quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Dia da Reforma: um marco na história das religiões

Martinho Lutero, nascido em 10 de novembro de 1483, em Eisleben, iniciou sua formação aos 18 anos, na Universidade de Erfurt. Aos 21 anos, tornou-se doutor em filosofia. Em 1505, completou o curso de artes. Com 22 anos, entrou para o mosteiro dos Eremitas Agostinianos. Em setembro de 1508, aos 24 anos de idade, mudou-se para Wittenberg, onde pretendia continuar seus estudos. Nove anos mais tarde, em 1517, conta a história que ele pregaria na porta da igreja do castelo de Wittenberg suas 95 teses desafiando os ensinamentos da Igreja sobre a penitência, a autoridade do papa e a utilidade das indulgências e com um convite aberto ao debate sobre elas, o que marcaria o início da Reforma Protestante.
Afirmava Lutero, na abertura de suas Teses: "Por amor à verdade e no empenho de elucidá-la, discutir-se-á o seguinte em Wittenberg, sob a presidência do reverendo padre Martinho Lutero, mestre de Artes e de Santa Teologia e professor catedrático desta última, naquela localidade. Por esta razão, ele solicita que os que não puderem estar presentes e debater conosco oralmente o façam por escrito, mesmo que ausentes. Em nome do nosso Senhor Jesus Cristo. Amém."
A partir da publicação-protesto do "Debate para o esclarecimento do valor das indulgências", o texto foi traduzido do latim para o alemão, o holandês e o espanhol em menos de um mês, iniciando-se aí um forte processo de divulgação e estudo das Teses. Em 1518, Lutero foi considerado herege pela Igreja Católica e, em 1521, a bula papal de Leão X "Decet Romanum Pontificem" determinava a excomunhão do monge.
Lutero foi então exilado no Castelo de Wartburg, em Eisenach, onde permaneceu por cerca de um ano. Durante esse período, trabalhou na sua tradução da Bíblia para o alemão, publicando o Novo Testamento em setembro de 1522.
Assim, começaram a ocorrer renúncias ao voto de castidade e do celibato, ao mesmo tempo em que outros tantos atacavam os votos monásticos, além da eliminação das imagens nas igrejas. O casamento de Lutero com a ex-freira cisterciense Catarina von Bora incentivou o casamento de outros padres e freiras que haviam adotado a Reforma. Em janeiro de 1521 foi realizada a Dieta de Worms, que teve um papel importante na Reforma. Nela, em vez de Lutero desmentir as suas teses, como lhe era pedido, defendeu-as e pediu a reforma, o que ficou registrado na história pela suas palavras: "Hier stehe ich. Ich kann nicht anders" (Aqui estou. Não posso renunciar).
Para responder a esse processo, a Igreja Católica realizou o Concílio de Trento (1545-1563), que resultou no inicio da Contra-Reforma ou Reforma Católica. A Inquisição e a censura exercidas pela Igreja foram a resposta para evitar que as idéias reformadoras encontrassem divulgação em outros países. Foi nesse período que ocorreu o Massacre da Noite de São Bartolomeu, na França, em 24 de agosto de 1572, tendo se estendido por vários meses, inicialmente em Paris e depois em outras cidades francesas, vitimando entre 70 mil e 100 mil protestantes franceses, os chamados huguenotes.
A Reforma, ao longo do tempo, foi se firmando em quatro pilares principais: somente a Escritura (sola scriptura), somente a graça de Deus (sola gratia), somente Jesus Cristo (solus Christus) e somente a fé (sola fide). Com isso, afirmava-se que a Escritura revela a verdade da salvação eterna através de Jesus Cristo, e nenhum outro livro ou mensagem pode tornar-nos capazes para a salvação. Daí vem o propósito de Lutero de traduzir essa verdade para a língua do seu povo. A Reforma também defendeu que, em seu grande amor e misericórdia, Deus tomou a iniciativa de salvar o homem. Porém, como foi concebido em pecado, o homem não tem forças para se salvar. Por isso, Jesus Cristo, por causa do sacrifício feito na cruz e por causa da sua ressurreição, é o Único que pode salvar o ser humano dos inimigos que o aprisionam. Assim, a Reforma está baseada na Escritura como regra ou norma única de fé e vida, e sobre a fé somente em Jesus como Salvador da humanidade.
A primeira tentativa de estabelecer uma igreja protestante no Brasil foi em 1555, que pretendia dar refúgio aos calvinistas franceses, perseguidos pela Inquisição européia. A segunda tentativa foi em 1630, quando os holandeses tomaram Recife, Olinda e parte do Nordeste, registrando a presença do protestantismo. Após a expulsão dos holandeses, em 1654, o Brasil fechou as portas aos protestantes por mais de 150 anos.
Com a chegada da família real, em 1808, abriu-se uma brecha no monopólio católico, permitindo a presença de outras religiões. Os protestantes estrangeiros, no entanto, não podiam pregar nem construir igreja com torre, mais podiam reunir-se e cultuar a fé, comercializar a Bíblia e até distribuí-la.
O luteranismo foi trazido ao Brasil pelos primeiros imigrantes alemães que desembarcaram em São Leopoldo, no Vale do Sinos, no Rio Grande do Sul, em 1824.
 
Moisés Sbardelotto
 

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

PIERRE TEILHARD DE CHARDIN (1881-1955)


Pierre Teilhard de Chardin nasceu em Sarcenat, Clermont-Ferrand, na França, em 1881. Ingressou na Companhia de Jesus em 1899, ordenou-se sacerdote em 1911 e lecionou geologia e paleontologia no Instituto Católico de Paris de 1920 a 1923. Em seguida, permaneceu no Oriente (China, Índia, Birmânia, Java) até 1946, com vários períodos de estudo passados nos Estados Unidos e na Somália-Etiópia. Em 1923, descobriu a civilização paleolítica do deserto de Ordos, depois participou das escavações de Chou-k'ou-tien, que levaram à descoberta do sinantropo (Sinantropos pekinensis). Retornou à pátria em 1946 e esteve novamente nos Estados Unidos em 1951 e em 1953, encarregado de organizar as pesquisas antropológicas no sul da África.

Famoso como cientista, seu pensamento religioso e teológico, porém, só teve sucesso e difusão mundial após sua morte, sobretudo devido à publicação de numerosas obras ainda inéditas, que indicavam à teologia contemporânea novos caminhos de investigação, mais arrojados, baseados na antropologia e na interpretação evolucionista da criação.

Toda sua vida e obra se resume nestas palavras: 'Sou um cidadão do Céu e um cidadão da Terra'. Dedicou-se arduamente aos estudos paleontológicos e biológicos, enquanto era um homem de profunda espiritualidade e vida interior. Procurou fazer uma síntese entre Cristianismo e Evolucionismo.

Dentre seus escritos mais famosos destacam-se: "O coração da matéria" (1950), "O fenômeno humano" (1955), "O surgimento do homem" (1956), "O lugar do homem na natureza" (1956), "O meio divino" (1957), "O futuro do homem" (1959), "A energia humana" (1962), "Ciência e Cristo" (1965).

O Santo Ofício chegou mesmo a divulgar um monitum, ou advertência simples, para a aceitação das idéias do religioso, no entanto, suas idéias marcaram e influenciaram profundamente o Concílio Vaticano II.

Teilhard de Chardin regressou à França em 1946, mas ante a impossibilidade de publicar seus textos - que circularam em exemplares mimeografados e só foram editados após sua morte - transferiu-se para os Estados Unidos. Ingressou então na Fundação Wenner-Gren, de Nova York, que patrocinou, nos últimos anos de sua vida, duas expedições científicas ao continente africano.

As teorias teilhardianas, que tendem a interpretar a inspiração cosmológica e escatológica do cristianismo primitivo à luz da ciência moderna, embora recebidas com suspeitas e entre violentas polêmicas, contribuíram para a aproximação entre cristianismo e mundo científico moderno. Em 1950, Teilhard foi nomeado membro da Academia de Ciências de Paris.

Teilhard de Chardin morreu em Nova York, em 10 de abril de 1955, no domingo de Páscoa. Ele teria dito algumas semanas antes numa conversa com amigos: "Seria tão bom morrer na Páscoa!".

PENSAMENTOS DE TEILHARD DE CHARDIN

"Em virtude da criação, e mais ainda da Encarnação, nada é profano neste mundo, para quem sabe ver".

"Ter consciência de que o trabalho humano aperfeiçoa o reino de Deus, e que o esforço é uma participação na Cruz de Cristo, eis o privilégio do homem cristão. É a Deus e a Deus somente que ele forma através da realidade das criaturas".

"Eu amo-Vos Jesus pela multidão que se abriga dentro de vós, que ouço, com todos os outros seres, falar, rezar, chorar, quando me junto a Vós".

"Se não nos amarmos uns aos outros pereceremo, porque para ser mais é preciso unir sempre mais".

"Ser é unir-se a si mesmo, ou unir os outros"

"É um dever sagrado para o cristão, em matéria de verdade humana, pesquisar e comunicar o que ele encontra aos profissionais e em nível profissional".

"Porque o Cristo é Ômega, o Universo está fisicamente impregnado, até no seu âmago material, da influência de sua natureza sobre-humana. A presença do Verbo encarnado penetra tudo como um Elemento Universal".

"Jesus crucificado não é um rejeitado ou um vencido. Pelo contrário. Ele é Aquele que carrega o peso e que sobreleva sempre, em direção a Deus, os progressos da marcha universal".

"Se meus escritos são de Deus, passarão. Se não são de Deus, só resta esquecê-los".

"O futuro é como as águas sobre as quais se aventurou o Apóstolo: carrega-nos na proporção de nossa fé".

"O Cristianismo mais tradicional, o do Batismo, da Cruz e da Eucaristia é susceptível de uma tradução onde passa o melhor das aspirações contemporâneas".

"Se eu pudesse mostrar apenas, por um instante que fosse, aquilo que eu vejo, acho que valeriam a pena todos os esforços de uma vida inteira".

"A única religião daqui por diante possível para o Homem é aquela que lhe ensinará, primeiro, a reconhecer, amar e servir apaixonadamente o Universo do qual ele faz parte".

"A coisa mais impossível de se deter no Mundo é a marcha de uma idéia. Nada poderia jamais impedir o Homem de procurar tudo pensar e tudo experimentar até fim".

"Tu que feres e curas, tu que resistes e és dócil, tu que arruínas e que constróis, tu que acorrentas e que libertas - seiva de nossas almas, Mão de Deus, Carne de Cristo, Matéria, eu te bendigo!"

"Quando, pela primeira vez, num ser vivo, o instinto se percebeu no espelho de si mesmo, foi o Mundo inteiro que deu um passo".

"Quanto mais o Homem se tornar Homem, menos aceitará se mover senão em direção do interminavelmente eindestrutivelmente novo: ... o Absoluto".

"O homem não é apenas um ser que sabe, mas é também um ser que sabe que sabe".

"A alma humana é feita para não estar sozinha".

"Matéria, Vida e Energia: as três colunas de minha visão e de minha felicidade interior".

"Todos os sofredores da Terra juntando seus sofrimentos para que a dor do Mundo se torne um grande e único ato de consciência, de sublimação e de união: ... uma das mais altas formas da obra da Criação".

"O Universo, considerado em seu conjunto, tem um fim e não pode errar de direção, nem parar no caminho".

"Todos os que querem afirmar uma verdade antes do tempo arriscam-se a descobrirem-se heréticos".

"Algum dia, quando tivermos dominado os ventos, as ondas, as marés e a gravidade... utilizaremos as energias do amor. Então, pela segunda vez na história do mundo, o homem descobrirá o fogo."

"Nosso Cosmo, no fundo, não é senão o lento nascimento de uma consciência universal".

"Amar a Deus não somente 'de todo o seu corpo e de toda a sua alma' mas detodo o Universo em evolução".

"Eu creio que o Universo é uma Evolução. Eu creio que a Evolução vai para o Espírito. Eu creio que o Espírito, no Homem, se conclui no Pessoal. Eu creio que o Pessoal supremo é o Cristo-Universal".

"Quando o Cristo, prolongando o movimento da sua encarnação, desce ao pão para substituí-lo, sua ação não se limita à parcela material que sua Presença vem, por um momento, volatizar. Mas a transubstanciação se aureola de uma real, ainda que atenuada, divinização de todo o Universo. Do elemento cósmico em que se inseriu, o Verbo age para subjugar e assimilar a Si todo o resto".

"Aquele que amou apaixonadamente a Jesus escondido nas forças que fazemmorrer a Terra, a Terra, desfalecendo, abraçá-lo-á maternalmente em seusbraços gigantes, e, com ela, ele despertará no seio de Deus".

"O grande acontecimento de minha vida foi a gradual identificação de dois sóis no céu de minha alma, sendo um o ápice cósmico postulado por uma evolução generalizada do tipo convergente e outro constituído pelo Jesus da fé cristã".

"Matéria, Vida e Energia: as três colunas de minha visão e de minha felicidade interior".

"Cada um de nós, quer queira quer não, liga-se, por todas as suas fibras materiais, orgânicas e psíquicas, a tudo que o circunda".

"Cada indivíduo carrega em si algo de todo o interesse final do Cosmo".

"Quando o sacerdote pronuncia as palavras: 'Isto é o meu corpo', as palavras incidem diretamente sobre o pão e diretamente transformam-no na realidade individual do Cristo. Mas a grande ação sacramental não pára neste acontecimento local e momentâneo... Há uma 'eucaristização' de toda a criação".

“Senhor, já que uma vez ainda, não mais nas florestas da França, mas nas estepes da Ásia, não tenho pão, nem vinho, nem altar, eu me elevarei acima dos símbolos até à pura majestade do Real, e vos oferecerei, eu, vosso sacerdote, sobre o altar da terra inteira, o trabalho e o sofrimento do mundo”.
 
Gilberto Ribeiro e Silva
 

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO E A PREOCUPAÇÃO ECOLÓGICA


Um apaixonado pela terra. Mais do que isso. Pela Mãe Terra. Alguém que tem a humildade de reconhecer a grandeza e a divindade de Deus manifestada em cada elemento da natureza. E desta forma vive e faz Teologia. Este é Leonardo Boff, renomado teólogo brasileiro, que abrilhantou o palco do Anfiteatro Pe. Werner da Unisinos, na primeira conferência da manhã de ontem, dia 10 de outubro, durante o quarto dia do Congresso Continental de Teologia.

Ele abriu sua fala esclarecendo que falaria sobre a relação entre Teologia da Libertação e a preocupação ecológica. Afinal, explicou, “não podemos, como teólogos cristãos, esquecer nossa responsabilidade diante das ameaças à Terra”.

Em seguida, apresentou alguns traços biográficos seus para que o público entendesse como ele chegou ao tema da ecologia relacionado à Teologia da Libertação, considerando que trabalha nessa relação há 10 anos aproximadamente. “Recebi uma carta do Papa em que me pedia que eu fosse mais sério. Mas eu disse: estudei na Alemanha, sou sério (risos). E também me pediu que abordasse os verdadeiros temas da Teologia. Dei-me conta de que o grande tema para a reflexão seria pensar a terra, os filhos e filhas condenados da terra e ver como podemos garantir o futuro de nossa civilização, porque podemos nos aniquilar totalmente. Uma teologia que não aborde esses temas não é séria”, definiu.

Então, Leonardo Boff recordou que a Teologia da Libertação nasceu ouvindo o grito dos pobres, das águas, dos animais e da terra. “É preciso articular esses gritos. O grande pobre é o planeta terra, pacha mama, que está devastado e oprimido, e deve ser inserido na Teologia da Libertação. Como bem diz Sobrino, a terra está crucificada”.

Em seguida, Boff destacou que há outros interlocutores da Teologia que não são apenas os clássicos da Filosofia, Antropologia e Sociologia. Há outros saberes que vêm da ciência da vida, do universo, como a cosmologia, a astrofísica e a física quântica. Durante 13 anos, Boff trabalhou com um cosmólogo canadense, chamado Mark Hathaway, com quem escreveu o livro Tao da Libertação (lançado este ano pela Editora Vozes), para pensar a Teologia da Libertação a partir das relações com a nanotecnologia, com a física quântica, em um caminho difícil, mas que vale a pena, segundo Boff, tentando incorporar valores do Oriente.

Nesse sentido, o teólogo destaca a importância de se envolver em um projeto de educação popular, encabeçado por Fritjof Capra, de alfabetização ecológica, para “alfabetizar” os mais analfabetos que existem hoje em nossa sociedade, que são os empresários.

Leonardo explica como foi o processo de elaboração da Carta da Terra e que a primeira frase deste documento, que ele considera o mais importante em relação a princípios do século XX, era a seguinte: “estamos em um momento da história em que a humanidade tem que fazer uma escolha: ou fazer uma aliança global para cuidar da terra e uns dos outros, ou então aceitar o desaparecimento da espécie humana e a devastação da biodiversidade”. Tal frase foi considerada de alto impacto e acabou sendo enviada a três importantes institutos mundiais, que confirmaram que ela deveria ser dita. “A terra está cansada; já não aguenta mais”, reitera.

Foi aí que Boff defendeu que o capital já cumpriu sua missão histórica e não tem mais condições de sobreviver. “Então, passou a usar da violência para se impor, pois não tem mais argumentos para convencer as pessoas da sua necessidade”.

Na visão do teólogo, “se respeitarmos a dinâmica da natureza e conhecermos as leis dos ecossistemas, poderemos continuar usando as suas ‘bondades’, tranquilos, com direção ao futuro”.

“Estamos dentro de um grande processo de evolução e a vida é um momento no processo da evolução”, afirmou Boff, citando Prigogine. Segundo o teólogo, a evolução é uma tentativa de por ordem no caos onde vivemos.

Leonardo defende a crença em uma teologia da criação. “Deus está continuamente criando, sempre presente em sua criação. Deus está em tudo e tudo está em Deus – é o que chamamos de panenteísmo, o que é diferente do panteísmo. É preciso repensar a criação como algo dinâmico, além de repensar a cristologia da ressurreição. O Cristo cósmico está presente em todas as realidades. E o Espírito Santo, por meio de sua ação missionária no mundo, também está dentro da criação”, explica.

Depois de traçar um panorama sobre o caos de devastação que vive o planeta hoje, tendo o ser humano como seu principal “meteoro”, Leonardo Boff apresenta duas atitudes diante desta situação: “podemos considerar uma grande tragédia previsível, ou podemos identificar que estamos diante de uma grande crise de civilização e temos que mudar. Ou mudamos ou morremos. Então, temos que mudar, pois não queremos morrer. Estamos dentro de uma grande crise, chegamos ao coração dela. Podemos aprender pela dor ou pelo amor. E precisamos aprender pelos dois caminhos”.

Em seguida, argumentou que é preciso resgatar a razão cordial, a inteligência emocional e a razão sensível. “Somos vitimas da razão instrumental analítica, que criou a modernidade. É preciso reconhecer que junto com toda a evolução criamos uma máquina de morte que pode nos destruir”.

E encerrou sua fala desta forma: “não quero que saiam tranquilos daqui; quero produzir angústia, pois ela nos faz trabalhar e nos põe em marcha. Nós somos terra, filhos da terra. Se não resgatarmos essa razão sensível para complementar a outra, não vamos nos mobilizar. O maior crime da humanidade hoje é a falta de sensibilidade. Não sentimos mais, não nos indignamos. O origem das religiões é o sentimento do mundo e não a razão do mundo. Para isso existe a ciência. Abraçando o mundo, estamos abraçando a Deus”.

Debate

Uma das primeiras questões respondidas por Leonardo Boff foi sobre os povos indígenas e a visão do “bem viver”, a partir da busca de equilibro entre todos os seres humanos. “Eis uma utopia necessária. Temos que nos unir e formar uma governança global. Seremos todos socialistas, não por ideologia, mas por estatística, afinal estamos em um voo cego”. E recordou que um dos momentos mais importantes de sua vida foi quando, na ONU, junto com Evo Morales, votou para que o Dia da Terra (22 de abril) passasse a se chamar Dia da Madre Terra.

Em seguida, abordou com o plenário o tema dos jovens que, para ele, são as maiores vitimas do sistema hoje. “Estão roubando deles a capacidade de fantasia, de sonhos, de utopias, oferecendo tudo pronto pela internet, pelos jogos, pelos filmes e todo o maquinário capitalista que nos transforma em meros repetidores, consumidores alienados, despolitizados. O desafio é levá-los a reencantar o mundo. Não creio em uma evangelização que tenha como meio principal a palavra, mas que tenha a arte, a música, a dança, que é o discurso dos jovens”, responde Boff.
 
 
 GRAZIELA WOLFART
INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS
 

Frei Betto: Teologia em congresso

Rio -  Ao longo desta semana realizou-se no Rio Grande do Sul o congresso teológico que comemora 50 anos do Concílio Vaticano 2 (1962-1965) e 40 anos da Teologia da Libertação (TdL).
Convocado pelo Papa João 23, o Concílio reuniu em Roma quase todos os bispos católicos do mundo. Os documentos ali aprovados representam uma profunda renovação na doutrina e na prática da Igreja Católica.
A versão latino-americana do Concílio foi a reunião dos bispos da América Latina, em 1968, em Medellín, que aprovou documentos pastorais tidos como os mais avançados na história da Igreja em nosso continente.
Algo de novo já vinha brotando no seio da Igreja antes do Concílio: as Comunidades Eclesiais de Base. Devido à carência de sacerdotes, o povo da periferia e da roça, na ânsia de adubar sua vida cristã, começou a se organizar em CEBs.
Em suas reuniões e celebrações, os militantes das CEBs cotejavam fé e vida, Bíblia e realidade social, prática de Jesus e desafios atuais aos cristãos. Dessa reflexão, colhida por teólogos, nasceu a Teologia da Libertação.
A TdL não é um sumário de conceitos surgidos da cabeça de teólogos progressistas. É a sistematização teológica da vivência de fé de militantes inseridos em movimentos populares, sindicatos e partidos.
Esse processo entrou em retrocesso a partir do pontificado de João Paulo 2º, anticomunista ferrenho, que teve o cuidado de não nomear bispos padres progressistas e não valorizar as CEBs.
Agora o congresso no Rio Grande do Sul faz um balanço e busca respostas a esta pergunta: em um continente com tanta opressão, o que significa, hoje, ser discípulo de Jesus e fazer teologia em meio a uma população cuja maioria padece pobreza e falta de direitos humanos elementares?

XX Encontro Diocesano das CEBs - Goioerê


Domingo, 14 de outubro de 2012 ,  aconteceu o XX Encontro Diocesano das CEBs ,Comunidades Eclesiais de Base,  assessorado pelo Pe. Sidney Fabril, assessor provincial das CEBs, na paróquia Nossa Senhora das Candeias em Goioerê.
Participaram deste encontro animadores e coordenadores das CEBs das paróquias.

Teologia da Libertação e a experiência de encontrar Deus na face dos pobres

Economia e Teologia - Teologia da Libertação em época de Império
"Primeiro", começa o Dr. Jung Mo Sung, "é importante saber que Teologia da Libertação é teologia". Segundo ele, Teologia da Libertação retrata o Deus da vida e a opção pelos pobres. Além disso, aborda:
• Noção de Deus e da vida humana;
• Vida da alma x vida corpórea;
• Reprodução da vida: a produção, distribuição e consumo de bens materiais e simbólicos necessários. Nesse sentido, gera-se conflito social;
• Teologia da Libertação critica teologicamente a economia.
Para o Dr. Jung Mo Sung, faz-se necessário "salvar a teologia do seu cinismo, porque realmente no mundo de hoje muita teologia reduz-se ao cinismo, que você não olha para os problemas que estão ao seu redor". Segundo o conferencista, um conceito importante é o de divisão social do trabalho. "Qual o nível tecnológico dessa divisão social do trabalho?", indaga.
Além disso, para Mo Sung, há outra coisa importante: "Quais os valores sociais que fazem com que a sociedade viva como um sistema?". Para ele, é preciso justificar através da teologia a divisão desigual das mercadorias. "No século XVIII e XIX começa o mundo industrial. O tempo cíclico da natureza é substituído pelo relógio da produção. O tempo industrial está passando, agora estamos vivendo no mundo da globalização e informação", explica. Para ele, o sistema capitalista faz com que as pessoas consumam. "O consumismo, que começa nos anos 50, inicia com a necessidade de extravasar o processo de produção."
Modernidade e a fé/teologia
A Igreja volta-se para o mundo e ao fazer isso enfrenta o mundo moderno, que foi compreendido como racional, secularizado e ateu, explica Mo Sung. Esse mundo moderno, segundo ele, apresenta-se como antropocêntrico. "O mundo moderno é antropocêntrico porque assim os filósofos da modernidade se apresentaram. A teologia é, neste sentido, um diálogo com a modernidade." "Mas e se a modernidade for uma invenção? Há uma razão ou uma racionalidade irracional? Quando você destrói os povos, isso é racional? O progresso justifica isso?"
Mo Sung questiona se o mundo moderno é antropocentrismo ou capitalcentrismo, uma vez que acumular capital é o critério último da vida social. E pergunta: "Há um ateísmo ilustrado ou idolatria, uma vez que há sacrifícios da vida humana e do meio ambiente?"
Modernidade Ocidental
"Capitalismo e racismo são duas faces do mesmo processo histórico", diz o Dr. Jung Mo Sung.  Para ele, o capitalismo pode ser entendido como uma nova religião da vida cotidiana que, como qualquer outra, gera um novo tipo de espiritualidade. E continua: "As igrejas representam a sacralização do sistema dominante de cada época", ao frisar que o Império não é apenas uma força. "Discurso da harmonia é discurso do imperial."
Para ele, crítica da idolatria tem que ser a partir da noção de transcendência dos que foram excluídos, das vítimas e não de um Deus que vem de cima e impõe. "Esse espírito de comunhão e espiritualidade não podem fazer com que esqueçamos as perguntas do sistema capitalista."
Crítica ao capital
"As crianças devem usufruir de sua infância e não a marca de sua boneca", diz o Dr. Jung Mo Sung. Para ele, Shopping é o principal espaço sagrado de nosso tempo. É uma religião invisível. "Shoppings são espaços de visibilidade do consumismo. Não acredito que estamos numa sociedade só. Nós podemos acreditar, mas o sistema não. Ele seleciona pela classe social, raça etc. Aí entra a Teologia cristã: Deus não faz distinção entre as pessoas."
Depois, "a salvação de nossa vida é graça. Nossa vida não se justifica pelo sucesso, riqueza, status, quantidade de livros, quantas vezes fomos citados, mas sim pela graça de Deus", analisa. Para ele, a Teologia da Libertação está em crise. "E só está em crise quem está vivo, quem já morreu não tem crise." E completa: "Teologia é reflexão crítica. E muitas vezes temos preguiça intelectual. E quando nosso discurso é facilmente aceito, somos levados a preguiça intelectual e não esforço".
Dr. Jung Mo Sung finaliza dizendo que a Teologia da Libertação fez história porque tinha uma coisa anterior: "reflexão crítica a partir da experiência espiritual de encontrar Deus na face dos pobres".

 Thamiris Magalhães

Fonte: CEBI

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

A primavera ameaçada

As pastorais sociais, comunidades eclesiais de base e o caminho ecumênico que o Concílio abriu são hoje opções minoritárias e quase marginais


Em tempos de mudanças climáticas repentinas e imprevisíveis as estações do ano podem ser interrompidas ou prejudicadas por fenômenos como o aquecimento global ou pela interferência humana nos ecossistemas. Do mesmo modo, nas sociedades, experiências novas podem ser sufocadas ou postas em perigo.
Na Igreja Católica, no dia 11 de outubro de 1962, há exatamente 50 anos, o papa João XXIII convocou o Concílio Vaticano II para renovar a Igreja e preparar melhor a estrutura eclesial para abrir-se à unidade das Igrejas cristãs, como, segundo os evangelhos, Jesus desejou. João XXIII foi o papa bom e santo que comoveu o mundo inteiro pela sua simplicidade e seu desejo de que a Igreja voltasse a se parecer mais com a comunidade evangélica de Jesus. Não passava ao mundo a imagem de um homem fechado sobre seus próprios medos e saudoso dos tempos antigos. Ele propôs como critérios da renovação uma volta às fontes da fé (o evangelho), mas também uma verdadeira atualização da Igreja. Pela primeira vez no mundo, em um concilio universal, a Igreja conseguiu reunir os bispos católicos do mundo todo. Também pastores, teólogas, leigos e leigas de várias outras Igrejas cristãs foram convidados como observadores fraternos. O Concílio Vaticano II teve quatro sessões e produziu 16 documentos. Não condenou nenhuma heresia, nem proclamou dogmas. Abriu o diálogo da Igreja com a humanidade.
Esse diálogo fraterno e espiritual foi o estilo da Igreja até o final dos anos 70. Hoje, 50 anos depois da abertura do Concílio, uma grande parte de cristãos desejam que a Igreja retome aquele clima espiritual. Mas, nem todos pensam assim. Na Igreja Católica atual há três interpretações diferentes sobre o Concílio e o modo de viver a fé. Há as pessoas e grupos que se recordam do Concílio como uma bênção divina para a Igreja e para o mundo. São os grupos que compreendem a renovação da Igreja como vontade divina. Essa linha foi majoritária nos anos 60. Desde os tempos do Concílio, houve alguns bispos, padres e leigos católicos (uma pequena minoria) que rejeitaram o Concílio em nome da tradição. Uma terceira interpretação, hoje oficial na cúpula da Igreja, aceita o Concílio, mas apenas nos pontos em que ele garante continuidade com a velha tradição. Ignora e mesmo o desrespeita nos pontos em que ele ousou mudar o modo de ser vigente. Os que defendem esse tipo de postura acentuam uma Igreja clerical, centrada em si mesma e mais preocupada com suas estruturas do que com o seguimento do evangelho. Por causa desse tipo de postura, dois dias antes de falecer, há pouco mais de um mês, o saudoso cardeal Carlo Maria Martini, ex-arcebispo de Milão, afirmava: “Infelizmente, a Igreja está ao menos 200 anos atrasada com relação ao diálogo com o mundo atual”.
De todos os modos, não podemos perder a esperança. Jesus disse: “A verdade vos libertará!” (Jo 8, 35). Ninguém consegue deter a voz do vento, nem afogar o grito da profecia. As pastorais sociais, comunidades eclesiais de base e o caminho ecumênico que o Concílio abriu são hoje opções minoritárias e quase marginais. Mas, mesmo minoritárias e pouco compreendidas, são como os chamava Dom Hélder Câmara, “minorias abraâmicas”. Assim como o patriarca Abraão, apesar de frágil, velho e estéril, Deus o tornou fecundo, também, pela força divina, essas minorias se tornam sinal de transformações importantes. Hoje, no mundo e também nas estruturas da Igreja, essas minorias mantêm viva a voz do Espírito e testemunham que o reinado divino vem a esse mundo. Unem-se a todos/as que na terra buscam e trabalham por um novo mundo possível.

Marcelo Barros é monge beneditino.

Por uma teologia para além dos muros da academia

Utilizando parábolas, descontraído, alegre e irreverente. Assim o Professor emérito da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia - FAJE/ISI, de Belo Horizonte/MG, João Batista Libânio, apresentou-se durante a Conferência: "Novos desafios e tarefas para a Teologia na América Latina e Caribe hoje, a partir das contribuições do Congresso", no último dia do Congresso Continental de Teologia, realizado ontem, 11, no anfiteatro Pe. Werner, na Unisinos.
"Estamos no mundo da relação", segundo Dr. João Batista Libânio. E completa: "Como disse Torres Queiruga, ‘não temos respostas seguras'". Segundo ele, para falar do futuro, temos que conhecer o passado. "Para prever o futuro, temos que conhecer o passado. O primeiro olhar para o passado deve ser positivo, vermos o que fizemos de bom no passado para manter e depois, sim, ver o lado negativo."
Teologia da Libertação
"O que poderia dizer sobre a Teologia da Libertação? Ela nasce no momento em que duas correntes se cruzaram, encontraram; uma libertária, que o Concílio Vaticano II produziu - sem esse clima de liberdade, dificilmente nasceria a Teologia da Libertação. Foi um clima que nos deu a possibilidade de ser livres. Sem a liberdade, não podemos pensar e esse clima trouxe para a igreja a possibilidade de fazer coisas novas", frisa.
A outra seria, segundo Libânio, o fato de que antes do golpe militar existia uma grande efervescência da juventude. "Esse clima criou um ambiente de mobilidade política, uma coisa quase escandalosa. Fernando Henrique Cardoso, exilado no Chile, escreveu o livro sobre a Teoria da Dependência. O  desenvolvimentismo não era a solução, mas a libertação", pontua. Nós estávamos num clima apropriado para a Teologia da Libertação. "Gustavo Gutiérrez foi o pai desta teologia e avô dessa geração mais jovem", acrescenta.
Liberdade
Para interpretar, segundo Libânio, não devemos abrir mão da liberdade hermenêutica. "Os textos existem, mas nós devemos interpretá-los. A condição humana de pensar é interpretar. O absoluto é apenas Deus e, para Jon Sobrino, o coabsoluto são os pobres, mas a partir de nossa interpretação", esclarece.
"Nós somos os marinheiros que estamos em um navio. Há uma ilha demasiado perigosa, onde estão as sereias muito bonitas que cantam o tempo todo." Para Libânio, essas sereias seriam a Renovação Carismática - que fazem uma encenação, com louvores, cantos, mas depois não há uma reflexão crítica e nem prática social. Segundo ele, "devemos seguir o Jesus histórico, que optou pelos pobres".
Tipos de pobreza
A primeira tarefa da Teologia da Libertação foi mencionada muitas vezes aqui: "a opção pelos pobres", mas cada vez mais eles aumentam e se diversificam. "E essa diversidade é que há um pobre da natureza, sempre esquecemos disso." Além desse tipo de pobreza, Libânio cita outros, como o pobre que nasce do sistema capitalista. "Outro é o da sociedade do conhecimento, que são aqueles que não têm acesso a esse mundo da comunicação, onde não chega a comunicação internacional, os satélites. Então, eles estão fora, foram excluídos de todo esse mundo do conhecimento. E isso é terrível." Outra pobreza, para o conferencista, é a dos imigrantes. "Uma coisa que os jesuítas fazem muito bem é ajudar os que não têm cidadania, que vivem sem documentos etc. Além desses, há o ‘outro' religioso. Muitos que são rejeitados porque tem uma fé, religião, às vezes cristã também, e outros de outras religiões."
Outra compreensão de sociedade
O núcleo da Teologia da Libertação, segundo Libânio, é passar outra compreensão da sociedade. "A sociedade do conhecimento criou classes diferentes." Libânio cita três delas:
• Os que vão produzir o conhecimento. Esses serão a elite como a Microsoft e todos os "softs" do mundo. Eles são os que realmente terão força;
• Os que administram essas coisas, ou seja, os que vão gerenciar o conhecimento;
• Os excluídos.
Agora, como entra a teologia nesse mundo? "Devemos produzir conhecimento que ajude as pessoas a encontrar sentido para a sua vida, como disse Queiruga ontem", frisa Libânio. Para ele, a nossa teologia de livros não vai alcançar muita coisa. "Como vejo a possibilidade da teologia dialogar com a ciência e para onde estamos caminhando?", questiona, ao analisar que a biotecnologia e a informática serão os dois desafios da humanidade.
Segundo João Batista Libânio, devemos nos comprometer com a práxis, com a transformação das pessoas, "sem isso para mim não há evangelização". E acrescenta: "Talvez o novo paradigma seja uma categoria que se infiltrou para todos os lados. Podemos falar de um novo paradigma da Teologia da Libertação, que não é apenas marxista. Apenas os ignorantes pensam assim".
Tipos de conhecimento
Para Libânio, há vários tipos de conhecimento. "O primeiro é gradativo, em que exigimos dos alunos que saibam reproduzir o conhecimento de alguém. Esse é o conhecimento de graduação. No Mestrado, posso ler dois ou três livros e organizo as ideias. Já no Doutorado, leem-se integralmente os textos de um determinado autor e descobre-se uma chave que nem mesmo o autor sabia. A partir dessa chave, organiza o seu pensamento. Isso é doutoral e a academia termina aí, porque o pós-doutorado é ainda pior..."
Para o estudioso, a Teologia da Libertação é outra. "Acredito que é pensamento heurístico, que é aquele pensamento que depois de conhecer e ler um autor, começasse a pensar." E exemplifica: "Depois que leio Heidegger, começo a pensar e talvez isso me acorde a ir falar com a senhora do apostolado da oração. Acho que essa é a teologia que devemos fazer na América Latina. E não a da academia".
Relacionamento
"Nós da Teologia da Libertação devemos falar com muito mais liberdade e acredito que Leonardo Boff faz bem isso. Há uma frase: ‘pensar é relacionar'. Portanto, acredito que o futuro da Teologia da Libertação é fazer relacionamentos", pondera, ao avaliar que devemos recuperar o Jesus do evangelho. "Isso é fundamental."
Para Libânio, quando se pensa na estruturação da Igreja Católica, pensa-se em três coisas: "doutrina, ensinamentos e as disciplinas". E completa: "Penso que o futuro caminha na direção da comunidade".
Debate
Durante o momento de responder as perguntas, Libânio responde, em um dos questionamentos sobre o papel da mulher na teologia, que "quanto mais mulheres fizerem teologia, melhor, porque mais aprenderemos; quanto mais plural for a teologia, mais aprenderemos todos".
Libânio termina a Conferência contando uma história para a plateia: "Existem dois tipos de comunhão. Aquela em que eu convido amigos para comerem uma torta e preparo tudo. Então, todos comem e saem felizes". A outra, "é quando convido todos os meus amigos, e cada traz uma coisa; um liga o fogo, outro faz outra coisa e todos saem felizes. Essa é a outra comunhão, em que cada um tem um dedo no processo".
Quem é João Batista Libânio?
João Batista Libânio nasceu em Belo Horizonte, em 1932. É padre jesuíta, escritor e teólogo brasileiro. Ensina na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (ISI - FAJE) em Belo Horizonte, e é vigário da paróquia Nossa Senhora de Lourdes, em Vespasiano, na Grande Belo Horizonte. Fez seus estudos de Filosofia na Faculdade de Filosofia de Nova Friburgo-RJ e cursou em Letras Neolatinas, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
Seus estudos de teologia sistemática foram efetuados na Hochschule Sankt Georgen, em Frankfurt, Alemanha, onde estudou com os maiores nomes da teologia europeia. Seu mestrado e doutorado (1968) em teologia foram obtidos na Pontifícia Universidade Gregoriana (PUG) de Roma.
É autor de cerca de 125 livros, dos quais 36 de autoria própria e os demais em colaboração com outros autores, alguns editados em outras línguas. Além disso, possui mais de 40 artigos publicados em periódicos especializados, e inúmeros artigos em jornais e revistas.

 Thamiris Magalhães

Congresso Continental de Teologia celebra os 50 anos do Vaticano II e os 40 da Teologia da Libertação

Auditório lotado, com pessoas vindas de diversas partes do continente para debater, em Congresso Continental, os caminhos, perspectivas e desafios da teologia na atualidade, nesse novo contexto da sociedade complexa em que vivemos. Trata-se do Congresso Continental de Teologia que iniciou neste domingo, 07, no Anfiteatro Pe. Werner, da Unisinos. O Congresso traz como tema central os 40 anos da Teologia da Libertação e os 50 anos do Concílio Vaticano II. Um de seus principais desafios é o de construir uma teologia viva.
Durante o primeiro dia de Congresso, a Conferência inaugural ficou por conta de Dr. Jon Sobrino, da Revista Latinoamericana de Teologia e do informativo Cartas a las Iglesias e da professora Drª. Geraldina Céspedes, da Escola Feminista de Teologia de Andalucía - EFETA.

Desafios da Teologia da Libertação
Para Geraldina Céspedes, a Teologia da Libertação tem o desafio de que nós não sejamos apenas consumidores de teologia, "mas precisamos ser produtores, multiplicadores e multiplicadoras desta mesma teologia. Nós estamos vivendo uma metamorfose do religioso", disse.
Para ela, tudo se tornou bem de consumo, mercadoria. "Nesse sentido, a espiritualidade pode nos adormecer ou ser contra a cultura. Penso que devemos repensar a espiritualidade libertadora, e esse é um dos desafios que temos pela frente." Outro desafio, para ela, é a diversidade. "O mesmo que ocorre na sociedade acontece nas igrejas e também na teologia: não saber gerir a diversidade tanto macro quanto micro na vida cotidiana", continuou.
Segundo Geraldina, o mundo em que vivemos não é apenas uma aldeia global, mas uma aldeia plural. "A teologia precisa saber como situar-se diante da diversidade, como uma possibilidade e não como ameaça e problema." E frisou: "A teologia tem que fazer esforços para que as instituições religiosas tenham práticas críticas, para que saibam fazer o diálogo religioso".
Ela acredita que existem quatro aspectos que nos ajudam a refletir sobre essa mudança radical:
1- Passar da compreensão da religião e da cultura como práticas paradas, imutáveis, mas como práticas em constantes mudanças;
2- Revisar a imagem de Deus e como entendemos a divindade. "Acredito que essa é uma revisão fundamental";
3- Potencializar a consciência de alteridade, para conhecer o outro e a outra que são vítimas, vulneráveis. "O reconhecimento da alteridade como principio teológico nos leva a crescer, em vez de querer impor a eles a nossa visão e a nossa teologia. Não é apenas assumir a nossa alteridade, mas o choque desta, porque também podemos nos sentir escandalizados e sacudidos se vermos outra teologia que não seja a nossa", pondera, ao afirmar que não devemos nos prender com o que é nosso, acreditando que o que temos ou sabemos é o verdadeiro;
4- Recuperação das entranhas místicas e proféticas, capazes de sustentar nossas lutas e a transformação da sociedade.

Repensar a teologia
Neste sentido, a professora pergunta: "Como repensar a teologia e qual sua função na compreensão de outro mundo possível e de outra teologia possível? Ainda a teologia serve para alguma coisa? Temos que fazê-la servir para alguma coisa, pois estamos aqui para isso".
Às vezes, continua, a vida cotidiana vai por outro caminho e se não conseguimos fazer com que a teologia toque em nós, em nossa vida cotidiana, não adianta de nada. "Estamos vivendo épocas muito complexas e precisamos de muita orientação para não perdermos o fio. Se nós quisermos continuar avançando, a teologia precisa renovar a sua identidade, a sua missão, para o que ela serve, sem perder o fio de sua identidade, de seus compromissos", pontua.
Para Geraldina, a mudança bate à nossa porta. E questiona: "Seríamos capazes de abri-la?" Ela avalia que não podemos passar retos diante dessas transformações. "Devemos acompanhar as mudanças ou pelo menos não criar obstáculos para elas no fluxo da vida que está acontecendo." Para a docente, a teologia precisa provocar e promover a mudança. "Ela não deve esquecer, além disso, que no tecido há fios vermelhos, fios de sangue, dos mártires que não podemos esquecer nesses tempos tão complexos. Para mim, eles são sinais para que não percamos a orientação. Eles nos estimulam e ajudam que devemos dizer não diante de qualquer sistema de poder que não permita o florescimento dos seres humanos", finalizou.

Experiências de Jon Sobrino
"A fé é algo que nos convoca, a vocês e a mim." Com esta frase Jon Sobrino continua a Conferência "Um novo Congresso e um Congresso novo", na noite de ontem, 07. E continuou: "Teologia quer dizer que pensamos, acreditamos, estamos convictos de que a direção estabelecida por Jesus de Nazaré é aquela que humaniza as pessoas".
Sobrino abordou, durante a Conferência, sua experiência pessoal, a questão teórica da Teologia da Libertação e apontou o seguinte questionamento: "O que fazer com o passado, uma vez que estamos em uma mudança constante?"

De onde ele vem e o que ele celebra?
No começo de sua fala, Jon Sobrino aborda sua trajetória de vida pessoal, de onde vem e o que ele de fato celebra. "Venho de El Salvador. Neste pequeno país, embora tenhamos centro de teologia, biblioteca etc., há problemáticas que não chegam lá", disse.
"El salvador tem seis milhões de habitantes que se relacionam com Deus de maneira bem diversa", comentou, ao afirmar que fala tudo isto, aqui, com liberdade. Depois, Sobrino questiona: "O que celebramos e o que queremos fazer? E, mais importante do que o que celebramos é o que fazemos quando celebramos? Então, vou contar-lhes a triste história da minha vida:
De 1966 a 1974, estive em Frankfurt, na Alemanha, estudando teologia. Tive notícias do Concílio, que começou em 1962, mas parciais. Ou seja, era ignorante com o que estava ocorrendo. A partir do livro de Gustavo Gutiérrez e por Medellín, comecei a me interessar, mas isso apenas em 1974, quando cheguei a El Salvador. Com isso, quero dizer que, diferentemente de muitos da minha geração, fui um ignorante do que estava acontecendo e obviamente não fui nenhum apaixonado. Depois, tudo mudou."

Impactos
Impactou-me, pensando em Medellín, Gustavo Gutiérrez e depois em Dom Romero, que a Igreja decidiu se voltar ao pobre e a Jesus. "Fico, além de medo, meio constrangido com a parte de minha palestra quando tenho que falar de minha vida pessoal", admitiu.
"Dos acontecimentos de Medellín, o que celebro e me deixa contente é que houve profundas mudanças, rupturas. Pensávamos que era impossível, antes disso não podíamos sequer imaginá-las", afirma.
"Quando me disseram que existiam novos paradigmas, falei: acho que vocês têm razão! Ou seja, não tenho nada contra isso. No entanto, o que não me convence totalmente é que os novos paradigmas fizeram desaparecer os antigos e as antigas realidades", continuou. No passado, segundo Sobrino, ocorreram coisas que são difíceis de entender. "Mas a generosidade, o amor, a entrega, isso permanece."

Igreja dos pobres e as necessidades
Segundo Jon Sobrino, antes de começar o Concílio, o Papa anunciou a Igreja dos pobres.
"Todos sentimos que depois do Concílio faltou alguma coisa. E o que foi? Foi a Igreja dos pobres", enfatiza. "A Igreja dos pobres não fez raiz. Ouvi que no Concílio se falou dos pobres. Mas não foi mencionado quem eram os pobres e nem se a Igreja deveria compartilhar e defender estes mesmos pobres, coisa que Deus fez no antigo testamento e que foi dito também em Puebla."

Mudanças estruturais e novos paradigmas
Para Sobrino, há mudanças estruturais e novos paradigmas. "Como disse Romero, ‘a Igreja dos pobres é uma igreja crucificada'."
Jon Sobrino se diz alegre em saber que "nossa Igreja seja perseguida justamente por proteger os pobres". E completa: "Para terminar, compreendam uma das coisas que tive o prazer de ouvir: o monsenhor Romero disse que Deus passou por El salvador, ou seja, a ideia de que algo bom aconteceu".  Além disso, segundo Sobrino, Romero frisou: "A glória de Deus é que o pobre viva! Isso é muito citado, com razão".
Ainda de acordo com Sobrino, D. Pedro Casaldáliga, ao se referir ao absoluto, disse: "tudo é relativo, menos Deus e a fome". Bento XVI afirmou, no início de seu pontificado, e até hoje, "cuidado com os relativismos". E Jon Sobrino termina a Conferência com a seguinte frase: "O absoluto é Deus, e se há algo que é coabsoluto, esses são os pobres".

Thamiris Magalhães
CEBI

Teologia em congresso - O congresso de São Leopoldo faz o balanço dos frutos do Concílio e dos 40 anos de Teologia da Libertação

Na segunda semana de outubro, a Unisinos, em São Leopoldo (RS), abrigou o congresso teológico que comemora 50 anos do Concílio Vaticano II (1962-1965) e 40 anos da Teologia da Libertação (TdL).
Convocado pelo papa João XXIII, o Concílio reuniu em Roma quase todos os bispos católicos do mundo. Os documentos ali aprovados representam uma profunda renovação na doutrina e na prática da Igreja Católica.
À luz do Concílio, a Igreja deixa de ser uma instituição triunfalista e clerical para ser compreendida segundo o conceito dinâmico de povo de Deus a caminho na história. A missa em latim dá lugar à liturgia em língua vernácula. A confissão auricular entra em desuso e a comunitária passa a ser valorizada. As Igrejas protestantes deixam de ser encaradas como inimigas ou concorrentes para serem acolhidas no diálogo ecumênico.
Os judeus não são mais acusados de deicídio, e tanto eles quanto os muçulmanos se tornam parceiros dos católicos no diálogo interreligioso. O papel dos leigos ganha destaque na missão da Igreja. Teilhard de Chardin é reabilitado e a ciência é vista como complemento à fé e não adversária.
A versão latino-americana do Concílio foi a reunião dos bispos da América Latina em Medellín, Colômbia, em 1968. Inaugurada com a presença do papa Paulo VI, a conferência de Medellín aprovou documentos pastorais tidos como os mais avançados na história da Igreja em nosso Continente.
Algo de novo já vinha brotando no seio da Igreja antes mesmo do Concílio: as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Devido à carência de sacerdotes, o povo simples da periferia e da roça, na ânsia de adubar sua vida cristã, começou a se organizar em CEBs, ativadas pelo método Ver-Julgar-Agir e pela contribuição pedagógica de Paulo Freire.
Em suas reuniões e celebrações, os militantes das CEBs cotejavam fé e vida, Bíblia e realidade social, prática de Jesus e desafios atuais aos cristãos. Dessa reflexão, colhida por teólogos, nasceu a Teologia da Libertação.
A TdL não é, portanto, um sumário de conceitos surgidos da cabeça de teólogos progressistas. É a sistematização teológica da vivência de fé de militantes inseridos em movimentos populares, sindicatos e partidos. Vivência de fé no interior de lutas guerrilheiras das décadas de 1960 e 1970, e do martírio de padres revolucionários como Camilo Torres, na Colômbia, e Henrique Pereira Neto, no Brasil. A TdL é fruto do diálogo frutífero entre cristãos e marxistas engajados em lutas libertadoras.
Ora, todo esse processo, tão vigoroso na Igreja Católica latino-americana entre 1960 e 1990, entrou em retrocesso a partir do pontificado de João Paulo II. Anticomunista ferrenho, o papa polonês, instigado pelo cardeal Ratzinger, teve o cuidado de não nomear bispos, padres progressistas, e não valorizar as CEBs como alternativa pastoral.
Embora jamais tenha condenado a TdL, como sugere certa mídia, João Paulo II apoiou as duas Instruções do cardeal Ratzinger, então presidente da Congregação para a Doutrina da Fé, contendo reservas e censuras a essa linha teológica. Iniciou-se um acelerado processo de “vaticanização” da Igreja Católica latino-americana. Aos poucos, ela perdeu seu caráter profético de “voz dos que não têm voz”.
Morto João Paulo II, assumiu o papado, sob o nome de Bento XVI, o próprio cardeal Ratzinger. Terminada a Guerra Fria e desabado o Muro de Berlim, a conjuntura da América Latina também sofrera substanciais mudanças, como o fim dos movimentos guerrilheiros, das ditaduras militares e da militância revolucionária em prol do socialismo.
A TdL, apregoaram seus críticos, morreu! Nem ela nem as CEBs morreram, apenas refluíram - na Igreja, por falta de apoio da hierarquia; no noticiário, pelo desinteresse da mídia.
Agora, o congresso de São Leopoldo faz o balanço dos frutos do Concílio e dos 40 anos de TdL. Hoje, essa reflexão teológica abrange também os temas candentes neste início de século XXI, como a questão ambiental, a astrofísica e a física quântica, as relações de gênero, a leitura feminina da Bíblia etc.
O congresso na Unisinos quer, em suma, apenas encontrar respostas a esta pergunta: em um Continente com tanta opressão, o que significa, hoje, ser discípulo de Jesus libertador e fazer teologia em meio a uma população cuja maioria padece pobreza e falta de direitos humanos elementares?

Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Leonardo Boff, de “Mística e espiritualidade” (Vozes), entre outros livros.

Catequese Libertadora, a prima-pobre da Teologia da Libertação?

"Constatamos uma vez mais, que a Catequese Libertadora ainda não entrou no Brasil e talvez também não tenha entrado ainda em todo o continente latino-americano em cujo solo nasceu e para cujo solo se destina", afirma Antonio Cechin, irmão marista e miltante dos movimentos sociais, autor do livro Empoderamento Popular. Uma pedagogia de libertação. Porto Alegre: Estef, 2010.
E pergunta: "Afinal de contas, que dificuldade é essa em relação à Catequese Libertadora? Medo da ditadura já não mais pode ser a causa, porque temos no país uma democracia bem consolidada. O que poderia mesmo ser então?"


Ouvimos falar o nome de Hélder Câmara pela primeira vez, quando tínhamos em torno de 20 anos de idade, depois acompanhamo-lo pelas notícias, principalmente pela imprensa católica. Naquele tempo, uns 60 anos atrás,ele era Padre Hélder, um sacerdote da arquidiocese do Rio de Janeiro que se dedicava a jovens operários da Juventude Operária Católica (JOC). Pouco tempo depois, ficou nomeado bispo auxiliar do cardeal Dom Jaime de Barros Câmara. Foi então escolhido para ser o coordenador geral de todos os ramos da Ação Católica do Brasil: homens, mulheres e jovens.

Tão logo fora nomeado bispo, Dom Hélder Câmara inaugurou na Igreja do Brasil um discurso inteiramente novo no início da década de 1950. Face à imensa maioria da população do país ser pobre e subdesenvolvida, começou a apelar para a opção pelos pobres como sendo a opção fundamental do Homem Jesus de Nazaré e nessa trilha dos pobres deveria se engajar a Igreja. “Deus tem um lado” dizia Dom Hélder, nos primeiros tempos de bispo. A Missão dos cristãos no Brasil é de “Libertar os oprimidos!”

Para coisas novas, palavras novas. Na falta de vocábulos novos para um discurso novo, repleto de ideias-forças novas, como sói acontecer com inventores de novas descobertas que até ontem eram inimagináveis. “Não se coloca remendo velho em pano novo” já dizia nosso Mestre”.  Na falta de uma Teologia da Libertação, ainda por inventar, Dom Hélder citava frases antigas de algum alfarrábio, que haviam passado desapercebidas ao tempo em que foram ditas, entremeando tudo com muito Evangelho, retratando sempre a vida e a obra de Jesus o Homem- Deus dos Pobres. Assim, um pensamento do filósofo e teólogo maior da Igreja de todos os tempos, santo Tomás de Aquino, autor da Suma Teológica, em plena idade média que pode ser traduzido mais ou menos assim:

Quando uma pessoa ou um grupo de pessoas se encontram em situação de carência extrema, sem possibilidade de satisfazer as necessidades básicas e fundamentais como alimentação, saúde, moradia, etc. então o mundo inteiro passa a ser comum. Aquele que não tem o que comer, para sobreviver, tem direito a ir a qualquer lugar: supermercado, geladeira dentro de residência, armazém, restaurante, pegar comida aonde estiver e comer, porque tem o supremo direito de continuar vivendo segundo a lei do Criador. Se não tiver aonde repousar e descansar tem o supremo direito de ocupar qualquer abrigo que existir em seu entorno: abrigo, casa de moradia, hotel, etc. etc.

Na verdade, foi Dom Hélder que nos iniciou, no Brasil, à opção pelos pobres. Com seus discursos tonitruantes, apesar de sua figura pequena e franzina, tirou muitas pessoas de pouca fé, do sono letárgico em que jaziam dentro de um cristianismo de pura rotina.

Logo que Dom Helder recebeu a incumbência do Papa João XXIII de criar a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, na função de secretário executivo da entidade que exercia, sugeriu aos bispos do país a troca da Ação Católica de linha italiana, criada pelo papa Pio XI, pela Ação Católica Especializada, de linha francesa. O que mais interessava a Dom Hélder nessa troca da Itália pela França era o método VER-JULGAR-AGIR que fora criado por Monsenhor Cardijn, sacerdote belga com seus jovens operários, no movimento que fundaram: a  chamada JOC ou Juventude Operária Católica. Esse método Ver, Julgar e Agir também foi adotado mais tarde, para o ato de fazer Teologia da Libertação.

O Papa Pio XI, fundador da ação católica , por isso mesmo de linha italiana, tinha tido um encontro pessoal com Monsenhor Cardijn da JOC. Terminada a reunião, em entrevista coletiva Pio XI disse aos jornalistas referindo-se ao Monsenhor:  “Pela primeira vez alguém me falou que temos de evangelizar as massas humanas.” A ação católica italiana visava mais o afervoramento na fé dos cristãos, focada numa prática religiosa mais intensa da vida sacramental, ao passo que a de linha francesa visava um Movimento Popular Católico para servir de fermento nas massas.

Na mesma arquidiocese de Recife, para a qual Dom Hélder foi removido, momentos antes de terminar o Concílio Vaticano II, outra grande figura surgiu com um método de educação original. Tinha como finalidade precípua, ensinar a ler e a escrever aos numerosíssimos analfabetos do Brasil. Paulo Freire nasceu com alma de educador. Tornou-se o maior pedagogo de todos os tempos na América Latina como criador do método psico-social, que também é conhecido como Pedagogia do Oprimido ou Educação como Prática da Liberdade.

Quem primeiro aproveitou desse excelente método libertador, foi a Igreja Católica na pessoa do mesmo Dom Hélder Câmara, que foi também o primeiro secretário executivo da entidade que ele próprio acabara de fundar, atendendo a um apelo pessoal que o Papa João XXIII lhe fizera: a Conferência Nacional dos Bispos (CNBB).

Os militantes da Igreja, dos Movimentos da Ação Católica Especializada, de modo especial o mundo jovem da Igreja da JAC, JEC, JIC, JOC, JUC subiam os morros das periferias das cidades e ao mesmo tempo se enfiavam pelos grotões interioranos do Brasil onde houvesse Vilas ou povoados de gente pobre e analfabeta, em busca das Palavras Geradoras que serviriam de ponto de partida para reuniões com 20 a 30 pessoas analfabetas, homens e mulheres.

Em 20 dias de reuniões eram alfabetizados. A esses grupos  de alfabetizandos, Paulo Freire deu o nome de Círculos de Cultura. O nome já diz: não existe no mundo gente totalmente inculta. Toda e qualquer pessoa, pelo simples fato de ter experiência de vida, é naturalmente uma pessoa culta. Já é possuidora de uma cultura. Conhece e faz muitas coisas. Se sabe plantar um pé de mandioca, é um agricultor. O próprio vocábulo composto agri + cultor, traduzido etimológicamente significa ter cultura agrícola.

Lembro quando Paulo Freire, que de início havia se dedicado de corpo e alma à alfabetização dos pobres do Brasil, ao trocar idéias com Dom Hélder, ficou convencido a ampliar o aprendizado do alfabeto ao lado de um leque de conhecimentos básicos, referentes às necessidades fundamentais da vida, como alimentação sadia, higiene e saúde, direitos humanos etc. Para além das Palavras Geradoras, ponto de partida para a alfabetização, partiu-se para a pesquisa dos Temas Geradores que fossem apropriados também como ponto de partida dos diversos tipos de conhecimentos de um Bem Viver.

Os Centros de Cultura passaram a administrar uma Educação de Base. Pelo fato de serem  Centros de Educação organizados pela Igreja, se tornaram as primeiras Comunidades Eclesiais de Base, cuja finalidade é servirem de base para uma nova sociedade e base de uma nova Igreja. Pouco tempo antes dos militares darem o golpe ditatorial de 1964, a CNBB havia lançado, no Brasil, a primeira cartilha denominada Educação de Base.

À Caminhada desencadeada por Hélder Câmara e Paulo Freire foi se constituindo num autêntico Processo Histórico de Libertação e de Salvação. Libertação tanto das estruturas opressoras de nossos povos, quanto de Evangelização e Salvação de todos em Cristo.
Coube ao Brasil a criação e o lançamento para todo o continente e também para o mundo da Catequese Libertadora. O cuidado com o aprimoramento em passos sucessivos do Conteúdo desse modelo novo de Catequese, coube à figura ímpar do Bispo Pastor Dom Hélder em seu profetismo permanente, e o método dessa Catequese libertária foi obra e graça de Paulo Freire com sua Pedagogia do Oprimido ou Educação para a Prática da Liberdade.

Em nome de todo o Brasil e muito bem coadjuvados por todos os membros da Equipe Nacional de Catequese da CNBB, bem assessorados pelos bispos Dom José da Costa Campos, da cidade de Valença (Rio de Janeiro) titular da Pastoral de mesmo nome junto á CNBB, e de Dom Fragoso da cidade de Crateús (Ceará), num total de quase 10 pessoas, fomos como representação brasileira, lançar os resultados de nossos avanços em relação a uma autêntica Catequese Libertadora para nossa América, participar de uma assembleia internacional que reunia os grandes especialistas em Catequese do mundo inteiro, na denominada 5ª Semana Internacional de Catequese, na cidade de Medellin (Colômbia). Realizou-se esse  conclave de catequistas, um mês antes da grande Assembleia episcopal latino-americana, acontecida nessa mesma cidade colombiana e no mesmo prédio. no mesmo local.

Na 5ª Semana Internacional, perante os maiores especialistas em Catequese do mundo inteiro, a Catequese Libertadora pediu passagem. Coube a nós ler o texto fundamental, resultado de nossos avanços no Brasil.
Não foi fácil. Os debates foram acalorados diante da revolucionária novidade da Libertação que anunciava uma Nova Evangelização e totalmente diferente do que no mundo inteiro circulava sob o rótulo de Renovação Catequética. Para a conjuntura social, política e econômica da América Latina, uma Catequese verdadeiramente Nova tanto no conteúdo quanto na forma ou método, que considerávamos coerente com a situação de pobreza e miséria de nossa América.

Como catequistas do Brasil com missão cumprida perante os especialistas do mundo ali reunidos, com maioria de Catequistas europeus um tanto contrariados e insatisfeitos, por termos privilegiado a situação do nosso continente, retornamos ao Brasil que fervilhava por causa dos golpistas militares em caça às bruxas.
Não houve nem tempo de continuar no exercício de experiências-piloto com a Catequese Libertadora recém lançada e cujas linhas mestras foram adotadas pelos documentos oficiais da Igreja hierárquica depois reunida também em Medellin, no mesmo ano de 1968.

Algumas Fichas Catequéticas lançadas em Porto Alegre, ainda numa espécie de transição entre o modelo catequético europeu que herdáramos desde a colonização européia e o nosso atual de libertação para a América, foram caracterizadas pela ditadura de plantão no Brasil, como altamente subversivas e imediatamente recolhidas pelos esbirros militares em todas as escolas de catequistas em fase de experiência. Houve até prisão de catequista por causa da subversividade das tais Fichas, utilizadas como material de atividades dos Catequizandos.

Resultado: Agora, na Semana que passou, diante de um pequeno público de umas 10 pessoas, facilmente compreensível em seu pequeno número de participantes, tendo presente que o Congresso era de teologia e não de Catequese, constatamos uma vez mais, que a Catequese Libertadora ainda não entrou no Brasil e talvez também não tenha entrado ainda em todo o continente latino-americano em cujo solo nasceu e para cujo solo se destina. A Catequese como leitura dos Sinais dos Tempos ainda não é uma ridente realidade como já acontece com a Teologia de Libertação que acaba de dar a demonstração mais cabal neste Congresso Internacional que acaba de se realizar na cidade de São Leopoldo, na UNISINOS.

Já tivéramos um susto, alguns anos atrás, quando da realização do Encontro Nacional de Comunidades Eclesiais de Base do Brasil, na cidade de Ipatinga (Minas Gerais). Uma das oficinas do programa era sobre a situação da Catequese nas Comunidades Eclesiais de Base. Foi assessorada, a oficina, pela Equipe Nacional de Catequese da CNBB. Reuniu mais de 300 pessoas. Achamos completamente estranha a constatação de que a maioria das pessoas das CEBs do Brasil inteiro, anualmente tem uma dificuldade extrema em arranjar Catequista para suas Comunidades.

Afinal de contas, que dificuldade é essa em relação à Catequese Libertadora? Medo da ditadura já não mais pode ser a causa, porque temos no país uma democracia bem consolidada. O que poderia mesmo ser então?

De qualquer maneira, deixamos aqui consignado nosso testemunho global sobre a Catequese da Libertação como uma catequese por excelência dos Sinais dos Tempos. Como uma ferramenta apta a ler o Processo Histórico de Salvação de Deus, na transparência do Processo Histórico da Libertação total dos povos de nossa América, ambos tendo o Emanuel, (o Deus conosco) puxando a frente.
Resumindo: O processo histórico da CAMINHADA desencadeada pelos Profetas Dom Hélder Câmara e Paulo Freire, em seus passos sucessivos é a demonstração cabal do que significa, em sua globalidade de Processo a própria Catequese da Libertação em sua dupla dimensão: Divina e Humana.

Fonte: IHU

CEBs Rio Grande do Sul

Aconteceu dias 13 e 14 de outubro, sábado e domingo, reunião Estadual de CEBs para tratar diversos assuntos importantes.
Em primeiro lugar foi feito uma avaliação do 13º Encontro de CEBs por Dioceses e Vicariatos. O que foi bom antes, durante e após o encontro e o que poderia ter sido melhor.  Em seguida aconteceu prestação de contas das receitas e despesas.
Um outra questão importante tratada no encontro foi a distribuição das vagas para o 13º Intereclesial em janeiro de 2014 em Juazeiro do Norte, Diocese de Cratos/CE. Além disso,  foi definido um seminário de formação para os delegados que participarão do 13º Intereclesial.
No final do encontro os presentes fizeram uma reflexão sobre as atribuições do Encontro Estadual de CEBs e dos Assessores e a 5ª Semana Social Brasileira.

O mundo vai acabar?

Não adianta chorar, acender uma vela e rezar. Nem fritar o cérebro tentando imaginar um jeito milagroso de impedir o inevitável: a vida na Terra vai acabar. É o que garantem os conspirólogos do fim do mundo. A principal dúvida sobre a extinção da humanidade é quando isso vai acontecer. A resposta mais provável é: a qualquer hora. Aliás, caro leitor, agora mesmo, enquanto você folheia esta revista, um meteoro pode estar vindo em direção ao nosso planeta e nos acertar em cheio (bem, ao menos você estaria fazendo uma coisa bacana quando tudo acabasse).
Uma das teorias escatológicas mais aterradoras – talvez por já estarmos no meio do processo – é a do superaquecimento da Terra. O vilão, neste caso atende pelo nome de efeito estufa. A atmosfera, a camada de ar que envolve a Terra, funciona como um cobertor que retém o calor do Sol e mantém o planeta aquecido. Sem ela, aqui seria um lugar muito frio. Mas, com a emissão de cada vez maiores quantidades de dióxido de carbono e a destruição das florestas, a temperatura média na Terra está aumentando consideravelmente.
Até aí, nada muito alarmante. O problema é que, com o calor, as calotas polares podem derreter e emitir mais gás carbônico. Como? Liberando-o de dentro de bolhas que estão congeladas nas geleiras. Com isso, o calor aumentaria ainda mais. O superaquecimento também liberaria bilhões de toneladas de outro gás responsável pelo efeito estufa, o metano, existente em determinadas rochas. Percebeu o efeito dominó? Quanto mais gases tóxicos na atmosfera, mais o planeta esquenta.
O resultado seria catastrófico: cidades inteiras seriam inundadas, países sumiriam do mapa, tornados e furacões violentíssimos devastariam o que encontrassem pela frente. As plantações secariam e haveria fome. A economia entraria em colapso. Guerras poderiam eclodir nesse cenário caótico de pouca comida. E, quanto mais seco o planeta, mais quente ele ficaria. Até que a superfície da Terra ficasse parecida com a de Vênus – onde a vida, exceto talvez algumas bactérias, é incapaz de vingar. As simulações climáticas feitas em computador por cientistas do apocalipse são quase unânimes: o nosso tempo estará esgotado lá pelo ano 2050.
QUE FRIA!
Mas corremos o risco de tudo acontecer exatamente ao contrário e entrarmos literalmente numa fria. Isso porque o período de temperaturas amenas em que vivemos é uma exceção. Explica-se: a Terra é um planeta gelado que, de tempos em tempos, fica um pouco mais quente. Os períodos gelados, ou glaciações, normalmente duram 100 000 anos e ocorrem em ciclos. Entre um ciclo e outro, há os períodos interglaciais, que costumam durar cerca de 10 000 anos. É num destes intervalos que estamos atualmente – mas o nosso já dura 12 000 anos. Quer dizer: a qualquer momento, podemos virar picolés.
O mais tenebroso é que as eras glaciais chegam sem aviso prévio. Em determinadas regiões, a temperatura pode cair cerca de 15 graus Celsius. Em outras, pode despencar 40 graus. Nenhuma mudança climática dessa magnitude ocorre impunemente: ela viria acompanhada de tempestades fortíssimas; muitas vezes, de neve. Essa neve se acumularia de tal forma que se transformaria em geleiras. Rios e mares ficariam congelados e muitos animais morreriam. E o que dizer da produção de alimentos? Claro que seria completamente paralisada. Quem não morresse congelado, portanto, morreria de fome. Qual das opções você iria preferir?
É BOMBA!
Outro perigo iminente que enfrentamos é o de uma guerra nuclear. Entre todas as ameaças descritas nesta reportagem, a explosão nuclear é a maior, segundo o astrônomo inglês Martin Rees, da Royal Society e do King’s College da Universidade de Cambridge. Apesar de dizer que a guerra não exterminaria a vida no planeta, Rees acredita que seria um tremendo retrocesso na civilização humana. “Escapamos de um conflito nuclear durante a Guerra Fria. Mas, no decorrer deste século, a ordem política pode renovar o confronto de energias poderosas em que teríamos menos sorte”, disse ele a SUPER. “O risco de um desastre nuclear ocorrer nos próximos 100 anos é de 50%.”
Em seu livro Our Final Hour (“Nossa Hora Final”, inédito no Brasil), Rees afirma que o colapso da União Soviética, por exemplo, deixou como herança uma quantidade de plutônio e urânio enriquecido suficiente para a produção de 70 000 bombas nucleares. Se dividíssemos o poder de fogo só dos Estados Unidos e da Rússia pela população mundial, daria 33 toneladas de explosivos per capita.
Se, por acaso, você tiver a sorte de sobreviver a uma conflagração nucelar, é melhor correr para algum refúgio bem seguro. Onde possa ficar por, pelo menos, um ano. Isso porque haveria uma chuva de partículas radioativas por alguns dias e noites, sem parar. E, até que o nível de radioatividade baixasse, seria preciso esperar umas quatro estações. Na verdade, com tanta fumaça e fuligem na estratosfera, os raios solares ficariam bloqueados por muito tempo. Sem sol nem calor, viveríamos num inverno nuclear, que exterminaria muitas formas de vida, acabaria com nosso suprimento de comida e promoveria, durante algumas gerações, mutações genéticas imprevisíveis.
Outra grande ameaça à humanidade apontada pelo astrônomo Martin Rees é a tecnologia. “Vai ser muito mais difícil tentar controlá-la, pois as novas tecnologias não vão envolver equipamentos grandes e pesados”, diz o cientista. Ao contrário, o que vem por aí será invisível a olho nu: a nanotecnologia. Os aparelhos desenvolvidos por ela têm dimensões medidas em nanômetros, a milionésima parte de um milímetro. Hoje em dia, já há nanotubos e nanofios. E os nanocientistas prevêem o desenvolvimento de nanocomponentes com capacidade de transformar qualquer matéria bruta em outra substância qualquer. Por exemplo: eles conseguiriam rearranjar átomos simples de carbono de forma que o composto vire diamante.
Por causa do tamanho desses nanocomponentes, é muito difícil para os cientistas manejá-los. Por isso, o caminho mais provável é inventar nanocomponentes capazes de se duplicar. Aí é que mora o perigo: um nanocomponente faria uma cópia de si mesmo, e a cópia faria outra cópia, e assim sucessivamente. Até que tudo o que conhecemos neste mundo – inclusive você e eu – fosse varrido da face da Terra. Todos os nossos átomos virariam nanomáquinas replicantes. “O último século foi marcado por imensas conquistas tecnológicas, e o ritmo de mudança deverá ser ainda maior neste novo século. Por isso, o que hoje nos parece ficção científica pode virar uma ameaça concreta”, afirma o astrônomo Rees.
PRESENTE DO CÉU
Outra ameaça que paira no ar é a possibilidade de um meteoro se chocar com a Terra. Essa hipótese não era levada muito a sério até 1978, quando o físico americano Luis Walter Alvarez (Prêmio Nobel da Física em 1968) e o geólogo Walter Alvarez (seu filho) anunciaram que os dinossauros não haviam sido extintos por alguma razão evolucionária, e sim devido ao impacto de um corpo celeste gigante que colidiu com a Terra. A teoria permaneceu sob desconfiança até 1991, quando satélites da Nasa, a agência espacial americana, descobriram uma cratera enorme na Península de Yucatán, no México. Os cientistas calculam que o meteoro que teria acabado com os dinossauros produziu um impacto semelhante ao de 5 bilhões (!) de bombas atômicas. Pobres dinossauros, imagine você.
E não foi somente o impacto em si que causou estragos. A poeira e os escombros da explosão que subiram para a atmosfera obstruíram os raios solares, provocando uma drástica queda da temperatura, o que teria matado muitos seres.
A história deste planetinha azul está recheada de outros casos de impacto de corpos celestes, alguns mais, outros menos desastrosos. Por isso, cientistas do mundo inteiro mapearam o céu e resolveram permanecer em vigilância constante. A Nasa afirma que pode saber com antecedência quando uma dessas ameaças estiver no nosso caminho. Mas, mesmo que nos avisem na véspera, que diabos poderemos fazer? Além disso, há muita gente que não bota fé na bola de cristal dos cientistas. Um exemplo: em março de 1988, um cometa gigante vinha em nossa direção. Ninguém percebeu até que ele já tivesse passado. E, por pura sorte, se desviado da Terra. O argumento de quem acredita que um meteoro é uma grande ameaça é um só: isso já aconteceu. Portanto, pode se repetir a qualquer momento.
Pensando bem, o mais indicado neste momento é acender uma vela e começar a rezar. Ou melhor ainda: esquecer tudo isso, relaxar e aproveitar bastante o pouco tempo que ainda nos resta.


Claudia de Castro Lima
Superinteressante

O Final do Mundo ! Já era!



Poluição, aquecimento global, extinções em massa. A Terra pode não estar nos seus melhores dias. Mesmo assim ela é um oásis de calma hoje se formos comparar com o que já aconteceu por aqui. É que o planeta tem o desagradável hábito de se transformar no inferno de vez em quando. Em alguns casos, nosso ar já se tornou irrespirável e abrasante; em outros, vulcões escureceram o céu por anos, ou espessas camadas de gelo fizeram a Terra inteira virar uma cópia da Antártida. O tipo de estrago que a nossa espécie seria capaz de causar com um holocausto atômico ou o aquecimento global fica pequeno perto dessas catástrofes. Para todos os efeitos, é como se o mundo já tivesse acabado - várias vezes. E o resultado é desolador: 99,9% das espécies que já existiram foram extintas.

Os cientistas reconhecem ao menos 5 ocasiões em que mais da metade das espécies da Terra sumiram. São as chamadas Big Five, as maiores extinções de todos os tempos. Elas aconteceram nos últimos 500 milhões de anos, em intervalos que variaram de 50 milhões a 150 milhões de anos, mais ou menos - para você ter uma ideia do que é isso, lembre-se que o homem moderno surgiu há menos de 200 mil anos, e que nosso ancestral comum com os chimpanzés estava vivo há meros 5 milhões de anos. A lista das Big Five restringe-se às catástrofes que aconteceram depois que a vida deixou de ser exclusivamente microscópica e se tornou visível a olho nu, em parte porque é mais fácil identificar com certeza esse tipo de evento com a ajuda de fósseis de animais e plantas. Mas coisas muito ruins já aconteciam por aqui quando os únicos seres vivos eram micróbios. Nessa época, há quase 1 bilhão de anos, há indícios de que o planeta tenha passado 100 milhões de anos congelado - e que alguns dos nossos microancestrais só tenham sobrevivido graças a uma fresta aqui, outra ali. Durante esse tempo, quem estivesse no espaço veria o planeta todo branco, como uma bolona de neve (já que a Terra é azul por causa do mar). Como esse foi um apocalipse bem particular, ele é o ponto de partida desta série de infográficos mesmo não fazendo parte das Big Five. Nessa vez, o mundo acabou por um resfriamento global, uma coisa que acontece de tempos em tempos, já que a Terra dá umas bambeadas em torno do seu próprio eixo de rotação, como se fosse um pião, e esse bamboleio mexe com a distribuição de luz solar na superfície, podendo levar a eras glaciais. Mas houve outros cavaleiros do apocalipse: certos vulcões, por exemplo, são capazes de jogar tanto gás carbônico na atmosfera que o atual aquecimento global, provocado pela emissão dessa substância por nossas fábricas e carros, pareceria fichinha. Calcula-se, por exemplo, que emissões vulcânicas há 250 milhões de anos causaram a pior de todas as extinções, com o sumiço de 90% ou mais das espécies. Elas teriam aumentado a temperatura do planeta em até 6o C. Já a ação humana, nos últimos 100 anos, só foi suficiente para gerar uma "febre" de 0,75o C.

A estimativa é que o vulcanismo e outros eventos, como o esgotamento do oxigênio dos mares, tenham sido a causa das grandes extinções. Então o segundo infográfico aqui é sobre uma que provavelmente juntou vários desses ingredientes - e que, por isso mesmo, foi a maior de todas. Os mais assustadores entre os agentes de destruição, porém, são outros: os asteroides, que podem causar tanto estrago quanto milhões de bombas atômicas. Um deles, por sinal, foi o responsável pela última e mais famosa das grandes extinções (aqui embaixo). Foi há 65 milhões de anos, quando um asteroide de 10 quilômetros de diâmetro caiu no atual México e exterminou os dinossauros.

As Big Five mataram a torto e a direito. Mesmo entre as espécies sobreviventes, a redução no número de indivíduos foi absurda. Por exemplo: se os 6 bilhões de pessoas do mundo morressem e sobrassem só você e alguém do sexo oposto para começar tudo de novo, significaria que a humanidade sobreviveu. Foi o que aconteceu com a maior parte das espécies que venceram os apocalipses. E os sobreviventes teriam escapado, quase sempre, por pura sorte. Um dos poucos "seguros de vida" de uma espécie seria estar espalhada pelo mundo todo, sugere Michael Benton, paleontólogo da Universidade de Bristol: com exemplares em toda parte, haveria mais chances de que ao menos alguns sobreviventes sobrassem. Já para o paleontólogo Reinaldo José Bertini, da Unesp de Rio Claro (interior paulista), também vale a pena ser um animal no estilo "faz-tudo", sem adaptações maravilhosas para nenhum ambiente, mas capaz de se virar com vários tipos de comida e abrigo. "É por isso que nós imaginamos que espécies nesse estilo, como baratas, sobreviveriam a um desastre nuclear", diz. Seja como for, nem a forma de vida menos exigente (feito as cianobactérias, que só precisam de água, luz do Sol e um punhado de nutrientes para prosperar) vai ser páreo para o que aguarda a Terra daqui a 1 bilhão de anos: o Sol vai ficar 10% mais quente. A temperatura vai subir a ponto de toda a água evaporar. E sem água líquida não há vida. A não ser que alguma civilização descendente dos humanos dê um jeito de semear a vida em Marte (que então estará hospitaleiro), será o fim da jornada. Se você quer um motivo para valorizar o nosso planeta de hoje, eis o melhor de todos: no fundo, ele é tão passageiro quanto a sua vida.
Reinaldo José Lopes
Superinteressante