"Constatamos uma vez mais, que a
Catequese Libertadora
ainda não entrou no Brasil e talvez também não tenha entrado ainda em
todo o continente latino-americano em cujo solo nasceu e para cujo solo
se destina", afirma
Antonio Cechin, irmão marista e miltante dos movimentos sociais, autor do livro
Empoderamento Popular. Uma pedagogia de libertação. Porto Alegre: Estef, 2010.
E pergunta: "Afinal de contas, que dificuldade é essa em relação à
Catequese Libertadora? Medo da ditadura já não mais pode ser a causa,
porque temos no país uma democracia bem consolidada. O que poderia mesmo
ser então?"
Ouvimos falar o nome de
Hélder Câmara
pela primeira vez, quando tínhamos em torno de 20 anos de idade, depois
acompanhamo-lo pelas notícias, principalmente pela imprensa católica.
Naquele tempo, uns 60 anos atrás,ele era
Padre Hélder, um sacerdote da arquidiocese do Rio de Janeiro que se dedicava a jovens operários da
Juventude Operária Católica (JOC). Pouco tempo depois, ficou nomeado bispo auxiliar do cardeal
Dom Jaime de Barros Câmara. Foi então escolhido para ser o coordenador geral de todos os ramos da
Ação Católica do Brasil: homens, mulheres e jovens.
Tão logo fora nomeado bispo,
Dom Hélder Câmara
inaugurou na Igreja do Brasil um discurso inteiramente novo no início da
década de 1950. Face à imensa maioria da população do país ser pobre e
subdesenvolvida, começou a apelar para a
opção pelos pobres
como sendo a opção fundamental do Homem Jesus de Nazaré e nessa trilha
dos pobres deveria se engajar a Igreja. “Deus tem um lado” dizia
Dom Hélder, nos primeiros tempos de bispo. A Missão dos cristãos no Brasil é de “Libertar os oprimidos!”
Para coisas novas, palavras novas. Na falta de vocábulos novos para
um discurso novo, repleto de ideias-forças novas, como sói acontecer com
inventores de novas descobertas que até ontem eram inimagináveis. “Não
se coloca remendo velho em pano novo” já dizia nosso Mestre”. Na falta
de uma
Teologia da Libertação, ainda por inventar,
Dom Hélder
citava frases antigas de algum alfarrábio, que haviam passado
desapercebidas ao tempo em que foram ditas, entremeando tudo com muito
Evangelho, retratando sempre a vida e a obra de Jesus o Homem- Deus dos
Pobres. Assim, um pensamento do filósofo e teólogo maior da Igreja de
todos os tempos, santo
Tomás de Aquino, autor da Suma Teológica, em plena idade média que pode ser traduzido mais ou menos assim:
Quando uma pessoa ou um grupo de pessoas se encontram em situação de
carência extrema, sem possibilidade de satisfazer as necessidades
básicas e fundamentais como alimentação, saúde, moradia, etc. então o
mundo inteiro passa a ser comum. Aquele que não tem o que comer, para
sobreviver, tem direito a ir a qualquer lugar: supermercado, geladeira
dentro de residência, armazém, restaurante, pegar comida aonde estiver e
comer, porque tem o supremo direito de continuar vivendo segundo a lei
do Criador. Se não tiver aonde repousar e descansar tem o supremo
direito de ocupar qualquer abrigo que existir em seu entorno: abrigo,
casa de moradia, hotel, etc. etc.
Na verdade, foi
Dom Hélder que nos iniciou, no
Brasil, à opção pelos pobres. Com seus discursos tonitruantes, apesar de
sua figura pequena e franzina, tirou muitas pessoas de pouca fé, do
sono letárgico em que jaziam dentro de um cristianismo de pura rotina.
Logo que
Dom Helder recebeu a incumbência do
Papa João XXIII de criar a
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,
na função de secretário executivo da entidade que exercia, sugeriu aos
bispos do país a troca da Ação Católica de linha italiana, criada pelo
papa
Pio XI, pela Ação Católica Especializada, de linha francesa. O que mais interessava a
Dom Hélder nessa troca da Itália pela França era o método
VER-JULGAR-AGIR que fora criado por Monsenhor
Cardijn, sacerdote belga com seus jovens operários, no movimento que fundaram: a chamada JOC ou
Juventude Operária Católica. Esse método Ver, Julgar e Agir também foi adotado mais tarde, para o ato de fazer
Teologia da Libertação.
O
Papa Pio XI, fundador da ação católica , por isso mesmo de linha italiana, tinha tido um encontro pessoal com Monsenhor
Cardijn da JOC. Terminada a reunião, em entrevista coletiva
Pio XI
disse aos jornalistas referindo-se ao Monsenhor: “Pela primeira vez
alguém me falou que temos de evangelizar as massas humanas.” A ação
católica italiana visava mais o afervoramento na fé dos cristãos, focada
numa prática religiosa mais intensa da vida sacramental, ao passo que a
de linha francesa visava um Movimento Popular Católico para servir de
fermento nas massas.
Na mesma arquidiocese de Recife, para a qual
Dom Hélder foi removido, momentos antes de terminar o
Concílio Vaticano II,
outra grande figura surgiu com um método de educação original. Tinha
como finalidade precípua, ensinar a ler e a escrever aos numerosíssimos
analfabetos do Brasil.
Paulo Freire
nasceu com alma de educador. Tornou-se o maior pedagogo de todos os
tempos na América Latina como criador do método psico-social, que também
é conhecido como
Pedagogia do Oprimido ou
Educação como Prática da Liberdade.
Quem primeiro aproveitou desse excelente método libertador, foi a Igreja Católica na pessoa do mesmo Dom
Hélder Câmara,
que foi também o primeiro secretário executivo da entidade que ele
próprio acabara de fundar, atendendo a um apelo pessoal que o Papa
João XXIII lhe fizera: a
Conferência Nacional dos Bispos (CNBB).
Os militantes da Igreja, dos Movimentos da Ação Católica Especializada, de modo especial o mundo jovem da Igreja da
JAC,
JEC,
JIC,
JOC,
JUC subiam
os morros das periferias das cidades e ao mesmo tempo se enfiavam pelos
grotões interioranos do Brasil onde houvesse Vilas ou povoados de gente
pobre e analfabeta, em busca das Palavras Geradoras que serviriam de
ponto de partida para reuniões com 20 a 30 pessoas analfabetas, homens e
mulheres.
Em 20 dias de reuniões eram alfabetizados. A esses grupos de alfabetizandos,
Paulo Freire deu o nome de
Círculos de Cultura.
O nome já diz: não existe no mundo gente totalmente inculta. Toda e
qualquer pessoa, pelo simples fato de ter experiência de vida, é
naturalmente uma pessoa culta. Já é possuidora de uma cultura. Conhece e
faz muitas coisas. Se sabe plantar um pé de mandioca, é um agricultor. O
próprio vocábulo composto agri + cultor, traduzido etimológicamente
significa ter cultura agrícola.
Lembro quando
Paulo Freire, que de início havia se dedicado de corpo e alma à alfabetização dos pobres do Brasil, ao trocar idéias com
Dom Hélder,
ficou convencido a ampliar o aprendizado do alfabeto ao lado de um
leque de conhecimentos básicos, referentes às necessidades fundamentais
da vida, como alimentação sadia, higiene e saúde, direitos humanos etc.
Para além das Palavras Geradoras, ponto de partida para a alfabetização,
partiu-se para a pesquisa dos Temas Geradores que fossem apropriados
também como ponto de partida dos diversos tipos de conhecimentos de um
Bem Viver.
Os
Centros de Cultura passaram a administrar uma
Educação de Base. Pelo fato de serem Centros de Educação organizados
pela Igreja, se tornaram as primeiras
Comunidades Eclesiais de Base,
cuja finalidade é servirem de base para uma nova sociedade e base de
uma nova Igreja. Pouco tempo antes dos militares darem o golpe
ditatorial de 1964, a CNBB havia lançado, no Brasil, a primeira cartilha
denominada Educação de Base.
À Caminhada desencadeada por
Hélder Câmara e
Paulo Freire
foi se constituindo num autêntico Processo Histórico de Libertação e de
Salvação. Libertação tanto das estruturas opressoras de nossos povos,
quanto de Evangelização e Salvação de todos em Cristo.
Coube ao Brasil a criação e o lançamento para todo o continente e também para o mundo da
Catequese Libertadora.
O cuidado com o aprimoramento em passos sucessivos do Conteúdo desse
modelo novo de Catequese, coube à figura ímpar do Bispo Pastor
Dom Hélder em seu profetismo permanente, e o método dessa Catequese libertária foi obra e graça de Paulo Freire com sua
Pedagogia do Oprimido ou Educação para a Prática da Liberdade.
Em nome de todo o Brasil e muito bem coadjuvados por todos os membros
da Equipe Nacional de Catequese da CNBB, bem assessorados pelos bispos
Dom José da Costa Campos, da cidade de Valença (Rio de Janeiro) titular da Pastoral de mesmo nome junto á CNBB, e de
Dom Fragoso
da cidade de Crateús (Ceará), num total de quase 10 pessoas, fomos como
representação brasileira, lançar os resultados de nossos avanços em
relação a uma autêntica
Catequese Libertadora para
nossa América, participar de uma assembleia internacional que reunia os
grandes especialistas em Catequese do mundo inteiro, na denominada 5ª
Semana Internacional de Catequese, na cidade de
Medellin (Colômbia).
Realizou-se esse conclave de catequistas, um mês antes da grande
Assembleia episcopal latino-americana, acontecida nessa mesma cidade
colombiana e no mesmo prédio. no mesmo local.
Na 5ª Semana Internacional, perante os maiores especialistas em
Catequese do mundo inteiro, a Catequese Libertadora pediu passagem.
Coube a nós ler o texto fundamental, resultado de nossos avanços no
Brasil.
Não foi fácil. Os debates foram acalorados diante da revolucionária
novidade da Libertação que anunciava uma Nova Evangelização e totalmente
diferente do que no mundo inteiro circulava sob o rótulo de Renovação
Catequética. Para a conjuntura social, política e econômica da América
Latina, uma Catequese verdadeiramente Nova tanto no conteúdo quanto na
forma ou método, que considerávamos coerente com a situação de pobreza e
miséria de nossa América.
Como catequistas do Brasil com missão cumprida perante os
especialistas do mundo ali reunidos, com maioria de Catequistas europeus
um tanto contrariados e insatisfeitos, por termos privilegiado a
situação do nosso continente, retornamos ao Brasil que fervilhava por
causa dos golpistas militares em caça às bruxas.
Não houve nem tempo de continuar no exercício de experiências-piloto
com a Catequese Libertadora recém lançada e cujas linhas mestras foram
adotadas pelos documentos oficiais da Igreja hierárquica depois reunida
também em
Medellin, no mesmo ano de 1968.
Algumas
Fichas Catequéticas lançadas em Porto
Alegre, ainda numa espécie de transição entre o modelo catequético
europeu que herdáramos desde a colonização européia e o nosso atual de
libertação para a América, foram caracterizadas pela ditadura de plantão
no Brasil, como altamente subversivas e imediatamente recolhidas pelos
esbirros militares em todas as escolas de catequistas em fase de
experiência. Houve até prisão de catequista por causa da subversividade
das tais
Fichas, utilizadas como material de atividades dos Catequizandos.
Resultado: Agora, na Semana que passou, diante de um pequeno público
de umas 10 pessoas, facilmente compreensível em seu pequeno número de
participantes, tendo presente que o
Congresso era de teologia e não de Catequese, constatamos uma vez mais, que a
Catequese Libertadora
ainda não entrou no Brasil e talvez também não tenha entrado ainda em
todo o continente latino-americano em cujo solo nasceu e para cujo solo
se destina. A Catequese como leitura dos Sinais dos Tempos ainda não é
uma ridente realidade como já acontece com a
Teologia de Libertação que acaba de dar a demonstração mais cabal neste Congresso Internacional que acaba de se realizar na cidade de
São Leopoldo, na UNISINOS.
Já tivéramos um susto, alguns anos atrás, quando da realização do
Encontro Nacional de Comunidades Eclesiais de Base do Brasil, na cidade de
Ipatinga (Minas
Gerais). Uma das oficinas do programa era sobre a situação da Catequese
nas Comunidades Eclesiais de Base. Foi assessorada, a oficina, pela
Equipe Nacional de Catequese da CNBB. Reuniu mais de 300 pessoas.
Achamos completamente estranha a constatação de que a maioria das
pessoas das CEBs do Brasil inteiro, anualmente tem uma dificuldade
extrema em arranjar Catequista para suas Comunidades.
Afinal de contas, que dificuldade é essa em relação à
Catequese Libertadora?
Medo da ditadura já não mais pode ser a causa, porque temos no país uma
democracia bem consolidada. O que poderia mesmo ser então?
De qualquer maneira, deixamos aqui consignado nosso testemunho global
sobre a Catequese da Libertação como uma catequese por excelência dos
Sinais dos Tempos. Como uma ferramenta apta a ler o Processo Histórico
de Salvação de Deus, na transparência do Processo Histórico da
Libertação total dos povos de nossa América, ambos tendo o Emanuel, (o
Deus conosco) puxando a frente.
Resumindo: O processo histórico da CAMINHADA desencadeada pelos Profetas
Dom Hélder Câmara e
Paulo Freire,
em seus passos sucessivos é a demonstração cabal do que significa, em
sua globalidade de Processo a própria Catequese da Libertação em sua
dupla dimensão: Divina e Humana.
Fonte: IHU