Auditório lotado, com pessoas vindas de diversas
partes do continente para debater, em Congresso Continental, os
caminhos, perspectivas e desafios da teologia na atualidade, nesse novo
contexto da sociedade complexa em que vivemos. Trata-se do Congresso
Continental de Teologia que iniciou neste domingo, 07, no Anfiteatro Pe.
Werner, da Unisinos. O Congresso traz como tema central os 40 anos da
Teologia da Libertação e os 50 anos do Concílio Vaticano II. Um de seus
principais desafios é o de construir uma teologia viva.
Durante o primeiro dia de Congresso, a Conferência
inaugural ficou por conta de Dr. Jon Sobrino, da Revista Latinoamericana
de Teologia e do informativo Cartas a las Iglesias e da professora Drª.
Geraldina Céspedes, da Escola Feminista de Teologia de Andalucía -
EFETA.
Desafios da Teologia da Libertação
Para Geraldina Céspedes, a Teologia da Libertação tem
o desafio de que nós não sejamos apenas consumidores de teologia, "mas
precisamos ser produtores, multiplicadores e multiplicadoras desta mesma
teologia. Nós estamos vivendo uma metamorfose do religioso", disse.
Para ela, tudo se tornou bem de consumo, mercadoria.
"Nesse sentido, a espiritualidade pode nos adormecer ou ser contra a
cultura. Penso que devemos repensar a espiritualidade libertadora, e
esse é um dos desafios que temos pela frente." Outro desafio, para ela, é
a diversidade. "O mesmo que ocorre na sociedade acontece nas igrejas e
também na teologia: não saber gerir a diversidade tanto macro quanto
micro na vida cotidiana", continuou.
Segundo Geraldina, o mundo em que vivemos não é
apenas uma aldeia global, mas uma aldeia plural. "A teologia precisa
saber como situar-se diante da diversidade, como uma possibilidade e não
como ameaça e problema." E frisou: "A teologia tem que fazer esforços
para que as instituições religiosas tenham práticas críticas, para que
saibam fazer o diálogo religioso".
Ela acredita que existem quatro aspectos que nos ajudam a refletir sobre essa mudança radical:
1- Passar da compreensão da religião e da cultura como práticas paradas, imutáveis, mas como práticas em constantes mudanças;
2- Revisar a imagem de Deus e como entendemos a divindade. "Acredito que essa é uma revisão fundamental";
3- Potencializar a consciência de alteridade, para
conhecer o outro e a outra que são vítimas, vulneráveis. "O
reconhecimento da alteridade como principio teológico nos leva a
crescer, em vez de querer impor a eles a nossa visão e a nossa teologia.
Não é apenas assumir a nossa alteridade, mas o choque desta, porque
também podemos nos sentir escandalizados e sacudidos se vermos outra
teologia que não seja a nossa", pondera, ao afirmar que não devemos nos
prender com o que é nosso, acreditando que o que temos ou sabemos é o
verdadeiro;
4- Recuperação das entranhas místicas e proféticas, capazes de sustentar nossas lutas e a transformação da sociedade.
Repensar a teologia
Neste sentido, a professora pergunta: "Como repensar a
teologia e qual sua função na compreensão de outro mundo possível e de
outra teologia possível? Ainda a teologia serve para alguma coisa? Temos
que fazê-la servir para alguma coisa, pois estamos aqui para isso".
Às vezes, continua, a vida cotidiana vai por outro
caminho e se não conseguimos fazer com que a teologia toque em nós, em
nossa vida cotidiana, não adianta de nada. "Estamos vivendo épocas muito
complexas e precisamos de muita orientação para não perdermos o fio. Se
nós quisermos continuar avançando, a teologia precisa renovar a sua
identidade, a sua missão, para o que ela serve, sem perder o fio de sua
identidade, de seus compromissos", pontua.
Para Geraldina, a mudança bate à nossa porta. E
questiona: "Seríamos capazes de abri-la?" Ela avalia que não podemos
passar retos diante dessas transformações. "Devemos acompanhar as
mudanças ou pelo menos não criar obstáculos para elas no fluxo da vida
que está acontecendo." Para a docente, a teologia precisa provocar e
promover a mudança. "Ela não deve esquecer, além disso, que no tecido há
fios vermelhos, fios de sangue, dos mártires que não podemos esquecer
nesses tempos tão complexos. Para mim, eles são sinais para que não
percamos a orientação. Eles nos estimulam e ajudam que devemos dizer não
diante de qualquer sistema de poder que não permita o florescimento dos
seres humanos", finalizou.
Experiências de Jon Sobrino
"A fé é algo que nos convoca, a vocês e a mim." Com
esta frase Jon Sobrino continua a Conferência "Um novo Congresso e um
Congresso novo", na noite de ontem, 07. E continuou: "Teologia quer
dizer que pensamos, acreditamos, estamos convictos de que a direção
estabelecida por Jesus de Nazaré é aquela que humaniza as pessoas".
Sobrino abordou, durante a Conferência, sua
experiência pessoal, a questão teórica da Teologia da Libertação e
apontou o seguinte questionamento: "O que fazer com o passado, uma vez
que estamos em uma mudança constante?"
De onde ele vem e o que ele celebra?
No começo de sua fala, Jon Sobrino aborda sua
trajetória de vida pessoal, de onde vem e o que ele de fato celebra.
"Venho de El Salvador. Neste pequeno país, embora tenhamos centro de
teologia, biblioteca etc., há problemáticas que não chegam lá", disse.
"El salvador tem seis milhões de habitantes que se
relacionam com Deus de maneira bem diversa", comentou, ao afirmar que
fala tudo isto, aqui, com liberdade. Depois, Sobrino questiona: "O que
celebramos e o que queremos fazer? E, mais importante do que o que
celebramos é o que fazemos quando celebramos? Então, vou contar-lhes a
triste história da minha vida:
De 1966 a 1974, estive em Frankfurt, na Alemanha,
estudando teologia. Tive notícias do Concílio, que começou em 1962, mas
parciais. Ou seja, era ignorante com o que estava ocorrendo. A partir do
livro de Gustavo Gutiérrez e por Medellín, comecei a me interessar, mas
isso apenas em 1974, quando cheguei a El Salvador. Com isso, quero
dizer que, diferentemente de muitos da minha geração, fui um ignorante
do que estava acontecendo e obviamente não fui nenhum apaixonado.
Depois, tudo mudou."
Impactos
Impactou-me, pensando em Medellín, Gustavo Gutiérrez e
depois em Dom Romero, que a Igreja decidiu se voltar ao pobre e a
Jesus. "Fico, além de medo, meio constrangido com a parte de minha
palestra quando tenho que falar de minha vida pessoal", admitiu.
"Dos acontecimentos de Medellín, o que celebro e me
deixa contente é que houve profundas mudanças, rupturas. Pensávamos que
era impossível, antes disso não podíamos sequer imaginá-las", afirma.
"Quando me disseram que existiam novos paradigmas,
falei: acho que vocês têm razão! Ou seja, não tenho nada contra isso. No
entanto, o que não me convence totalmente é que os novos paradigmas
fizeram desaparecer os antigos e as antigas realidades", continuou. No
passado, segundo Sobrino, ocorreram coisas que são difíceis de entender.
"Mas a generosidade, o amor, a entrega, isso permanece."
Igreja dos pobres e as necessidades
Segundo Jon Sobrino, antes de começar o Concílio, o Papa anunciou a Igreja dos pobres.
"Todos sentimos que depois do Concílio faltou alguma
coisa. E o que foi? Foi a Igreja dos pobres", enfatiza. "A Igreja dos
pobres não fez raiz. Ouvi que no Concílio se falou dos pobres. Mas não
foi mencionado quem eram os pobres e nem se a Igreja deveria
compartilhar e defender estes mesmos pobres, coisa que Deus fez no
antigo testamento e que foi dito também em Puebla."
Mudanças estruturais e novos paradigmas
Para Sobrino, há mudanças estruturais e novos paradigmas. "Como disse Romero, ‘a Igreja dos pobres é uma igreja crucificada'."
Jon Sobrino se diz alegre em saber que "nossa Igreja
seja perseguida justamente por proteger os pobres". E completa: "Para
terminar, compreendam uma das coisas que tive o prazer de ouvir: o
monsenhor Romero disse que Deus passou por El salvador, ou seja, a ideia
de que algo bom aconteceu". Além disso, segundo Sobrino, Romero
frisou: "A glória de Deus é que o pobre viva! Isso é muito citado, com
razão".
Ainda de acordo com Sobrino, D. Pedro Casaldáliga, ao
se referir ao absoluto, disse: "tudo é relativo, menos Deus e a fome".
Bento XVI afirmou, no início de seu pontificado, e até hoje, "cuidado
com os relativismos". E Jon Sobrino termina a Conferência com a seguinte
frase: "O absoluto é Deus, e se há algo que é coabsoluto, esses são os
pobres".
Thamiris Magalhães
CEBI
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