quarta-feira, 28 de março de 2012

NOSSAS LITURGIAS NÃO MINTAM - Aos 50 anos do Concílio

Dom José Clemente Weber

Diocese de Santo Ângelo

Quando, na Constituição O Sacrossanto Concílio, os padres conciliares afirmavam que a liturgia é o "ápice e a fonte da vida cristã" (SC 10), mais do que simples descrição, eles formulavam um voto, um desejo do que fosse a liturgia de então em diante. Já as primeiras palavras desse documento expressavam isso: O Sacrossanto Concílio propõe-se fomentar sempre mais a vida cristã entre os fiéis (SC 1).

Esse voto, na verdade, permanece um desafio para toda a Igreja e, em particular, para a nossa diocese, aos 50 anos de sua instalação. Qual aguilhão a instigar-nos, ele não nos deixará tão cedo. Em que consiste precisamente?

Quando aperto a mão de alguém, amigo ou desconhecido, mostro minha alegria de encontrá-lo, renovo meu compromisso de mútua simpatia e ajuda ou manifesto minha surpresa e vontade de conhecê-lo mais e entrar em comunicação com ele. Esta significação objetiva do aperto de mão pode facilmente desvirtuar-se. E é muito triste quando um belo gesto vira algo mecânico, mero reflexo ou, pior, algo contraditório. Vira então um gesto sem vida, sem alma, estranho à substância do coração.

Os sacramentos, sobretudo o da Eucaristia, são em si os gestos litúrgicos mais significativos da vida cristã. Sofrem, porém, a pior das desventuras quando deixam de significar o que são por sua natureza. A missa, por exemplo, tem um significado belíssimo. É o gesto da amizade incondicional e absoluta de Deus e da sua partilha conosco e com toda a humanidade. A vida cristã tem nele sua máxima expressão e sua fonte de vitalidade. Sacramento da amizade e partilha dos homens entre si e com Deus, sacramento da sua vocação e missão. Participar da Eucaristia com o coração preocupado em acumular, ávido de dinheiro e monopólios é a pior das hipocrisias e contradições do cristão.

Um sábio hindu dizia que os cristãos tinham compreendido apenas a metade do cristianismo, sabiam que Cristo e Deus eram um só, mas ainda não se tinham dado conta de que também Cristo e o homem tinham se tornado um só. De fato, não há um só homem livre da influência de Cristo. Esta era a luz verdadeira, que vindo ao mundo a todos ilumina (Jo 1,9). Deus vive com os homens, solidário com eles, e tantos o procuram acima das nuvens!

Desde a encarnação de Cristo, o segundo mandamento: Amarás o teu próximo como a ti mesmo tornou-se semelhante ao maior e primeiro mandamento: Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento (Mt 23, 36...). A vida cristã é medida, por isso, não pelo número de missas participadas nem pelas horas de adoração, mas pelas atitudes e gestos de fraternidade e solidariedade.

A melhor pregação que nossas comunidades, chamadas a serem missionárias, poderão fazer é a pregação da sua fraternidade, da mútua simpatia, das atenções e dos cuidados de uns pelos outros, da solidariedade para com todos. Mais do que prometer ou pedir milagres do céu por esta ou aquela pessoa, cabe-nos realizar, com a graça de Deus, o milagre da amizade e partilha, conforme o mandamento novo do Senhor: Amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei (Jo 15,12). É certamente o milagre que leva mais gente à conversão. Se os gestos litúrgicos são importantes é porque exprimem e alimentam os gestos mais distintivos da vida cristã, os da auto-doação e do acolhimento.

Dessa vida partilhada na alegria e amizade, como a de Jesus, nossas liturgias hão de ser o ápice e a fonte. Se não as fizermos tais, torná-las-emos mentirosas.

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