quarta-feira, 28 de março de 2012

O foco das tensões sociais na América Latina

A questão ambiental está no cerne da tensão entre os movimentos sociais e os governos progressistas na América Latina.

A esquerda latino-americana é cada vez menos "vermelha" e cada vez mais "marrom". A afirmação é do sociólogo uruguaio Eduardo Gudynas. Segundo ele, está ficando cada vez mais claro que os governos progressistas ou da nova esquerda se apoiam na exploração de commodities para alimentar o crescimento econômico. Tornamo-nos provedores de matérias primas para a globalização, diz ele.

Rompe-se, assim, o diálogo com o movimento verde e a esquerda de vermelha se transforma em marrom, destaca o sociólogo. O vermelho, cor símbolo da luta socialista, subordina-se à lógica do grande capital e, assumindo o modelo extrativista – primário exportador – provoca grandes impactos ambientais. O marrom é uma referência às crateras a céu aberto provocado pelos megaprojetos em curso em todo o continente.

O modelo extrativista patrocinado pelos governos de esquerda e, também, pelos de direita na América Latina é definido pelo escritor Raúl Zibechi como "apropriação dos bens comuns, direta ou indiretamente, para transformá-los em mercadorias".

Em praticamente todos os países da região, desde o México até o Chile, comunidades tradicionais e camponesas estão se levantando contra grandes projetos de desenvolvimento e de extração natural que, pegando carona no boom econômico da América Latina e nos altos preços das commodities, estão promovendo uma nova febre do ouro em paisagens tão distintas como o deserto mexicano e a floresta amazônica, comenta o escritor Tadeu Breda.

A obsessão pelo crescimento, a aposta em megaprojetos e a flexibilização do aparato normativo que protege o meio ambiente está no cerne das tensões sociais que se assiste em todo o continente. Marchas, protestos, ocupações e mobilizações fazem parte do cenário da luta social na América Latina nos últimos anos e, na maior parte delas, o arranque das mobilizações são os conflitos ambientais.

Uma pequena amostra disso tudo se pode ver aqui mesmo no Brasil. A agenda do país nas últimas semanas andou as voltas com o Código Florestal, a PEC 125 e a polêmica do relatório que envolve a hidrelétrica de Belo Monte e sofreu tentativa de censura da ministra Maria do Rosário. Em todos os conflitos o denominador comum é a agenda ambiental.

Num breve olhar para os países vizinhos se vê o mesmo. A questão ambiental está no centro dos conflitos entre os movimentos sociais e os governos progressistas. Tome-se como exemplo o que vem acontecendo no Equador, no Peru e na Bolívia, mas também com grau diferenciado na Argentina, na Colômbia e na Venezuela.

A esquerda latino-americana no poder continua presa a um modelo reduzido a lógica produtivista, onde o importante é o desenvolvimento das forças produtivas e o crescimento da economia. Essa concepção de matriz marxista aproxima-se do liberalismo, que também quer o desenvolvimento das forças produtivas. Distanciam-se apenas no instrumento de alavancagem do capital, para os primeiros esse papel cabe ao Estado; para os segundos, ao mercado. Nessa lógica a agenda ambiental não tem vez, porque é considerada um freio ao desenvolvimento das forças produtivas.

*Cesar Sanson é professor de sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).


Fonte: Radioagência

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