ser humano enquanto imagem e semelhança de Deus. Alguns anos mais tarde, na Populorum Progressio (PP),a qual, como sabemos, constitui uma espécie de complemento da Constituição Pastoral do Vaticano II, Paulo VI irá novamente alertar para o flagrante contraste entre o progresso tecnológico e a capacidade produtiva, de um lado, e o subdesenvolvimento de tantos povos, de outro. Aliás, os dois documentos – GS e PP – dão continuidade a uma linha de pensamento que atravessa todo o Ensino Social da Igreja, isto é, o descompasso crescente entre crescimento econômico e desenvolvimento integral. Mais recentemente, os escritos de João Paulo II não se cansam de evidenciar, ao mesmo tempo, o acúmulo e a falta de distribuição dos bens produzidos por toda a sociedade. “Ricos cada vez mais ricos às custas de pobres cada vez mais pobres”, dirá em sua vista ao México.
Para usar a expressão de João XXIII, como abrir as “janelas do Vaticano aos novos ares” que se respira nesse mundo completamente transformado? Como entrar em diálogo aberto com a ciência e o pensamento contemporâneo? Como reconhecer, simultaneamente, os avanços e os limites do progresso tecnológico e do crescimento econômico? Como traduzir a solicitude pastoral da Igreja diante dos novos problemas e desafios? Por outro lado, numa sociedade cada vez mais marcada pelo pluralismo cultural e religioso, o que significa um ecumenismo não apenas formal, mas efetivo e conseqüente? Numa palavra, se o processo de evangelização passa, necessariamente, por uma profunda inculturação, como fazer isso frente aos valores e contra-valores da chamada modernidade?
São essas algumas das questões que preocupam os padres conciliares na década de 60, e que transparecem com insistência nas páginas da Gaudium et Spes. Neste sentido, não será exagero afirmar que a primeira frase deste documento traduz o espírito do próprio Concílio como um todo: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. Não se encontra nada verdadeiramente humano que não lhe ressoe no coração. Com efeito, a sua se constitui de homens que, reunidos em Cristo, são dirigidos pelo Espírito Santo, na sua peregrinação para o Reino do Pai. Eles aceitaram a mensagem da salvação que deve ser proposta a todos. Portanto, a comunidade cristã se sente verdadeiramente solidária com o gênero humano e com a história” (GS, nº 1).
2. Um novo olhar eclesiológico
Para entender a eclesiologia que está subjacente à Gaudium et Spes temos de voltar à Lumen Gentium (LG) e à Ad Gentes (AD), respectivamente, Constituição dogmática sobre a Igreja, e Decreto sobre a atividade missionária da Igreja, ambos documentos do Concílio Vaticano II. Concentramo-nos especialmente no capítulo II da LG, que tem como título O Povo de Deus. Retomando a teologia da aliança e a trajetória histórica do Povo de Israel, bem como a imagem do Corpo Místico, da Carta de São Paulo aos Coríntios, os padres conciliares concluem: “Como o Israel segundo a carne, que peregrinava no deserto, já é chamado Igreja de Deus, assim o novo Israel que, caminhando no presente tempo, busca a futura cidade perene, também é chamado Igreja de Cristo” (LG, nº 9). Aqui a inflexão eclesiológica é inegável: de uma Igreja até então entendida como hierarquia, passa-se claramente a uma Igreja Povo de Deus. O acento recai sobre o conjunto dos fiéis.
E o documento continua: “Deus convocou e constituiu a Igreja – comunidade congregada daqueles que, crendo, voltam seu olhar a Jesus, autor da salvação e princípio da unidade e da paz – a fim de que ela seja para todos e para cada um o sacerdócio visível desta salutífera unidade” (LG, nº 9).
Na continuidade do documento conciliar, poderíamos nos estender sobre os conceitos de “sacerdócio comum”, de “universalidade do único Povo de Deus”, da “índole missionária de toda a Igreja” ou “a relação dos leigos com a Hierarquia”. Mas o escopo destes parágrafos não é analisar a Lumen Gentium em si. Por isso, baste-nos neste espaço sublinhar que a Gaudium et Spes nasce no terreno de uma nova noção de eclesiologia. Nesta, Cristo é o centro e a cabeça da Igreja e, ao redor d’Ele, todos e todas somos iguais, embora com distintos ministérios diversas funções.
Não será necessária muita ginástica analítica para dar-se conta de como refletem, no interior da própria Igreja, as idéias democráticas que se consolidam na sociedade moderna. Os direitos humanos e as idéias democráticas constituem, como veremos, o fio condutor do Capitulo IV da segunda secção, sobre a vida da comunidade política.
No que diz respeito à atividade missionária da Igreja, também neste caso não é nosso objetivo tecer maiores comentários à Ad Gentes. Basta lembrar que “a Igreja peregrina é por natureza missionária” (AD, nº 2). “Essa missão no decurso da história continua e desdobra a missão do próprio Cristo, enviado a evangelizar os pobres. Eis porque a Igreja, impelida pelo Espírito de Cristo deve trilhar a mesma senda” (AD, nº 5).
Em síntese, os dois documentos citados apontam para uma Igreja simultaneamente circular e aberta. Circular, no que concerne à sua organização interna e à tomada de decisões, onde todos somos irmãos e irmãs, sem distinção de raça, cor, sexo, nação, classe, etc., mesmo exercendo papéis diferenciados. E aberta, na medida em que, pelo batismo, todo cristão é chamado a ser missionário, a propagar e viver a Boa Nova de Jesus Cristo onde quer que se encontre. Igreja como Povo de Deus, por um lado, e Igreja a caminho, por outro, são as expressões que sobressaem na eclesiologia do Concílio Vaticano II.
3. Um novo olhar profético
A segunda parte da Gaudium et Spes dedica três longos capítulos à análise da sociedade atual, seguida de orientações para a busca da justiça e da paz. No primeiro desses capítulos, sobre a vida econômico-social, o texto faz uma veemente denúncia das contradições que regem a economia: “No momento em que o progresso da vida econômica, dirigido e coordenado de maneira racional e humana, poderia mitigar as desigualdades sociais, com muita freqüência se torna o agravamento das desigualdades sociais, ou também cá e lá o regresso da condição social dos fracos e desprezo dos pobres. Enquanto uma enorme multidão tem falta de coisas absolutamente necessárias, alguns, mesmo em regiões menos desenvolvidas, vivem na opulência ou desperdiçam os bens. O luxo e a miséria existem simultaneamente”, Por isso que, logo em seguida, os padres conciliares insistem que “o progresso econômico deve permanecer sob a deliberação do homem. Não pode ser abandonado ao só arbítrio de poucas pessoas”, nem “ao curso quase mecânico da vida econômica” (GS, 63-65).
O documento segue falando da necessidade de subordinar a economia a decisões políticas e estas aos princípios éticos do bem comum, ao mesmo tempo que faz um apelo a condições de trabalho mais justas, levando em conta o respeito à pessoa humana. Faz ainda a crítica do latifúndio e do crescente poder financeiro e especulativo. Nem precisaria acrescentar que suas palavras, escritas há mais de 40 anos, revelam-se de uma atualidade surpreendente diante da ideologia do mercado total.
No capítulo a respeito da “vida da comunidade política”, como já assinalamos acima, insiste-se sobre o respeito aos direitos humanos de todos os cidadãos, o desejo de participação democrática no destino das nações e a responsabilidade de todos e todas na condução da vida pública. A novidade é que “todos os cristãos se tornem cônscios de seu papel próprio e especial na comunidade política”. “Pela integridade e com prudência, lutem contra a injustiça e a opressão, ou o absolutismo e a intolerância, seja de um homem ou de um partido” (GS, nº 75).
Convém não esquecer que a memória do nazismo e do fascismo, com os horrores dos campos de concentração e do holocausto, ainda estava bem viva nos países europeus e no mundo. E convém ter presente, também, as tentativas atuais de um novo tipo de colonialismo político e econômico, por parte dos países centrais sobre os países periféricos, com destaque para a hegemonia do mercado financeiro e o mecanismo perverso do endividamento externo. Como já nos alertou João Paulo II, “não podemos pagar a dívida com a fome e a miséria das populações pobres”.
Por fim, no capítulo sobre “a construção da paz e a promoção da comunidade dos povos”, o documento retoma os alertas de João XXIII, na Pcem in Terris, para o risco da corrida armamentista e da guerra total. Estamos em plena vigência da guerra-fria e o fantasma da bomba atômica ronda os países europeus. Não basta a “paz do medo, assentada sobre o equilíbrio das armas”, nem a “paz da morte” cuja lembrança permanece nos escombros, ruínas e cinzas da 2ª Guerra Mundial. O que se busca é a paz fundamentada na justiça e no direito (GS, nº 80-83). “O desenvolvimento é o novo nome da paz”, lembrará anos mais tarde Paulo VI.
A paz de que falam os padres conciliares pressupõe novas relações internacionais, novas instituições supranacionais, bem como cooperação das diferentes nações nos campos econômico, político, social e cultural. “Cabe à comunidade internacional” –diz o documento – organizar e estimular o desenvolvimento, mas de tal maneira que os fundos a isso destinados sejam aplicados de modo mais eficiente e com plena eqüidade. Pertence ainda a esta comunidade, sem prejuízo naturalmente do princípio de subsidiariedade, organizar as relações econômicas mundiais, a fim de que se desenvolvam conforma as normas da justiça” (GS, nº 86).
Em base a este parágrafo, valeria a pena analisar, por exemplo, o papel que estão desempenhando hoje instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Banco Mundial ou a Organização das Nações Unidas (ONU). Muito mais do que regular “com justiça e eqüidade” o comércio e a política entre as nações, tais organismos procuram manter a atual ordem mundial, ao mesmo tempo concentradora e excludente. Do ponto de vista da dignidade da pessoa humana, seria também produtivo confrontar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, com os valores éticos da Gaudium et Spes, por um lado, e, por outro, com as organizações internacionais acima.
4. Um novo olhar pastoral
Como o título indica, a Gaudium et Spes é uma “constituição pastoral” voltada para o “mundo de hoje”. Ao dirigir sua atenção para o mundo moderno, profundamente modificado e desafiador, os padres conciliares procuram superar, a bem dizer, uma visão predominantemente centrípeta por uma visão de caráter mais centrífugo. De fato, se voltarmos os olhos para a época medieval, não será difícil perceber como a Igreja permanecia debruçada prioritariamente sobre os problemas domésticos da doutrina, do ritualismo, dos próprios bens, e assim por diante. Para usar uma expressão popular, mantinha-se dentro da sacristia, voltada para dentro de si mesma.
O Concílio Ecumênico Vaticano II e, de modo especial, a Gaudium et Spessignificaram uma virada centrífuga para os problemas que afligem os seres humanos, num contexto de transformações aceleradas. Nas últimas décadas, particularmente a partir das novas tecnologias, o ritmo da história ganhou uma velocidade surpreendente. A Igreja empreende então um gigantesco esforço para acompanhar seus passos. As constituições, decretos e declarações do evento conciliar representam esse esforço de adaptar-se aos problemas e desafios pastorais contemporâneos.
Vale a pena insistir nesta abertura conciliar quando se sabe que atualmente, em alguns setores da Igreja, verifica-se uma espécie de movimento contrário, uma volta aos problemas internos, acompanhada de um espiritualismo muitas vezes desvinculado das questões políticas e sociais. Para alguns estudiosos, no confronto com o tom profético do Vaticano II, assiste-se a uma certa involução, em que predomina a nostalgia de uma Igreja triunfal e, nos casos mais extremos, até a uma tentativa de restaurar a velha cristandade. A verdade é que os documentos conciliares, no seu conjunto, constituem um tesouro que ainda não foi de todo explorado. Daí a importância de levar adiante as linhas gerais e orientações do Concílio Vaticano II, se se quiser responder aos desafios e questionamentos da sociedade moderna ou pós-moderna.
A esse respeito, o Concílio e sua constituição pastoral querem ser, para os dias de hoje, o olhar atualizado do Bom Pastor, o qual, ao “percorrer as cidades e aldeias” e encontrar as “multidões cansadas e abatidas”, “move-se de compaixão” (Mt 9,35-38). Compaixão é uma palavra composta: com + paixão. Ou seja, estar com o outro na hora da paixão. “Estar com” não significa dar coisas, mas dar-se a si mesmo; colocar-se à disposição, dispor do próprio tempo a serviço de quem necessita. É o mesmo sentimento que transparece no episódio do Bom Samaritano, do Pai Misericordioso ou no Juízo Final, enfim, é o próprio coração da mensagem evangélica, seu núcleo mais genuíno e original.
Hoje como nunca, as multidões continuam mordendo o pó da estrada em busca de uma sobrevivência cada vez mais precária, simultaneamente atraídas e rechaçadas pelo modelo econômico de corte neoliberal. Nem multidão anônima, cresce o número incalculável dos “sem”: sem terra, sem trabalho, sem teto, sem saúde, sem escola, etc. Pessoas aos milhares e milhões que, para voltar aos adjetivos do Evangelho, seguem “cansadas” de tantas promessas falsas e “abatidas” pelo peso da fome e da miséria, do abandono e da violência e de tantos outros males.
O Concílio tenta reproduzir, também, o olhar de pastor daquele Deus que repete e insiste: eu vi a miséria, eu ouvi o clamor, eu conheço o sofrimento e eu desci para libertar o povo escravo no Egito e conduzi-lo a uma terra onde “corre leite e mel”(Ex 3,7-10; Dt 26,5-10). A experiência religiosa, no evento fundante do Povo de Israel, é descoberta e o encontro com um Deus profundamente sensível e solidário à situação social concreta das pessoas. Um Deus atento e vigilante, cuja compaixão traduz-se nas quatro formas verbais da primeira pessoa do singular, assinaladas acima. Ou então o Deus que garante o sustento e a proteção “do órfão, da viúva e do estrangeiro”.
AGaudium et Spes retoma, ainda, a consciência de pastor que se verifica nos primórdios da Igreja. Bastaria um olhar a vôo de pássaro sobre a prática das primeiras comunidades cristãs, sobre as cartas e testemunhos neo-testamentárias de Pedro, João, Paulo e Tiago, ou sobre os escritos e obras dos Santos Padres – para nos darmos conta de como a misericórdia e a compaixão fazem parte da herança que Jesus deixou à sua Igreja. O mesmo olhar poderia ser dirigido aos chamados Santos Sociais e suas respectivas Congregações, na segunda metade do século XIX, onde novamente a atenção aos pobres, desvalidos e indefesos assume prioridade absoluta. Santos que, diga-se de passagem, e sem medo de errar, tornar-se-ão verdadeiros precursores do espírito que tomou conta do Concílio Vaticano II.
Por isso é que a conclusão da Gaudium et Spes constitui um duplo apelo: primeiro, ao diálogo entre todos os homens, pois “sendo Deus Pai o princípio e o fim de todas as coisas, somos todos chamados a ser irmãos. E por isso, destinados à única e mesma vocação, humana e divina”. Em seguida, através desse diálogo permanente, “podemos e devemos cooperar para a construção do mundo na paz verdadeira”(GS, nº 92).
Esse novo olhar pastoral constitui uma tentativa de traduzir para cada época, a dimensão social e política da tradição judaico-cristã e, mais especificamente, da Boa Nova de Jesus Cristo. Esse esforço exige, de uma parte, uma atenção redobrada sobre os problemas que afligem os seres humanos, aqueles onde a vida se encontra mais ameaçada. De outra parte, requer uma releitura contextualizada da Palavra de Deus. Entra em jogo aqui o famoso “círculo hermenêutico”, em que a vida interpela a Bíblia e esta interpela a vida, numa espiral crescente de intercessão entre fé e vida.
A ação social na Igreja, através das Pastorais Específicas, da Cáritas ou das Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s), em parceria com movimentos sociais, sindicais e estudantis, com organizações não governamentais e com entidades afins – essa ação social representa hoje em dia esse olhar evangélico. Uma postura misericordiosa e compassiva, sensível e solidária, voltada para os grupos ou situações sociais mais carentes e abandonados, onde a vida está mais ameaçada. Significa, em resumo, a solicitude pastoral permanentemente recriada e atualizada, de acordo com as dores e esperanças, lutas e sonhos, caminhos e aspirações dos pobres e excluídos.
Um novo olhar para o laicato
Dois conceitos fundamentais do Concílio Vaticano II ajudam a entender a nova dimensão dos leigos e leigas enquanto protagonistas da evangelização, por um lado, e artífices de uma sociedade justa, fraterna e solidária, por outro. Primeiramente, a noção de “Igreja como Povo de Deus”, onde os diversos serviços e ministérios não são mais ou menos importantes, mas apenas diferentes. A ideia de hierarquia, com seus degraus de importância diferenciada, dá lugar à uma concepção circular de comunidade, paróquia, diocese e igreja. Esta não é uma pirâmide, como já vimos, mas um círculo em que Cristo Crucificado e Ressuscitado se encontra no centro.
Em segundo lugar, a noção de “Igreja toda peregrina e missionária” do Decreto Ad Gentes sobre a Atividade Missionária da Igreja, em que, pelo batismo todos passamos a fazer parte do sacerdócio de Jesus Cristo, como “sacramento de salvação”. Evidente que, a esse aspecto, o Documento de Aparecida veio dar um reforço fundamental. Tendo como pano de fundo o clima do pentecostes, os bispos da América Latina e Caribe, propõem uma missão continental em que toda a Igreja esteja envolvida.
Desta forma, o próprio decreto Apostolicam Actuositatem, sobre o Apostolado dos Leigos, insiste que “nosso tempo exige dos leigos um zelo não menor, pois as circunstâncias atuais reclamam deles um apostolado mais intenso e mais amplo. Com efeito, o aumento constante da população, o progresso da ciência e da técnica, as relações humanas mais estreitas, não só aumentaram o campo de ação do apostolado leigo de maneira extraordinária; campo em grande parte só a eles aberto, mas criaram também novos problemas, que esperam deles um consciencioso cuidado e estudo” (AA, nº 01). A observação combina perfeitamente com a nova fase de nossa história de “mudanças profundas e rápidas”, como vimos anteriormente na Gaudium et Spes. De acordo com o espírito do decreto, leigos e leigas formam uma ponte entre a prática eclesial e a prática sociopolítica ou pública. É assim que o documento apresenta os diversos campos de ação dos mesmos, sublinhando as comunidades da Igreja, a família, os jovens, o ambiente social e a esfera nacional e internacional (AA, nºs 10-14). Na mesma perspectiva, e em sintonia com as encíclicas da Doutrina Social da Igreja, chama a atenção para as distintas modalidades ações, grupos e associações do apostolado leigo (AA, nºs 15-21).
Conclusão
Os olhares que acabamos de acompanhar ao longo do texto formam, na verdade, uma única visão de conjunto. Estão divididos em itens por motivos pedagógicos, mas na vida real permanecem inextricavelmente entrelaçados. Tendo em vista a ação da Igreja no seu conjunto e as atividades das Pastorais Sociais, em particular, esses olhares têm uma dupla finalidade, desdobrando-se cada uma delas, por sua vez, em duas dimensões. Por um lado, pretendemos desenvolver a prática de uma análise de conjuntura permanentemente atualizada; ao mesmo tempo, aprofundar o conhecimento dos princípios evangélicos que orientam a Doutrina Social da Igreja, seja na análise da realidade seja na busca de soluções aos problemas sociais.
Por outro lado, queremos mostrar as luzes ocultas e as pérolas encobertas desse tesouro que é a DSI, com particular destaque para a Gaudium et Spes, luzes e pérolas que, se e quando conhecidas, se revelam de enorme utilidade para a prática pastoral; no mesmo passo, contribuir para uma “pastoral orgânica e de conjunto”, pois, como bem sabemos, a GS é irmã gêmea de outros documentos, em que cada um procura dar conta de um aspecto diferente da vida cristã e eclesial. O intercâmbio e combinação de todos, numa visão aberta e plural, mostra a necessidade da comunhão e da partilha.
Alfredo J. Gonçalves
Para educadores, prova de alfabetização exige medidas de melhoria no ensino
O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, anunciou, na última segunda-feira, que pretende mudar a Provinha Brasil para permitir que ela seja um “termômetro” do nível de alfabetização das crianças no país.
O exame é aplicado desde 2008 a alunos do 2° ano do ensino fundamental e servia como ferramenta de uso exclusivo do professor, para que ele tivesse um diagnóstico de sua turma.
Com a mudança de finalidade, especialistas apontam que o processo precisa ser feito com cuidado para que as crianças de 8 anos, público-alvo da avaliação, não sofram pressão diante da expectativa de escolas e redes de ensino pelo resultado.
— A alfabetização é um processo complexo que envolve vários fatores, inclusive a questão familiar. As pesquisas apontam que o nível de escolarização dos pais é determinante no processo de alfabetização. Determinar uma idade certa para que a criança esteja alfabetizada, aos 7 ou 8 anos, é passar para ela uma responsabilidade que ela não tem condições de cumprir, acredita o coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara.
A professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) Stella Bortoni defende que os resultados sejam utilizados para apoiar as escolas que apresentem baixos índices de alfabetização.
— Para levar um curso de educação continuada para que os alfabetizadores tenham a oportunidade de se capacitar melhor, por exemplo, é uma boa medida. A prova precisa resultar em políticas que visem socorrer aquelas escolas ou sistemas cujos resultados estejam ruins, aponta.
A pesquisadora, especialista em alfabetização e letramento, avalia que os cursos de formação de professor não dedicam esforço suficiente para preparar os futuros alfabetizadores.
— Alfabetizar não é um bicho de sete cabeças, mas é preciso formar bons alfabetizadores que saibam o que estão fazendo, diz. Ela defende que a Provinha Brasil é um bom instrumento de avaliação e pode dar o feedback que o sistema precisa para desencadear medidas de apoio.
Daniel Cara aponta que a pergunta central deve ser “qual é objetivo da avaliação?”. “Se for para pressionar as redes e as crianças a serem alfabetizadas na idade certa, não serve. Mas se for na perspectiva de criar um pensamento de porque essas crianças não conseguem se alfabetizar, quais são as dificuldades que elas têm, sim”, diz.
A julgar pelo uso que é feito dos resultados de outras avaliações educacionais aplicadas pelo MEC, Cara defende que a mudança na Provinha Brasil poderá resultar em uma “pressão equivocada sobre as crianças” em vez de colaborar para processo de aprendizagem.
Para a presidente da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Cleuza Repulho, a mudança do perfil da Provinha Brasil pode ter efeitos positivos “As avaliações organizam os processos, se a redes souberem trabalhar e entender que são crianças de 8 anos [participando do exame], nós vamos ter mais tempo para fazer um trabalho coerente. Como sempre, na primeira vez, vai começar uma discussão de quem é melhor, quem é pior. Mas a avaliação serve como diagnóstico para a gente mudar essa realidade. Não temos nenhum problema com avaliação”, diz a presidente da entidade.
Fonte: Correio do Brasil
Mudanças climáticas podem causar temperaturas extremas e mais desastres
O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, IPCC, publicou hoje de Genebra, na Suíça, um estudo que prevê uma tendência ainda maior a temperaturas extremas no futuro.
A entidade da ONU, encarregada de analisar dados científicos sobre o clima do mundo inteiro, disse que o impacto das mudanças climáticas dependerá da capacidade humana de "adaptar-se e preparar-se" à essa nova realidade mundial.
O IPCC disse ainda que dados mostram que as mudanças climáticas do planeta são responsáveis não só por temperaturas e níveis de precipitação recordes nos últimos 50 anos, mas também por desastres naturais em regiões vulneráveis.
Mas segundo o especialista do IPCC, Chris Field, a mensagem principal da publicação é que a comunidade internacional já tem conhecimento suficiente para preparar-se para essas mudanças. Ele diz que o desafio é aplicar esse conhecimento para "tomar boas decisões, principalmente em situações de incerteza".
O IPCC observou ainda que o impacto das mudanças climáticas variam muito de acordo com fatores como vulnerabilidade, preparação e infraestutura.
Da Rádio ONU, em Nova York, Mônica Villela Grayley
Fonte: Radioagência
O foco das tensões sociais na América Latina
A esquerda latino-americana é cada vez menos "vermelha" e cada vez mais "marrom". A afirmação é do sociólogo uruguaio Eduardo Gudynas. Segundo ele, está ficando cada vez mais claro que os governos progressistas ou da nova esquerda se apoiam na exploração de commodities para alimentar o crescimento econômico. Tornamo-nos provedores de matérias primas para a globalização, diz ele.
Rompe-se, assim, o diálogo com o movimento verde e a esquerda de vermelha se transforma em marrom, destaca o sociólogo. O vermelho, cor símbolo da luta socialista, subordina-se à lógica do grande capital e, assumindo o modelo extrativista – primário exportador – provoca grandes impactos ambientais. O marrom é uma referência às crateras a céu aberto provocado pelos megaprojetos em curso em todo o continente.
O modelo extrativista patrocinado pelos governos de esquerda e, também, pelos de direita na América Latina é definido pelo escritor Raúl Zibechi como "apropriação dos bens comuns, direta ou indiretamente, para transformá-los em mercadorias".
Em praticamente todos os países da região, desde o México até o Chile, comunidades tradicionais e camponesas estão se levantando contra grandes projetos de desenvolvimento e de extração natural que, pegando carona no boom econômico da América Latina e nos altos preços das commodities, estão promovendo uma nova febre do ouro em paisagens tão distintas como o deserto mexicano e a floresta amazônica, comenta o escritor Tadeu Breda.
A obsessão pelo crescimento, a aposta em megaprojetos e a flexibilização do aparato normativo que protege o meio ambiente está no cerne das tensões sociais que se assiste em todo o continente. Marchas, protestos, ocupações e mobilizações fazem parte do cenário da luta social na América Latina nos últimos anos e, na maior parte delas, o arranque das mobilizações são os conflitos ambientais.
Uma pequena amostra disso tudo se pode ver aqui mesmo no Brasil. A agenda do país nas últimas semanas andou as voltas com o Código Florestal, a PEC 125 e a polêmica do relatório que envolve a hidrelétrica de Belo Monte e sofreu tentativa de censura da ministra Maria do Rosário. Em todos os conflitos o denominador comum é a agenda ambiental.
Num breve olhar para os países vizinhos se vê o mesmo. A questão ambiental está no centro dos conflitos entre os movimentos sociais e os governos progressistas. Tome-se como exemplo o que vem acontecendo no Equador, no Peru e na Bolívia, mas também com grau diferenciado na Argentina, na Colômbia e na Venezuela.
A esquerda latino-americana no poder continua presa a um modelo reduzido a lógica produtivista, onde o importante é o desenvolvimento das forças produtivas e o crescimento da economia. Essa concepção de matriz marxista aproxima-se do liberalismo, que também quer o desenvolvimento das forças produtivas. Distanciam-se apenas no instrumento de alavancagem do capital, para os primeiros esse papel cabe ao Estado; para os segundos, ao mercado. Nessa lógica a agenda ambiental não tem vez, porque é considerada um freio ao desenvolvimento das forças produtivas.
*Cesar Sanson é professor de sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Fonte: Radioagência
Venha se manifestar contra a privataria da Cultura! (TV Cultura)
Ato acontece no dia 3 de abril, terça-feira, no Sindicato dos Engenheiros de São Paulo. Entidades denunciam desmonte geral da rádio e TV Cultura, defendem retomada de programas extintos, democratização do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta, pluralismo, diversidade na programação e uma política transparente e democrática para abertura à programação independente.
As rádios e a TV Cultura de São Paulo se consolidaram historicamente como uma alternativa aos meios de comunicação privados. As rádios AM e FM ficaram conhecidas pela excelente programação de música popular brasileira e de música clássica. A televisão criou alguns dos principais programas de debates de temas nacionais, como o Roda Viva e o Opinião Nacional, e constituiu núcleos de referência na produção de programas infantis e na de musicais, como o Ensaio e o Viola, Minha Viola. As emissoras tornaram-se, apesar dos percalços, um patrimônio da população paulista.
Contudo, nos últimos anos, a TV e as rádios Cultura estão passando por um processo de desmonte e privatização, com a degradação de seu caráter público. Esse e outros fatos se destacam:
- mais de mil demissões, entre contratados e prestadores de serviço (PJs);
- extinção de programas (Zoom, Grandes Momentos do Esporte, Vitrine, Cultura Retrô, Login) e tentativa de extinção do Manos e Minas;
- demissão da equipe do Entrelinhas e extinção do programa, sem garantias de que ele seja quadro fixo do Metrópolis;
- aniquilação das equipes da Rádio Cultura e estrangulamento da equipe de jornalismo;
- enfraquecimento da produção própria de conteúdo, inclusive dos infantis;
- entrega, sem critérios públicos, de horários na programação para meios de comunicação privados, como a Folha de S.Paulo;
- cancelamento de contratos de prestação de serviços (TV Justiça, Assembleia e outros);
- doação da pinacoteca e biblioteca;
- sucateamento da cenografia, da marcenaria, de maquinaria e efeitos, além do setor de transportes.
Pela sua composição e formato de indicação, o Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta não tem a independência necessária para defender a Cultura das ações predatórias vindas de sua própria presidência. Mesmo que tivesse, sobre alguns desses pontos o Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta sequer foi consultado.
Não podemos deixar esse patrimônio do povo de São Paulo ser dilapidado, vítima de sucateamento promovido por sucessivas gestões sem compromisso com o interesse público, seriamente agravado na gestão Sayad.
Nesse momento, é preciso afirmar seu caráter público e lutar pelos seguintes pontos:
- Contra o desmonte geral da rádio e TV Cultura e pela retomada dos programas.
- Em defesa do pluralismo e da diversidade na programação.
- Por uma política transparente e democrática para abertura à programação independente, com realização de pitchings e editais.
- Pela democratização do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta
ATO CONTRA A PRIVATARIA DA CULTURA
3 de abril, terça-feira, às 19h
Sindicato dos Engenheiros de São Paulo
Rua Genebra, 25 – Centro (ao lado da Câmara Municipal)
Gilberto Maringoni
Hamilton Octavio de Souza
Ivana Jinkings
Joaquim Palhares – Carta Maior
Laurindo Lalo Leal Filho
Luiz Carlos Azenha – blog Vi o Mundo
Luiz Gonzaga Belluzzo
Renato Rovai – Revista Fórum e Presidente da Altercom
Rodrigo Vianna – blog Escrevinhador
Wagner Nabuco – Revista Caros Amigos
Emir Sader
Flávio Aguiar
Altercom - Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação
Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
CUT – Central Única dos Trabalhadores
Frente Paulista pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Fonte: Carta Maior
De volta ao futuro: Cúpula das Américas, G-20 e Rio+20
Neste primeiro semestre de 2012, os movimentos sociais da América Latina vão se confrontar com os governantes do planeta em três oportunidades: a Cúpula das Américas, na Colômbia; a reunião do G-20, no México e a Conferencia da ONU, a Rio+20, no Rio de Janeiro. Estes três encontros colocam desafios que dizem respeito ao passado, presente e futuro do continente e do planeta.
Neste primeiro semestre de 2012, os movimentos sociais da América Latina vão se confrontar com os governantes do planeta em três oportunidades: a Cúpula das Américas, em Cartagena (Colômbia); a Reunião do G-20, na cidade de Los Cabos, (México) e a Conferencia da ONU, a Rio+20, no Rio de Janeiro. Em cada uma destas ocasiões os movimentos se verão diante de desafios que dizem respeito ao passado, presente e futuro do continente e do planeta. Serão três momentos importantes para determinar o agora e o amanhã planetário.
A Cúpula das Américas recende a mofo. Criada por Bush Filho, com o objetivo de lançar a finada ALCA, teve sua primeira edição, não por acaso, em Miami e desta vez, não menos simbolicamente, se realizará na Colômbia, o mais fiel aliado dos EUA no continente e abrigo de bases militares norte-americanas.
Esta Conferência, com a presença do próprio Barack Obama, faz parte do esforço diplomático de Washington em recuperar uma hegemonia no seu antigo quintal, debilitada por diversos fatores entre os quais a crescente importância econômica da China na região e o fracasso dos governantes neoliberais, derrotados nas urnas por forças que, pelo menos em palavras, são críticas ao caminho preconizado há décadas pela tríade- Banco Mundial, FMI e OMC.
Nos últimos anos os EUA foram marginalizados de uma série de instâncias criadas pelos países latino-americanos, como a UNASUL e o Banco do Sul e agora - através desta Cúpula das Américas - buscam recuperar o tempo e o espaço perdidos. Apesar da imagem jovial de Obama o cheiro de naftalina é inevitável, como demonstra a exclusão de Cuba da reunião, recordando os tempos tenebrosos do “combate ao comunismo”, pródigo em ditaduras militares e seus cortejos de horrores. Por isto mesmo a agenda dos movimentos sociais durante a Cúpula contempla uma série de manifestações centrada na denúncia da militarização da região, da violência e os abusos contra os Direitos Humanos. Da Colômbia, que vive ainda um tempo obscuro já superado por boa parte dos países da América Latina, virá o brado contra um passado que não quer passar.
No México, a reunião do G-20, representa a atualidade da dominação, disfarçada por nomes como “governança global”. Inicialmente, G-7 (EUA, Inglaterra, Alemanha, Itália, França, Japão e Canadá) mais tarde G7+1 e G8 (com a inclusão da Rússia), se ampliou com a entrada dos chamados países emergentes, como forma de “democratizar” a gestão do planeta. Onde quer que se reúnam as reuniões do G-20 são perseguidas por manifestações que negam a estes governantes o direito de decidirem a sorte da humanidade.
Desta vez, no México não será diferente. Desde a capital mexicana até a Baixa Califórnia, estado onde será realizada a reunião, marchas, caravanas e grandes comícios denunciarão os responsáveis pela crise generalizada (econômica, social, política, ambiental) que afeta o planeta e as falsas alternativas que promovem mais do mesmo, ou seja, buscam intensificar a dominação do capital através da medicina amarga que como exemplo está sendo imposta na Grécia: demissões, corte de direitos sociais, recessão econômica e salvação dos bancos e governos, responsáveis diretos pela crise.
Quase ao mesmo tempo em que a reunião do G-20 será realizada no Brasil, a Conferencia Ambiental da ONU Rio+20 que tem como estrela anunciada a “economia verde”, proposta apresentada pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) como uma espécie de panacéia contra todas as crises e que na prática significa o aprofundamento da mercantilização da natureza, com a precificação e privatização dos bens comuns além da constituição de novos mercados, como o do carbono, apostando no aprofundamento do capitalismo como remédio da crise da civilização criada pelo próprio capital.
Em paralelo ao encontro dos chefes de estado, os movimentos sociais de todo mundo promoverão a Cúpula dos Povos que tem como eixo a denúncia dos aspectos estruturais da crise, a crítica das falsas soluções e a apresentação de propostas alternativas. Neste último ponto reside sua ligação com o amanhã. Pela primeira vez desde que os povos começaram a marchar em Seattle, um encontro desta natureza e desta magnitude (se esperam dezenas de milhares de participantes vindos dos quatro continentes) se propõe não só denunciar passado e presente, mas também apresentar as propostas consensuais para o futuro, uma espécie de plataforma dos 99% contra o programa dos 1% que dirigem o mundo em seu próprio proveito.
Partindo dos acúmulos reunidos em décadas de luta social e sistematizados em encontros, fóruns, assembleias e redes, os protagonistas da Cúpula dos Povos na Rio+20 se propõem a atravessar o Rubicão entre problemas e soluções, estabelecendo novos paradigmas para a vida em sociedade no planeta. Trata-se de um objetivo generoso e corajoso. Vale a pena participar
Luiz Arnaldo Campos
coordenador de Comunicação de Cúpula dos Povos
Fonte: Carta Maior
Água, o futuro e dois tipos de esperança
Dia 22 de março foi o "Dia Mundial da Água", criado pela ONU para que o mundo tome consciência e faça algo para evitar um grande desastre que poderá cair sobre a humanidade com a escassez de água potável no mundo.
Todos, ou quase todos, já viram ou ouviram falar do que pode acontecer se continuarmos desperdiçando um bem tão vital como água potável. Mas, parece que apenas um número relativamente pequeno está levando esse problema a sério. Por que será isso?
Muitos dos que estão engajados na campanha pela preservação de recursos naturais escassos, como água, parecem pressupor que as pessoas não se "conscientizaram" só porque ainda não conhecem suficientemente o problema. Assim, a contramedida seria falar mais, "conscientizar" mais. É claro que há muitos que ainda não conhecem esse problema, mas eu suspeito que haja outros fatores que levam pessoas que já conhecem, já tomaram consciência do problema da água, a viverem como se nada de grave fosse acontecer no futuro.
Deixe-me dar um exemplo do cotidiano para explicar melhor o que quero dizer. Quando algum conhecido nosso enfrenta um problema grave de saúde, nós costumamos encorajá-lo dizendo que "tudo vai ficar bem". E isso é importante porque sem esperança a pessoa não encontra força para lutar contra a enfermidade ou para enfrentar os efeitos colaterais do tratamento. Essa expressão "tudo vai ficar bem" revela uma confiança de que há um ser superior dirigindo as nossas vidas. E, se ao final, a pessoa morre, dizemos aos seus entes queridos que ela foi para um lugar melhor. Isto é, "tudo vai ficar bem", mesmo após a morte.
Esse tipo de "esperança" aparece também em algumas visões sobre a história da humanidade e do universo/criação. Há grupos - alguns ligados a eco-espiritualidade - que dizem que há um Deus bom e providencial guiando todo o universo. Todo o universo estaria prenhe do Espírito divino. E por isso a história da humanidade e de todo o universo caminha para um ponto de plenitude, e o bem vencerá o mal. É uma visão ampliada do "tudo vai ficar bem".
Se "tudo vai acabar bem", por que deveríamos levar a sério a ameaça de um futuro sombrio para humanidade por conta do desperdício da água potável? Quem compartilha dessa esperança "sabe" que Deus dará um jeito para resolver o problema no futuro. A esperança por detrás do "tudo vai acabar bem" é um tipo de esperança que pode conduzir a uma catástrofe. É um tipo de esperança que H. Hannoun chamou de "esperança expectante", que apenas espera.
Há, especialmente entre cristãos mais fundamentalistas, um outro tipo de esperança que leva as pessoas a não fazer nada diante do desafio. É a esperança "apocalíptica" fundamentalista de que o mundo só terá jeito após a volta de Jesus, e essa volta será precedida por grandes catástrofes. Neste sentido, a crise da água potável seria um sinal positivo, pois apressaria a volta de Jesus.
As pessoas e os povos só atuarão de verdade e efetivamente se levarem a sério a ameaça que enfrentamos. E para levar a sério esse desafio, devemos abandonar as concepções "teológicas" de histórias dirigidas ou guiadas por deuses, Espírito ou por algum tipo de "lei da história". Precisamos assumir, intelectual e existencialmente, que o futuro está aberto diante de nós. Mas, não nos engajamos nas lutas difíceis só porque descobrimos problemas graves. É preciso de uma força espiritual que nasce da esperança! Esperança essa que não seja somente "expectante", mas que leva a uma ação. Uma esperança que nasce de uma fé de que o mundo e o futuro podem ser melhores; uma esperança que nos convoca para ação.
Jung Mo Sung
Caetité - Bahia : sedia Encontro das CEBs do Zonal IV
Oração e Cartaz do 13º Intereclesial das CEBs
Deus da vida e do amor,
(Dom Pedro Casaldaliga)
CARTAZ DO 13º INTERECLESIAL
CEBs: RS realizaram ampliada estadual e diocesanas
Nos dias 10 e 11 de março, realizou-se em Santa Maria a 7ª Ampliada Diocesana das CEBs em preparação ao 13º Encontro Estadual, que será nos dias 26 a 29 de julho em Santa Maria. Desta reunião participaram Dom José Clemente Weber , bispo referencial das CEBs do RS, Neidi Paula Heck e Marcelo Heck. Das 18 dioceses do estado, 14 participaram.
No dia 14 de março, em Campina das Missões foi realizada a 1ª Ampliada Diocesana em preparação ao 29º Encontro Diocesano de CEBs, que será em Campina das Missões nos dias 27 e 28 de outubro. Da Ampliada participaram padres, lideranças leigas e o bispo diocesano.
NOSSAS LITURGIAS NÃO MINTAM - Aos 50 anos do Concílio
Dom José Clemente Weber
Diocese de Santo Ângelo
Quando, na Constituição O Sacrossanto Concílio, os padres conciliares afirmavam que a liturgia é o "ápice e a fonte da vida cristã" (SC 10), mais do que simples descrição, eles formulavam um voto, um desejo do que fosse a liturgia de então em diante. Já as primeiras palavras desse documento expressavam isso: O Sacrossanto Concílio propõe-se fomentar sempre mais a vida cristã entre os fiéis (SC 1).
Esse voto, na verdade, permanece um desafio para toda a Igreja e, em particular, para a nossa diocese, aos 50 anos de sua instalação. Qual aguilhão a instigar-nos, ele não nos deixará tão cedo. Em que consiste precisamente?
Quando aperto a mão de alguém, amigo ou desconhecido, mostro minha alegria de encontrá-lo, renovo meu compromisso de mútua simpatia e ajuda ou manifesto minha surpresa e vontade de conhecê-lo mais e entrar em comunicação com ele. Esta significação objetiva do aperto de mão pode facilmente desvirtuar-se. E é muito triste quando um belo gesto vira algo mecânico, mero reflexo ou, pior, algo contraditório. Vira então um gesto sem vida, sem alma, estranho à substância do coração.
Os sacramentos, sobretudo o da Eucaristia, são em si os gestos litúrgicos mais significativos da vida cristã. Sofrem, porém, a pior das desventuras quando deixam de significar o que são por sua natureza. A missa, por exemplo, tem um significado belíssimo. É o gesto da amizade incondicional e absoluta de Deus e da sua partilha conosco e com toda a humanidade. A vida cristã tem nele sua máxima expressão e sua fonte de vitalidade. Sacramento da amizade e partilha dos homens entre si e com Deus, sacramento da sua vocação e missão. Participar da Eucaristia com o coração preocupado em acumular, ávido de dinheiro e monopólios é a pior das hipocrisias e contradições do cristão.
Um sábio hindu dizia que os cristãos tinham compreendido apenas a metade do cristianismo, sabiam que Cristo e Deus eram um só, mas ainda não se tinham dado conta de que também Cristo e o homem tinham se tornado um só. De fato, não há um só homem livre da influência de Cristo. Esta era a luz verdadeira, que vindo ao mundo a todos ilumina (Jo 1,9). Deus vive com os homens, solidário com eles, e tantos o procuram acima das nuvens!
Desde a encarnação de Cristo, o segundo mandamento: Amarás o teu próximo como a ti mesmo tornou-se semelhante ao maior e primeiro mandamento: Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento (Mt 23, 36...). A vida cristã é medida, por isso, não pelo número de missas participadas nem pelas horas de adoração, mas pelas atitudes e gestos de fraternidade e solidariedade.
A melhor pregação que nossas comunidades, chamadas a serem missionárias, poderão fazer é a pregação da sua fraternidade, da mútua simpatia, das atenções e dos cuidados de uns pelos outros, da solidariedade para com todos. Mais do que prometer ou pedir milagres do céu por esta ou aquela pessoa, cabe-nos realizar, com a graça de Deus, o milagre da amizade e partilha, conforme o mandamento novo do Senhor: Amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei (Jo 15,12). É certamente o milagre que leva mais gente à conversão. Se os gestos litúrgicos são importantes é porque exprimem e alimentam os gestos mais distintivos da vida cristã, os da auto-doação e do acolhimento.
Dessa vida partilhada na alegria e amizade, como a de Jesus, nossas liturgias hão de ser o ápice e a fonte. Se não as fizermos tais, torná-las-emos mentirosas.