Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos será lançada na próxima quarta-feira, dia 20, no Congresso Nacional. Ideia é criar um fórum paralelo de discussão do tema, após a vitória do deputado e pastor Marco Feliciano para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara.
Será lançada na próxima quarta-feira, dia 20, a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos. Após a indicação de Marco Feliciano (PSC-SP) para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), parlamentares envolvidos com a defesa dos direitos humanos e minorias decidiram criar um novo fórum para a discussão do tema.
A nova frente atuará de forma articulada com os movimentos sociais e a sociedade civil organizada em todos os espaços de negociação e decisão na Câmara dos Deputados. O objetivo é contribuir para o pleno exercício dos direitos de todos.
Além disso, quer manter a prática que vinha sendo implantada, por meio da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, de acolher todos os setores da população que demandem a ação da Casa na defesa de seus direitos humanos e de cidadania. Esses objetivos serão buscados de maneira suprapartidária.
O deputado e pastor Marco Feliciano é acusado por parlamentes e deputados de racismo e de homofobia. Ele já responde a processos no Supremo Tribunal Federal (STF) por episódios anteriores a sua eleição.
terça-feira, 19 de março de 2013
Francisco terá dificuldades para controlar ‘gerontomachoburocracia’ da Cúria Romana
Esse neologismo foi recolhido pelo autor deste artigo durante um Sínodo Mundial de Bispos, realizado no Vaticano, nos anos 80, para rememorar o Concílio Vaticano II (1962/1965) e suas revolucionárias decisões. Na ocasião, houve protestos de feministas contra uma administração difusa e confusa, integrada por homens idosos e que, em sua maioria, burocratizam as decisões.
A maior e a mais evidente dificuldade do papa Francisco, em seu incipiente pontificado, será a de tornar hegemônico o seu poder sobre a Cúria Romana. Em termos políticos, esse governo dentro do governo da Igreja Católica Romana constitui uma ‘gerontomachoburocracia’, ou seja, uma administração difusa e confusa, integrada por pessoas idosas, do sexo masculino e que, em sua maioria, tendem a transformar numa instância burocrática a tomada de decisões e sua execução.
Esse neologismo foi recolhido pelo autor deste artigo ao fazer a cobertura jornalística de um Sínodo Mundial de Bispos, realizado no Vaticano, nos anos 80, para rememorar o Concílio Vaticano II (1962/1965) e suas revolucionárias decisões.
De um momento para outro, naquela ocasião, o Altar da Confissão, na basílica de São Pedro, foi ocupado por feministas norte-americanas que imitavam a celebração de uma missa. Paralelamente, algumas militantes distribuíam um panfleto em que apontavam o Estado do Vaticano, e a Cúria Romana, em particular, como redutos ‘gerontomachoburocráticos’.
O próprio Sínodo, em sua composição, parecia dar razão às feministas, em alguns aspectos: entre os 400 participantes da assembleia sinodal, havia apenas quatro mulheres, entre elas a madre Teresa de Calcutá. Fomos tentar entrevistá-la na porta de saída sobre as suas impressões a respeito dos debates: “O Papa já falou tudo”, respondeu madre Teresa, a religiosa que doou a sua vida aos mais miseráveis entre os mais excluídos.
Parafraseando madre Teresa, seria o caso de perguntar: e o papa Francisco, já falou tudo?
É claro que não. Afora os belos e oportunos gestos de simplicidade e afora os seus sermões em que prega a mensagem de Jesus Cristo misericordioso, o Papa ainda não enfrentou as manobras dos lobbies que manejam a Cúria como se fosse uma propriedade particular, de cunho mafioso.
Em termos de política externa, ainda não se confrontou, por exemplo, com a questão das Ilhas Malvinas, sobre as quais o governo do seu país legitimamente reivindica soberania. O Papa será naturalmente chamado a se pronunciar de forma clara, quando acontecer o momento oportuno.
Mesmo assim, depois de décadas em que as palavras pontifícias praticamente só se escutavam exortações à disciplina, ouvem-se agora pregações em linguagem simples. Elas são acompanhadas por gestos modestos e motivadores do diálogo. Gestos que incluem um ‘bom dia’, ‘um ótimo almoço’ e a dispensa da pompa e da circunstância.
A própria nota em que negou cumplicidade com a ditadura argentina teve um toque diferente. Refere-se às denúncias com o uso do seu nome de batismo e não com o nome de pontífice. Confirma ter sido ouvido pela justiça, como testemunha, no caso da Esma (Escola Mecânica da Armada) e de seu então amigo, o almirante Emilio Massera.
Aponta, sem citar, o jornal ‘Página 12’, de Buenos Aires, como um veículo transmissor de uma campanha ‘anticlerical’. Ao fazer essa denúncia, desperta o corporativismo do clero, como despertaria se se tratasse de pastores, de rabinos ou de militares.
Mesmo assim, não faz uma defesa belicosa. Abre-se para o diálogo. É justamente nessa direção que vários teólogos da libertação, latino-americanos e europeus, propõem que o novo pontificado caminhe, como disseram em programa da tevê GloboNews os teólogos Leonardo Boff e José Eduardo de Oliveira e Silva, da diocese de Osasco/SP, e o jornalista espanhol Juan Árias.
Esse diálogo tem necessariamente como referência fundamental o Concílio Vaticano II e abrange tanto o plano interno quanto o plano externo da Igreja Romana.
Dermi Azevedo
A maior e a mais evidente dificuldade do papa Francisco, em seu incipiente pontificado, será a de tornar hegemônico o seu poder sobre a Cúria Romana. Em termos políticos, esse governo dentro do governo da Igreja Católica Romana constitui uma ‘gerontomachoburocracia’, ou seja, uma administração difusa e confusa, integrada por pessoas idosas, do sexo masculino e que, em sua maioria, tendem a transformar numa instância burocrática a tomada de decisões e sua execução.
Esse neologismo foi recolhido pelo autor deste artigo ao fazer a cobertura jornalística de um Sínodo Mundial de Bispos, realizado no Vaticano, nos anos 80, para rememorar o Concílio Vaticano II (1962/1965) e suas revolucionárias decisões.
De um momento para outro, naquela ocasião, o Altar da Confissão, na basílica de São Pedro, foi ocupado por feministas norte-americanas que imitavam a celebração de uma missa. Paralelamente, algumas militantes distribuíam um panfleto em que apontavam o Estado do Vaticano, e a Cúria Romana, em particular, como redutos ‘gerontomachoburocráticos’.
O próprio Sínodo, em sua composição, parecia dar razão às feministas, em alguns aspectos: entre os 400 participantes da assembleia sinodal, havia apenas quatro mulheres, entre elas a madre Teresa de Calcutá. Fomos tentar entrevistá-la na porta de saída sobre as suas impressões a respeito dos debates: “O Papa já falou tudo”, respondeu madre Teresa, a religiosa que doou a sua vida aos mais miseráveis entre os mais excluídos.
Parafraseando madre Teresa, seria o caso de perguntar: e o papa Francisco, já falou tudo?
É claro que não. Afora os belos e oportunos gestos de simplicidade e afora os seus sermões em que prega a mensagem de Jesus Cristo misericordioso, o Papa ainda não enfrentou as manobras dos lobbies que manejam a Cúria como se fosse uma propriedade particular, de cunho mafioso.
Em termos de política externa, ainda não se confrontou, por exemplo, com a questão das Ilhas Malvinas, sobre as quais o governo do seu país legitimamente reivindica soberania. O Papa será naturalmente chamado a se pronunciar de forma clara, quando acontecer o momento oportuno.
Mesmo assim, depois de décadas em que as palavras pontifícias praticamente só se escutavam exortações à disciplina, ouvem-se agora pregações em linguagem simples. Elas são acompanhadas por gestos modestos e motivadores do diálogo. Gestos que incluem um ‘bom dia’, ‘um ótimo almoço’ e a dispensa da pompa e da circunstância.
A própria nota em que negou cumplicidade com a ditadura argentina teve um toque diferente. Refere-se às denúncias com o uso do seu nome de batismo e não com o nome de pontífice. Confirma ter sido ouvido pela justiça, como testemunha, no caso da Esma (Escola Mecânica da Armada) e de seu então amigo, o almirante Emilio Massera.
Aponta, sem citar, o jornal ‘Página 12’, de Buenos Aires, como um veículo transmissor de uma campanha ‘anticlerical’. Ao fazer essa denúncia, desperta o corporativismo do clero, como despertaria se se tratasse de pastores, de rabinos ou de militares.
Mesmo assim, não faz uma defesa belicosa. Abre-se para o diálogo. É justamente nessa direção que vários teólogos da libertação, latino-americanos e europeus, propõem que o novo pontificado caminhe, como disseram em programa da tevê GloboNews os teólogos Leonardo Boff e José Eduardo de Oliveira e Silva, da diocese de Osasco/SP, e o jornalista espanhol Juan Árias.
Esse diálogo tem necessariamente como referência fundamental o Concílio Vaticano II e abrange tanto o plano interno quanto o plano externo da Igreja Romana.
Dermi Azevedo
Inquietação no mundo católico: o Vaticano emite nota
Porta-voz do Vaticano divulga nota em que nega relações do papa Francisco com a ditadura argentina. “Nenhuma acusação formal e documentada foi feita contra ele. A justiça o ouviu uma vez, apenas como testemunha, e o padre Bergoglio nunca foi suspeito ou acusado, tendo, aliás, fornecido as provas de seu distanciamento desse assunto”, diz o texto.
Dermi Azevedo
As acusações feitas ao papa Francisco têm "caráter anticlerical", afirma uma nota do Vaticano, divulgada nesta sexta-feira (15) pelo porta-voz e padre Frederico Lombardi. Esta é a íntegra da nota:
"A campanha conduzida por uma revista contra Jorge Mario Bergoglio, que remonta vários anos, é bem conhecida. O caráter anticlerical desses ataques, que chega até à calúnia e à difamação das pessoas, é bem conhecida.
As acusações referentes ao Papa atual remontam a uma época em que ele ainda não era bispo, mas simplesmente superior dos jesuítas na Argentina. Referem-se a dois padres presos durante a ditadura e que ele não teria protegido.
Ora, nenhuma acusação formal e documentada foi feita contra ele. A justiça o ouviu uma vez, apenas como testemunha, e o padre Bergoglio nunca foi suspeito ou acusado, tendo, aliás, fornecido as provas de seu distanciamento desse assunto.
Existem, por outra parte, vários depoimentos que demonstram o quanto o padre Bergoglio agiu, naquela época, para salvar pessoas em perigo. É sabido que, depois de se tornar bispo, na elaboração da carta de perdão, d. Bergoglio lamentou as falhas da Igreja diante da ditadura.
As acusações em questão decorrem de uma leitura histórica desse período promovida há anos por meios anticlericais e que não têm razão de ser".
Memória
Na manhã seguinte ao anúncio de um Papa argentino, o jornal ‘Página 12’ sacudiu Buenos Aires com a manchete: ‘!Dios, Mio!’
Na 6ª feira, dois dias depois, como relata o correspondente de CARTA MAIOR, Eduardo Febbro, direto do Vaticano, o porta-voz da Santa Sé reclamou do que classificaria como ‘acusações caluniosas e difamatórias’ envolvendo o passado do Sumo Pontífice.
Em seguida atribui-as a ‘elementos da esquerda anticlerical’.
Alvo: o ‘Página 12’ .
Com ele, seu diretor, o jornalista Horácio Verbitsky, autor de um livro sobre o as suspeitas que ensombrecem a trajetória do cardeal Jorge Mário Bergoglio, durante a ditadura argentina.
A cúpula da Igreja acerta ao qualificar o ‘Página 12’ como ‘de esquerda’ – algo que ostenta e do qual se orgulha praticando um jornalismo analítico, crítico, ancorado em fatos.
Mas erra esfericamente ao espetá-lo como ‘anticlerical’.
O destaque que o jornal dispensa ao tema dos direitos humanos não se restringe ao caso Bergoglio.
Fundado ao final da ditadura, em maio de 1987, o ‘Página 12’ é reconhecido como o grande ponto de encontro da luta pelo direito à memória na Argentina.
Não foi algo premeditado.
No crepúsculo da ditadura militar, um grupo de jornalistas de esquerda vislumbrou a oportunidade de criar um veículo enxuto, no máximo 12 páginas (daí o nome), mas dotado de densa capacidade analítica.
E, sobretudo, radicalmente comprometido com a redemocratização e com os seus desafios.
A receita das 12 páginas baseava-se num cálculo curioso.
Era o máximo que se conseguiria produzir com qualidade naquele momento; e o suficiente para a sociedade reaprender a refletir sobre ela mesma.
A fidelidade a essa diretriz (hoje o total de páginas cresceu e a edição digital tem mais de 500 mil acessos/dia) levou-o, naturalmente, a investigar os crimes da ditadura.
Seu jornalismo tornou-se um acelerador da transição que os interesses favorecidos pelo regime militar gostariam de maquiar.
Não apenas interesses econômicos.
Lá, como cá, existe um núcleo de poderosas empresas de comunicação, alvo agora da ‘Ley de Medios’, no caso da Argentina, que, por interesse financeiro, identidade ideológica ou simples covardia integrou-se ao aparato repressivo.
Usufruiu e desfruta vantagens dessa intimidade. Até hoje. O quase monopólio das comunicações é uma delas – combatida agora pelo governo de lá.
Naturalmente, a pauta dos direitos humanos dispunha de um espaço acanhado e ambíguo nessa engrenagem.
Não por falta de familiaridade com o assunto.
Mais de uma centena de jornalistas foram presos e muitos desapareceram na ditadura argentina.
A principal fábrica de papel de imprensa do país foi praticamente expropriada de seus donos.
Eles estavam presos, foram torturados. E então a transferência de propriedade se deu.
A sociedade compradora tinha como participantes o próprio governo militar e os principais jornais apoiadores do regime. Entre eles o ‘El Clarín’, de oposição frontal ao governo Cristina, atualmente.
O ‘Página 12’ não se deteve diante das conveniências. E vasculhou esses impérios sombrios.
Fez o equivalente em relação aos direitos humanos em outros países. Não raro, com a mesma mordacidade que incomoda agora o Vaticano.
Quando Pinochet morreu em 2006, a manchete indagava: ‘Que terá feito o inferno para merecer isso?’
A condenação do ditador Videla à prisão perpétua, em 2010, mereceu letras garrafais: ‘Deus existe!’
Foi com essa ironia, debochada, às vezes, mas sempre intransigente em defesa dos direitos humano, que o ‘Página 12’ tornou-se um espaço apropriado pelos familiares dos desaparecidos políticos.
Por solicitação de Estela Carlotto, atual dirigente das Abuelas de Plaza de Mayo, passou a publicar, desde 1988, pequenas atualizações da trajetória familiar de vítimas da ditadura.
Os anúncios sugerem uma espécie de prosseguimento da vida dos que foram precoce e violentamente apartados dela.
Filhos que perderam os pais ainda crianças, mencionam os netos que esses avós jamais viram; avós falam dos bisnetos.
O efeito é tocante. Ao se deparar com a foto de um jovem desaparecido, sabe-se que hoje ele poderia estar brincando com os netinhos, filhos dos filho que agora tem a idade com a qual ele morreu.
Em 2007, o ‘Página 12’ recebeu na Espanha o prêmio da Liberdade de Imprensa, instituído pela Casa da América, junto com a Chancelaria espanhola e o governo da Catalunha.
Motivo: a seriedade na defesa dos direitos humanos e o compromisso com o rigor da informação, requisito da liberdade de expressão.
No momento em que pairam sombras sobre o Vaticano, o que deve fazer essa cepa de jornalismo?
O ‘Página 12’ faz o que, em geral, desagrada aos poderes terrenos e celestiais: investiga, pergunta, rememora.
Ao contrário do que sugere o porta-voz da Santa Sé, não se trata de um cacoete anticlerical.
O assunto extravasa o campo religioso e envolve uma questão de interesse político de toda a sociedade.
Trata-se de uma responsabilidade ecumênica e universal, da qual o ‘Página 12’ não abre mão: o dever de todos, sobretudo das autoridades, de zelar e fazer respeitar os direitos humanos e democráticos dos cidadãos.
Sob quaisquer circunstancias; mas principalmente quando são ameaçados. Como na ditadura dos anos 70/80.
Há dúvidas se o passado do cardeal Mario Jorge Bergoglio nesse campo honra o manto santo que agora envolve Francisco, o desenvolto sucessor do atormentado Bento XVI.
As dúvidas estão marmorizadas em um lusco-fusco de pejo, silêncios e versões contrastantes.
É preciso esclarecer.
Há nomes, testemunhos, relatos, datas e um cenário dantesco: os anos de chumbo vividos pela sociedade argentina, entre 1976 e 1983.
O país do então líder dos jesuítas, Mario Jorge Bergoglio, vivia o inferno na terra, sob a ação genocida de uma ditadura cujos atos confirmam a indiferença aterrorizante dos aparatos clandestinos em relação à vida e à dor.
O que se ouve ainda arrepia.
A mesma sensação inspira o rosto endurecido e gasto dos líderes militares, julgados e condenados. Um a um; em grande parte, graças a pressão inquebrantável das denúncias e investigações ecoadas nas edições do 'Página 12'
Em sete anos, o aparato militar montou e azeitou uma máquina de torturar, matar e eclipsar corpos que operou de forma infatigável.
Nessa moenda 30 mil pessoas foram liquidadas ou desapareceram.
Mais de 4 mil e duzentos corpos por ano.
Filhos de militantes de esquerda foram sequestrados, entregues a famílias simpáticas ao regime.
Muitos permanecem nesse limbo.
No dia em que a ‘fumata bianca’ do Vaticano anunciou o ‘habemus papam’ e em seguida emergiu a figura do cardeal argentino, no balcão do Vaticano, Graciela Yorio esmurrou as paredes de seu apartamento, a 11.200 quilômetros de distancia, em Buenos Aires.
O relato está nos jornais argentinos e também na Folha de São Paulo.
A revolta deve-se a uma certeza guardada há 36 anos na memória dessa sexagenária.
Em maio de 1976, seu irmão, padre Orlando Yorio, foi delatado à ditadura sedenta e recém-instalada.
Juntamente com o sacerdote Francisco Jalics, este vivo, na Alemanha— Yorio ficou cinco meses nas mãos dos militares.
Incomunicáveis, na temível Escola Mecânica da Marinha, adaptada para ser a máquina de moer ossos do regime.
O delator dos dois religiosos teria sido o cardeal Bergoglio -- o Papa, então com cerca de 40 anos, líder conservador dos jesuítas argentinos.
Essa é a convicção de Graciela, baseada no que ouviu do irmão, falecido em 2000, militante da Teologia da Libertação, como Jalics.
Jalics não se pronunciou. Alegando viagem, emitiu uma nota na Alemanha em que se diz em paz e reconciliado com Bergoglio.
A nota compassiva não nega a dor que leva Graciela ainda a esmurrar paredes.
A estupefação tampouco é apenas dela.
Ainda que setores progressistas argentinos optem por uma certa moderação em público, muitas vozes não se calam.
Estela Carlotto, a dirigente das Abuelas de Mayo, em entrevista ao ‘Página 12’ deste sábado, procura manter a objetividade num relato que adiciona mais nuvens às sombras.
Carlotto afirma que o Cardeal Bergoglio nunca fez um gesto de solidariedade para ajudar a luta mundialmente reconhecida das mães e avós de desaparecidos políticos argentinos.
Poderia, mas não facilitou a reunião do grupo com o Papa. Ao contrário.
O primeiro encontro, em 1980, no Brasil, só aconteceu por interferência de religiosos brasileiros.
As abuelas só seriam recebidas em Roma três anos mais tarde; de novo, graças a contatos alheios ao cardeal Bergoglio.
Prossegue Estela Carlotto.
O cardeal teria sido conivente com o sequestro de pelo menos uma criança nascida na prisão.
Procurado por familiares da desaparecida política, Elena de la Quadra, teria aconselhado: ‘Não busquem mais por essa criança que está em boas mãos’.
E desfechou sentença equivalente em relação às demais.
O ‘Jornal Página 12’ tem sido o principal eco desses relatos e dessa revolta, que muitos relativizam e gostariam de esquecer.
O que o jornal faz ao investigar as dúvidas que pairam sobre Francisco é coerente com o 'manual de redação' sedimentado na prática da democracia argentina nesses 25 anos de existência: não sacrificar a memória ao conforto das conveniências.
Pode soar anticlerical a setores da Igreja que gostariam de esquecer o que já se cometeu neste mundo, em nome de Deus.
Mas é um reducionismo improcedente, que se dissolve na trajetória reconhecidamente qualificada do 'Página 12'.
Na Argentina, graças à persistência de vozes como a de seus jornalistas, a memória deixou de ser o espaço da formalidade.
Hoje ela é vista como um pedaço do futuro. Um mirante poderoso para se entender o presente e superar as forças, e a lógica, que esmagaram a sociedade no passado.
"A campanha conduzida por uma revista contra Jorge Mario Bergoglio, que remonta vários anos, é bem conhecida. O caráter anticlerical desses ataques, que chega até à calúnia e à difamação das pessoas, é bem conhecida.
As acusações referentes ao Papa atual remontam a uma época em que ele ainda não era bispo, mas simplesmente superior dos jesuítas na Argentina. Referem-se a dois padres presos durante a ditadura e que ele não teria protegido.
Ora, nenhuma acusação formal e documentada foi feita contra ele. A justiça o ouviu uma vez, apenas como testemunha, e o padre Bergoglio nunca foi suspeito ou acusado, tendo, aliás, fornecido as provas de seu distanciamento desse assunto.
Existem, por outra parte, vários depoimentos que demonstram o quanto o padre Bergoglio agiu, naquela época, para salvar pessoas em perigo. É sabido que, depois de se tornar bispo, na elaboração da carta de perdão, d. Bergoglio lamentou as falhas da Igreja diante da ditadura.
As acusações em questão decorrem de uma leitura histórica desse período promovida há anos por meios anticlericais e que não têm razão de ser".
Memória
Na manhã seguinte ao anúncio de um Papa argentino, o jornal ‘Página 12’ sacudiu Buenos Aires com a manchete: ‘!Dios, Mio!’
Na 6ª feira, dois dias depois, como relata o correspondente de CARTA MAIOR, Eduardo Febbro, direto do Vaticano, o porta-voz da Santa Sé reclamou do que classificaria como ‘acusações caluniosas e difamatórias’ envolvendo o passado do Sumo Pontífice.
Em seguida atribui-as a ‘elementos da esquerda anticlerical’.
Alvo: o ‘Página 12’ .
Com ele, seu diretor, o jornalista Horácio Verbitsky, autor de um livro sobre o as suspeitas que ensombrecem a trajetória do cardeal Jorge Mário Bergoglio, durante a ditadura argentina.
A cúpula da Igreja acerta ao qualificar o ‘Página 12’ como ‘de esquerda’ – algo que ostenta e do qual se orgulha praticando um jornalismo analítico, crítico, ancorado em fatos.
Mas erra esfericamente ao espetá-lo como ‘anticlerical’.
O destaque que o jornal dispensa ao tema dos direitos humanos não se restringe ao caso Bergoglio.
Fundado ao final da ditadura, em maio de 1987, o ‘Página 12’ é reconhecido como o grande ponto de encontro da luta pelo direito à memória na Argentina.
Não foi algo premeditado.
No crepúsculo da ditadura militar, um grupo de jornalistas de esquerda vislumbrou a oportunidade de criar um veículo enxuto, no máximo 12 páginas (daí o nome), mas dotado de densa capacidade analítica.
E, sobretudo, radicalmente comprometido com a redemocratização e com os seus desafios.
A receita das 12 páginas baseava-se num cálculo curioso.
Era o máximo que se conseguiria produzir com qualidade naquele momento; e o suficiente para a sociedade reaprender a refletir sobre ela mesma.
A fidelidade a essa diretriz (hoje o total de páginas cresceu e a edição digital tem mais de 500 mil acessos/dia) levou-o, naturalmente, a investigar os crimes da ditadura.
Seu jornalismo tornou-se um acelerador da transição que os interesses favorecidos pelo regime militar gostariam de maquiar.
Não apenas interesses econômicos.
Lá, como cá, existe um núcleo de poderosas empresas de comunicação, alvo agora da ‘Ley de Medios’, no caso da Argentina, que, por interesse financeiro, identidade ideológica ou simples covardia integrou-se ao aparato repressivo.
Usufruiu e desfruta vantagens dessa intimidade. Até hoje. O quase monopólio das comunicações é uma delas – combatida agora pelo governo de lá.
Naturalmente, a pauta dos direitos humanos dispunha de um espaço acanhado e ambíguo nessa engrenagem.
Não por falta de familiaridade com o assunto.
Mais de uma centena de jornalistas foram presos e muitos desapareceram na ditadura argentina.
A principal fábrica de papel de imprensa do país foi praticamente expropriada de seus donos.
Eles estavam presos, foram torturados. E então a transferência de propriedade se deu.
A sociedade compradora tinha como participantes o próprio governo militar e os principais jornais apoiadores do regime. Entre eles o ‘El Clarín’, de oposição frontal ao governo Cristina, atualmente.
O ‘Página 12’ não se deteve diante das conveniências. E vasculhou esses impérios sombrios.
Fez o equivalente em relação aos direitos humanos em outros países. Não raro, com a mesma mordacidade que incomoda agora o Vaticano.
Quando Pinochet morreu em 2006, a manchete indagava: ‘Que terá feito o inferno para merecer isso?’
A condenação do ditador Videla à prisão perpétua, em 2010, mereceu letras garrafais: ‘Deus existe!’
Foi com essa ironia, debochada, às vezes, mas sempre intransigente em defesa dos direitos humano, que o ‘Página 12’ tornou-se um espaço apropriado pelos familiares dos desaparecidos políticos.
Por solicitação de Estela Carlotto, atual dirigente das Abuelas de Plaza de Mayo, passou a publicar, desde 1988, pequenas atualizações da trajetória familiar de vítimas da ditadura.
Os anúncios sugerem uma espécie de prosseguimento da vida dos que foram precoce e violentamente apartados dela.
Filhos que perderam os pais ainda crianças, mencionam os netos que esses avós jamais viram; avós falam dos bisnetos.
O efeito é tocante. Ao se deparar com a foto de um jovem desaparecido, sabe-se que hoje ele poderia estar brincando com os netinhos, filhos dos filho que agora tem a idade com a qual ele morreu.
Em 2007, o ‘Página 12’ recebeu na Espanha o prêmio da Liberdade de Imprensa, instituído pela Casa da América, junto com a Chancelaria espanhola e o governo da Catalunha.
Motivo: a seriedade na defesa dos direitos humanos e o compromisso com o rigor da informação, requisito da liberdade de expressão.
No momento em que pairam sombras sobre o Vaticano, o que deve fazer essa cepa de jornalismo?
O ‘Página 12’ faz o que, em geral, desagrada aos poderes terrenos e celestiais: investiga, pergunta, rememora.
Ao contrário do que sugere o porta-voz da Santa Sé, não se trata de um cacoete anticlerical.
O assunto extravasa o campo religioso e envolve uma questão de interesse político de toda a sociedade.
Trata-se de uma responsabilidade ecumênica e universal, da qual o ‘Página 12’ não abre mão: o dever de todos, sobretudo das autoridades, de zelar e fazer respeitar os direitos humanos e democráticos dos cidadãos.
Sob quaisquer circunstancias; mas principalmente quando são ameaçados. Como na ditadura dos anos 70/80.
Há dúvidas se o passado do cardeal Mario Jorge Bergoglio nesse campo honra o manto santo que agora envolve Francisco, o desenvolto sucessor do atormentado Bento XVI.
As dúvidas estão marmorizadas em um lusco-fusco de pejo, silêncios e versões contrastantes.
É preciso esclarecer.
Há nomes, testemunhos, relatos, datas e um cenário dantesco: os anos de chumbo vividos pela sociedade argentina, entre 1976 e 1983.
O país do então líder dos jesuítas, Mario Jorge Bergoglio, vivia o inferno na terra, sob a ação genocida de uma ditadura cujos atos confirmam a indiferença aterrorizante dos aparatos clandestinos em relação à vida e à dor.
O que se ouve ainda arrepia.
A mesma sensação inspira o rosto endurecido e gasto dos líderes militares, julgados e condenados. Um a um; em grande parte, graças a pressão inquebrantável das denúncias e investigações ecoadas nas edições do 'Página 12'
Em sete anos, o aparato militar montou e azeitou uma máquina de torturar, matar e eclipsar corpos que operou de forma infatigável.
Nessa moenda 30 mil pessoas foram liquidadas ou desapareceram.
Mais de 4 mil e duzentos corpos por ano.
Filhos de militantes de esquerda foram sequestrados, entregues a famílias simpáticas ao regime.
Muitos permanecem nesse limbo.
No dia em que a ‘fumata bianca’ do Vaticano anunciou o ‘habemus papam’ e em seguida emergiu a figura do cardeal argentino, no balcão do Vaticano, Graciela Yorio esmurrou as paredes de seu apartamento, a 11.200 quilômetros de distancia, em Buenos Aires.
O relato está nos jornais argentinos e também na Folha de São Paulo.
A revolta deve-se a uma certeza guardada há 36 anos na memória dessa sexagenária.
Em maio de 1976, seu irmão, padre Orlando Yorio, foi delatado à ditadura sedenta e recém-instalada.
Juntamente com o sacerdote Francisco Jalics, este vivo, na Alemanha— Yorio ficou cinco meses nas mãos dos militares.
Incomunicáveis, na temível Escola Mecânica da Marinha, adaptada para ser a máquina de moer ossos do regime.
O delator dos dois religiosos teria sido o cardeal Bergoglio -- o Papa, então com cerca de 40 anos, líder conservador dos jesuítas argentinos.
Essa é a convicção de Graciela, baseada no que ouviu do irmão, falecido em 2000, militante da Teologia da Libertação, como Jalics.
Jalics não se pronunciou. Alegando viagem, emitiu uma nota na Alemanha em que se diz em paz e reconciliado com Bergoglio.
A nota compassiva não nega a dor que leva Graciela ainda a esmurrar paredes.
A estupefação tampouco é apenas dela.
Ainda que setores progressistas argentinos optem por uma certa moderação em público, muitas vozes não se calam.
Estela Carlotto, a dirigente das Abuelas de Mayo, em entrevista ao ‘Página 12’ deste sábado, procura manter a objetividade num relato que adiciona mais nuvens às sombras.
Carlotto afirma que o Cardeal Bergoglio nunca fez um gesto de solidariedade para ajudar a luta mundialmente reconhecida das mães e avós de desaparecidos políticos argentinos.
Poderia, mas não facilitou a reunião do grupo com o Papa. Ao contrário.
O primeiro encontro, em 1980, no Brasil, só aconteceu por interferência de religiosos brasileiros.
As abuelas só seriam recebidas em Roma três anos mais tarde; de novo, graças a contatos alheios ao cardeal Bergoglio.
Prossegue Estela Carlotto.
O cardeal teria sido conivente com o sequestro de pelo menos uma criança nascida na prisão.
Procurado por familiares da desaparecida política, Elena de la Quadra, teria aconselhado: ‘Não busquem mais por essa criança que está em boas mãos’.
E desfechou sentença equivalente em relação às demais.
O ‘Jornal Página 12’ tem sido o principal eco desses relatos e dessa revolta, que muitos relativizam e gostariam de esquecer.
O que o jornal faz ao investigar as dúvidas que pairam sobre Francisco é coerente com o 'manual de redação' sedimentado na prática da democracia argentina nesses 25 anos de existência: não sacrificar a memória ao conforto das conveniências.
Pode soar anticlerical a setores da Igreja que gostariam de esquecer o que já se cometeu neste mundo, em nome de Deus.
Mas é um reducionismo improcedente, que se dissolve na trajetória reconhecidamente qualificada do 'Página 12'.
Na Argentina, graças à persistência de vozes como a de seus jornalistas, a memória deixou de ser o espaço da formalidade.
Hoje ela é vista como um pedaço do futuro. Um mirante poderoso para se entender o presente e superar as forças, e a lógica, que esmagaram a sociedade no passado.
Teologia da libertação acabou?
Sua presença na vida da Igreja quase não se faz sentir, mas o espírito de contestação que a animava tem raízes profundas na história do cristianismo - e continua a atrair católicos no Terceiro Mundo.
Entre os anos 1960 e o início dos 1980, ela arrebatou a imaginação da Igreja Católica. Padres e fiéis do mundo inteiro, em especial na América Latina, viram na Teologia da Libertação a resposta que o momento histórico e a piedade cristã exigiam: uma Igreja militante, voltada ao serviço dos pobres e dos oprimidos políticos, com forte influência da prática marxista. Quando a onda das ditaduras acabou e se instalou em Roma um papa fervorosamente anticomunista, João Paulo II, o movimento começou a ser confrontado pela hierarquia católica. Seus principais expoentes foram silenciados - entre eles o teólogo brasileiro Leonardo Boff o movimento foi contido e, lentamente, refluiu. Quando o Muro de Berlim veio abaixo, em 1990, derrubando com ele os regimes socialistas, o grande alento ideológico da Teologia da Libertação também desapareceu. Agora, quase 25 anos depois, com a entronização de um novo papa, o movimento parece ter ficado definitivamente para trás. No artigo que segue, o filósofo Luiz Felipe Pondé responde à pergunta essencial: a Teologia da Libertação acabou ou ainda está viva?
A Teologia da Libertação acabou? Sim e não. Sim, porque ela não é mais a Teologia "oficial" da América Latina. Grande parte de seus expoentes está em idade avançada ou fora do debate teórico e prático (pastoral) do magistério da Igreja. Além disso, ela sofreu duras críticas do oficialato do Vaticano desde os anos 1980. Sua origem se deu em meio ao nascimento dos movimentos políticos, na cidade e no campo, nos anos 1960 na América Latina, e varreu grande parte do continente, principalmente do Brasil até o México.
Muitos padres e freiras se envolveram em lutas contra regimes totalitários nesses países, como no Brasil, na Nicarágua e em El Salvador. O papel da Teologia da Libertação ao lado da luta pela liberdade política no continente é inegável. Mas, se essa origem e realidade política foram de grande valor histórico, foram também sua maldição.
Não, a Teologia da Libertação não acabou, porque continua impregnada na formação e nas aspirações de grande parte do clero e daqueles que aderem à Igreja nos países em desenvolvimento, justamente aqueles em que o catolicismo ainda tem alguma vitalidade. A razão de a Teologia da Libertação permanecer viva de alguma forma é simples, e o próprio cardeal Joseph Ratzinger (futuro papa Bento XVI) reconhecia essa razão em seus textos dos anos 1980: a Teologia da Libertação parte de um dos centros da experiência bíblica, o profetismo hebraico. Ele tem um forte apelo ético, social e político, eixo central da Teologia. Deus não é apenas místico, é também revolucionário. Ou revolucionário místico. Essa seria a melhor forma de descrever o modo como a Teologia da Libertação compreende seu Deus.
O cristianismo descende do profetismo hebraico. Tal vertente se caracteriza pelo afastamento do judaísmo antigo de sua primeira fase organizada, conhecida como "judaísmo do templo", marcado por uma forte associação da casta política à casta sacerdotal. Dito de outra forma, a elite política e a elite religiosa eram a mesma ou muito próximas.
Tal fato sempre é corriqueiro na história das religiões. No caso do cristianismo, ele sempre teve uma dupla face: um amor pela instituição do poder (foi o herdeiro do espólio do Império Romano) e um mal-estar com esse mesmo poder. O advento da Teologia da Libertação repete, assim, uma velha vocação do cristianismo: sentir-se mal com os poderes do mundo.
No mundo do hebraísmo antigo, os profetas iniciam então uma dupla "campanha": contra o abuso das elites e contra o relaxamento da observação dos mandamentos de Deus por parte tanto da elite quanto do "povo". Os profetas da ira do Deus de Israel acusaram a elite israelita de ser gananciosa, hipócrita e egoísta. Os termos não variariam muito se falássemos de nossa própria elite.
Variando de intensidade e modos de expressão, os profetas trazem a marca do descontentamento de Deus com Israel e avisam ao povo que Deus não quer sacrifícios, mas sim que cuidem dos doentes, dos órfãos, das viúvas e dos pobres. Dito de forma sintética: Deus quer um "projeto social" para seu povo. Ele não toleraria acúmulos absurdos de riqueza e mentiras. Ele olha o coração do homem e vê ali o mal, pouco importa se ele cumpre sua cota de animais mortos em sacrifícios.
Esse fenômeno ficou conhecido, por intermédio do grande sociólogo alemão Max Weber, como "desencantamento do mundo" ou, mais especificamente, desmagificação. Acostumados com uma religião praticada pelos sacrifícios de animais e rituais "mágicos", os antigos conheceram na figura do profetismo hebraico o nascimento de uma religião ética e política. Deus se preocupa mais com nossos atos e menos, ou não apenas, com nossos ritos.
É, justamente, nesse viés que surgem as profecias acerca da vinda do Messias, responsável pela realização plena deste mundo ético desejado por Deus. Jesus é visto como esse Messias pelos judeus que fundarão a seita do Galileu.
Por isso tudo, a Teologia da Libertação é reconhecida pelo teólogo Ratzinger como justa e correta em sua raiz cristã, na medida em que parte de um anseio que marca o cristianismo em sua matriz: uma crítica ao esvaziamento ético do judaísmo oficial e uma defesa da atenção com os mais "fracos". Nisso, a Teologia da Libertação é absolutamente correta, em seu pressuposto de "opção pelos desfavorecidos" e de recusa à ordem injusta do mundo.
Há, todavia, um erro sério nela, e esse erro é responsável pelas várias críticas que ela recebeu ao longo dos últimos, grosso modo, 35 anos: sua associação com a hermenêutica marxista e sua contaminação com a política partidária. O pecado da Teologia da Libertação foi se apaixonar pelas práticas políticas da esquerda latino-americana.
A posição de Ratzinger define a atitude institucional da Igreja diante da Teologia da Libertação, na medida em que ele era representante da guarda da doutrina reta para a Igreja. Ele afirma que a confusão que a Teologia da Libertação fez ao assumir o materialismo histórico de Marx como ferramenta de interpretação da história da salvação implicaria uma evidente eliminação do componente confessional em favor da prática político-partidária. O resultado é que os teólogos "progressistas" acabaram por assumir o proletariado como o novo "povo de Deus", em detrimento da totalidade da humanidade.
O marxismo necessariamente leria a história da salvação como luta de classes, enquanto o cristianismo deveria ler essa história da salvação como um caminho de inserção do amor de Deus no mundo. A salvação no cristianismo é uma história da "caridade" (amor de Deus), e não uma história do "justo ódio", defendido pelos revolucionários marxistas.
Para a Igreja, a história da salvação passa, no plano humano, aquele que está a nosso alcance, pela transformação espiritual do homem, e não pela aceitação das demandas de uma prática política, muitas vezes violenta. Resumindo, a Teologia da Libertação acabaria por escolher Barrabás, o herói político judeu, em lugar de Jesus, o homem-Deus que era contra toda forma de partidarismo militante violento.
O correto carisma profético cristão se perde numa plataforma política que não precisa da Teologia para realizar sua revolução, e os padres se transformariam em pregadores da revolução. O próximo passo seria uma Igreja de padres ateus.
O "reinocentrismo" (termo usado para criticar os excessos políticos da Teologia da Libertação) é precisamente este passo em falso: em nome da justiça social, o clero latino-americano estaria disposto a negociar o caráter confessional da Igreja. A práxis política a levaria a negociar tudo pelo reino de Deus justo no mundo, mesmo que sem Deus.
Outro pecado da Teologia latino-americana de esquerda, diretamente ligado ao anterior, é sua tendência a atenuar a identidade católica em favor de um "respeito" maior por outras identidades, como as "espiritualidades" indígena ou africana. A causa evidente desse "relativismo do diálogo" é a identificação de grupos, como índios ou negros, como vítimas históricas da catequese católica colonial, em associação com os interesses das coroas portuguesa e brasVieira. Esses grupos são, portanto, objeto de atenção prioritária por parte daqueles que escolhem os desfavorecidos como o novo "povo de Deus". O "reinocentrismo" político convive bem com esse relativismo e, por isso, se associa ao viés político dominante em sua história.
Talvez o efeito mais nefasto da Teologia da Libertação aos olhos da Igreja seja o esvaziamento "moderno" (porque em sintonia com os estudos históricos do protestantismo liberal alemão do século XIX) que ela correria o risco de fazer da divindade de Cristo, tornando-o apenas mais um "libertador", aos moldes de um Che Guevara, palatável a gregos e troianos e, portanto, mais à mão em meio à diversidade cultural do continente. Ainda que nunca tenha sido um postulado da Teologia da Libertação, essa proposta de desdivinização de Cristo, a acentuação de sua "humanidade", a fim de torná-lo menos "autoritário", poderia estar no horizonte dos desdobramentos indesejáveis desta revolução de Jesus.
Por último, mas não menos importante, vale a pena citar a tendência da Teologia latino-americana de esquerda a se aproximar de espiritualidades "nova era", somando ao Deus bíblico atributos de um culto da natureza e sua "deusa", tornando o cristianismo mais ecologicamente correto e, ao mesmo tempo, mais próximo de modos pagãos de crença. Um exemplo desse viés é a"feminilização de Deus" (reduzindo seu caráter "patriarcal"), fazendo Dele um trunfo na mão das feministas católicas. Um risco concreto e temido pelo magistério da Igreja é que movimentos feministas como "católicas pelo direito de decidir" acabem por se aproximar da defesa do aborto na América Latina.
Se a Teologia da Libertação está acuada em sua natureza de flerte com a política de esquerda e seus "amores pela modernidade", ao mesmo tempo ela carrega em si a marca de uma justa opção bíblica por um cristianismo ético, social e político. Esse clamor continua operando na escolha de muitos jovens por uma vida religiosa na América Latina e na África, porque, nesses países, a agonia social é evidente. Se ela está "proibida", permanece viva como visão correta do papel do cristianismo e continua encantando inúmeras vocações. Ao contrário da Igreja dos países ricos, no Terceiro Mundo a Igreja ainda detém certa imagem de não ser apenas um reduto de políticos, escândalos financeiros e abusos sexuais. A Teologia da Libertação, mesmo combalida, convive bem com a imagem de uma Igreja moderna, aberta às demandas de um mundo em agonia e em transformação crescente.
É difícil dizer que a Teologia da Libertação tenha acabado definitivamente, porque ela está impregnada de uma das faces mais essenciais do cristianismo: a ideia de um Deus ético, crítico dos abusos do poder e sensível à infelicidade dos aflitos do mundo.
Entre os anos 1960 e o início dos 1980, ela arrebatou a imaginação da Igreja Católica. Padres e fiéis do mundo inteiro, em especial na América Latina, viram na Teologia da Libertação a resposta que o momento histórico e a piedade cristã exigiam: uma Igreja militante, voltada ao serviço dos pobres e dos oprimidos políticos, com forte influência da prática marxista. Quando a onda das ditaduras acabou e se instalou em Roma um papa fervorosamente anticomunista, João Paulo II, o movimento começou a ser confrontado pela hierarquia católica. Seus principais expoentes foram silenciados - entre eles o teólogo brasileiro Leonardo Boff o movimento foi contido e, lentamente, refluiu. Quando o Muro de Berlim veio abaixo, em 1990, derrubando com ele os regimes socialistas, o grande alento ideológico da Teologia da Libertação também desapareceu. Agora, quase 25 anos depois, com a entronização de um novo papa, o movimento parece ter ficado definitivamente para trás. No artigo que segue, o filósofo Luiz Felipe Pondé responde à pergunta essencial: a Teologia da Libertação acabou ou ainda está viva?
A Teologia da Libertação acabou? Sim e não. Sim, porque ela não é mais a Teologia "oficial" da América Latina. Grande parte de seus expoentes está em idade avançada ou fora do debate teórico e prático (pastoral) do magistério da Igreja. Além disso, ela sofreu duras críticas do oficialato do Vaticano desde os anos 1980. Sua origem se deu em meio ao nascimento dos movimentos políticos, na cidade e no campo, nos anos 1960 na América Latina, e varreu grande parte do continente, principalmente do Brasil até o México.
Muitos padres e freiras se envolveram em lutas contra regimes totalitários nesses países, como no Brasil, na Nicarágua e em El Salvador. O papel da Teologia da Libertação ao lado da luta pela liberdade política no continente é inegável. Mas, se essa origem e realidade política foram de grande valor histórico, foram também sua maldição.
Não, a Teologia da Libertação não acabou, porque continua impregnada na formação e nas aspirações de grande parte do clero e daqueles que aderem à Igreja nos países em desenvolvimento, justamente aqueles em que o catolicismo ainda tem alguma vitalidade. A razão de a Teologia da Libertação permanecer viva de alguma forma é simples, e o próprio cardeal Joseph Ratzinger (futuro papa Bento XVI) reconhecia essa razão em seus textos dos anos 1980: a Teologia da Libertação parte de um dos centros da experiência bíblica, o profetismo hebraico. Ele tem um forte apelo ético, social e político, eixo central da Teologia. Deus não é apenas místico, é também revolucionário. Ou revolucionário místico. Essa seria a melhor forma de descrever o modo como a Teologia da Libertação compreende seu Deus.
O cristianismo descende do profetismo hebraico. Tal vertente se caracteriza pelo afastamento do judaísmo antigo de sua primeira fase organizada, conhecida como "judaísmo do templo", marcado por uma forte associação da casta política à casta sacerdotal. Dito de outra forma, a elite política e a elite religiosa eram a mesma ou muito próximas.
Tal fato sempre é corriqueiro na história das religiões. No caso do cristianismo, ele sempre teve uma dupla face: um amor pela instituição do poder (foi o herdeiro do espólio do Império Romano) e um mal-estar com esse mesmo poder. O advento da Teologia da Libertação repete, assim, uma velha vocação do cristianismo: sentir-se mal com os poderes do mundo.
No mundo do hebraísmo antigo, os profetas iniciam então uma dupla "campanha": contra o abuso das elites e contra o relaxamento da observação dos mandamentos de Deus por parte tanto da elite quanto do "povo". Os profetas da ira do Deus de Israel acusaram a elite israelita de ser gananciosa, hipócrita e egoísta. Os termos não variariam muito se falássemos de nossa própria elite.
Variando de intensidade e modos de expressão, os profetas trazem a marca do descontentamento de Deus com Israel e avisam ao povo que Deus não quer sacrifícios, mas sim que cuidem dos doentes, dos órfãos, das viúvas e dos pobres. Dito de forma sintética: Deus quer um "projeto social" para seu povo. Ele não toleraria acúmulos absurdos de riqueza e mentiras. Ele olha o coração do homem e vê ali o mal, pouco importa se ele cumpre sua cota de animais mortos em sacrifícios.
Esse fenômeno ficou conhecido, por intermédio do grande sociólogo alemão Max Weber, como "desencantamento do mundo" ou, mais especificamente, desmagificação. Acostumados com uma religião praticada pelos sacrifícios de animais e rituais "mágicos", os antigos conheceram na figura do profetismo hebraico o nascimento de uma religião ética e política. Deus se preocupa mais com nossos atos e menos, ou não apenas, com nossos ritos.
É, justamente, nesse viés que surgem as profecias acerca da vinda do Messias, responsável pela realização plena deste mundo ético desejado por Deus. Jesus é visto como esse Messias pelos judeus que fundarão a seita do Galileu.
Por isso tudo, a Teologia da Libertação é reconhecida pelo teólogo Ratzinger como justa e correta em sua raiz cristã, na medida em que parte de um anseio que marca o cristianismo em sua matriz: uma crítica ao esvaziamento ético do judaísmo oficial e uma defesa da atenção com os mais "fracos". Nisso, a Teologia da Libertação é absolutamente correta, em seu pressuposto de "opção pelos desfavorecidos" e de recusa à ordem injusta do mundo.
Há, todavia, um erro sério nela, e esse erro é responsável pelas várias críticas que ela recebeu ao longo dos últimos, grosso modo, 35 anos: sua associação com a hermenêutica marxista e sua contaminação com a política partidária. O pecado da Teologia da Libertação foi se apaixonar pelas práticas políticas da esquerda latino-americana.
A posição de Ratzinger define a atitude institucional da Igreja diante da Teologia da Libertação, na medida em que ele era representante da guarda da doutrina reta para a Igreja. Ele afirma que a confusão que a Teologia da Libertação fez ao assumir o materialismo histórico de Marx como ferramenta de interpretação da história da salvação implicaria uma evidente eliminação do componente confessional em favor da prática político-partidária. O resultado é que os teólogos "progressistas" acabaram por assumir o proletariado como o novo "povo de Deus", em detrimento da totalidade da humanidade.
O marxismo necessariamente leria a história da salvação como luta de classes, enquanto o cristianismo deveria ler essa história da salvação como um caminho de inserção do amor de Deus no mundo. A salvação no cristianismo é uma história da "caridade" (amor de Deus), e não uma história do "justo ódio", defendido pelos revolucionários marxistas.
Para a Igreja, a história da salvação passa, no plano humano, aquele que está a nosso alcance, pela transformação espiritual do homem, e não pela aceitação das demandas de uma prática política, muitas vezes violenta. Resumindo, a Teologia da Libertação acabaria por escolher Barrabás, o herói político judeu, em lugar de Jesus, o homem-Deus que era contra toda forma de partidarismo militante violento.
O correto carisma profético cristão se perde numa plataforma política que não precisa da Teologia para realizar sua revolução, e os padres se transformariam em pregadores da revolução. O próximo passo seria uma Igreja de padres ateus.
O "reinocentrismo" (termo usado para criticar os excessos políticos da Teologia da Libertação) é precisamente este passo em falso: em nome da justiça social, o clero latino-americano estaria disposto a negociar o caráter confessional da Igreja. A práxis política a levaria a negociar tudo pelo reino de Deus justo no mundo, mesmo que sem Deus.
Outro pecado da Teologia latino-americana de esquerda, diretamente ligado ao anterior, é sua tendência a atenuar a identidade católica em favor de um "respeito" maior por outras identidades, como as "espiritualidades" indígena ou africana. A causa evidente desse "relativismo do diálogo" é a identificação de grupos, como índios ou negros, como vítimas históricas da catequese católica colonial, em associação com os interesses das coroas portuguesa e brasVieira. Esses grupos são, portanto, objeto de atenção prioritária por parte daqueles que escolhem os desfavorecidos como o novo "povo de Deus". O "reinocentrismo" político convive bem com esse relativismo e, por isso, se associa ao viés político dominante em sua história.
Talvez o efeito mais nefasto da Teologia da Libertação aos olhos da Igreja seja o esvaziamento "moderno" (porque em sintonia com os estudos históricos do protestantismo liberal alemão do século XIX) que ela correria o risco de fazer da divindade de Cristo, tornando-o apenas mais um "libertador", aos moldes de um Che Guevara, palatável a gregos e troianos e, portanto, mais à mão em meio à diversidade cultural do continente. Ainda que nunca tenha sido um postulado da Teologia da Libertação, essa proposta de desdivinização de Cristo, a acentuação de sua "humanidade", a fim de torná-lo menos "autoritário", poderia estar no horizonte dos desdobramentos indesejáveis desta revolução de Jesus.
Por último, mas não menos importante, vale a pena citar a tendência da Teologia latino-americana de esquerda a se aproximar de espiritualidades "nova era", somando ao Deus bíblico atributos de um culto da natureza e sua "deusa", tornando o cristianismo mais ecologicamente correto e, ao mesmo tempo, mais próximo de modos pagãos de crença. Um exemplo desse viés é a"feminilização de Deus" (reduzindo seu caráter "patriarcal"), fazendo Dele um trunfo na mão das feministas católicas. Um risco concreto e temido pelo magistério da Igreja é que movimentos feministas como "católicas pelo direito de decidir" acabem por se aproximar da defesa do aborto na América Latina.
Se a Teologia da Libertação está acuada em sua natureza de flerte com a política de esquerda e seus "amores pela modernidade", ao mesmo tempo ela carrega em si a marca de uma justa opção bíblica por um cristianismo ético, social e político. Esse clamor continua operando na escolha de muitos jovens por uma vida religiosa na América Latina e na África, porque, nesses países, a agonia social é evidente. Se ela está "proibida", permanece viva como visão correta do papel do cristianismo e continua encantando inúmeras vocações. Ao contrário da Igreja dos países ricos, no Terceiro Mundo a Igreja ainda detém certa imagem de não ser apenas um reduto de políticos, escândalos financeiros e abusos sexuais. A Teologia da Libertação, mesmo combalida, convive bem com a imagem de uma Igreja moderna, aberta às demandas de um mundo em agonia e em transformação crescente.
É difícil dizer que a Teologia da Libertação tenha acabado definitivamente, porque ela está impregnada de uma das faces mais essenciais do cristianismo: a ideia de um Deus ético, crítico dos abusos do poder e sensível à infelicidade dos aflitos do mundo.
A Teologia da Libertação Palestina
Christopher J. Katulka
Naim Ateek acredita que não se pode tomar a Bíblia literalmente. Ele
tem um problema especial com a Torá (o Pentateuco), que considera um “texto
sionista”, e com os livros de Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, e 1 e 2 Reis -- os
quais confirmam que Deus deu a terra de Israel ao povo judeu. Ele fala de paz e
de não-violência, mas não pede desculpas pelo terrorismo palestino.
De fato, muito da sua retórica com relação a Israel é indistinguível
daquela de um palestino muçulmano. Mas Naim Ateek não é muçulmano. Na verdade,
ele é um cristão palestino altamente respeitado, educado nos EUA, e ordenado
sacerdote episcopal. Com a idade de 75 anos, ele é presidente e diretor do
Centro Ecumênico de Teologia da Libertação em Jerusalém, também denominado
Sabeel Center (em árabe, “o caminho”), o qual ele ajudou a fundar nos anos
1990.
Naim Ateek, líder cristão palestino que defende uma Teologia da Libertação Palestina |
Crendo que seu povo não pode aceitar a “perigosa teologia” dos
cristãos sionistas,[1] o Dr. Ateek ajudou a desenvolver a Teologia da Libertação
Palestina (TLP), a qual ele e o Sabeel Center dizem proporcionar uma maneira
relevante de interpretar as Escrituras para os crentes árabes, que precisam de
uma dose saudável de encorajamento por morarem em Israel. Hoje, a TLP é a
principal doutrina dos cristãos palestinos, enraizando-os e fundamentando-os em
uma forma de Teologia da Substituição altamente politizada.
Ativismo Político
A Teologia da Libertação em si não tem nada de novo. Nos anos 1960
ela veio à tona na América Latina, promovida pela Igreja Católica Romana para
incentivar os assolados pela pobreza a reagirem contra o plano de
desenvolvimento econômico do presidente John F. Kennedy para a América Latina, o
qual, conforme acreditava a igreja, iria causar maior injustiça.[2]
Os proponentes da Teologia da Libertação incentivavam o ativismo
político contra aqueles que buscavam preservar o sistema de classes. Os líderes
do movimento na América Latina manipulavam a mensagem do Evangelho para
significar libertação da injustiça política, social e econômica. Como resultado,
a teologia se espalhou por todas as denominações cristãs tradicionais e tem sido
tipicamente rotulada de uma forma cristã de marxismo.[3]
A Teologia da Libertação inspirou a formação de movimentos sociais e
políticos. Nos últimos 20 anos, ela tem emergido como a principal teologia dos
cristãos palestinos em Israel porque enfoca a libertação dos desamparados e dos
oprimidos.[4]
A questão mais importante contra a qual os cristãos palestinos lutam
é a interpretação literal da Bíblia. Antes da criação do Estado de Israel, em
1948, a maioria considerava o Antigo Testamento crucial para as Escrituras. Ele
permanecia como uma testemunha e um guia da vinda de Jesus Cristo. Contudo,
depois de 1948, os cristãos árabes abandonaram a leitura e pregação do Antigo
Testamento porque ele é “sionista” demais para o gosto deles. Em vez de
reconhecerem a fidelidade de Deus ao verem as promessas da Aliança Abraâmica
serem cumpridas diante dos seus olhos, muitos acharam o Antigo Testamento
repugnante e ofensivo.
O Dr. Ateek e o Sabeel Center têm usado a dispensa do Antigo
Testamento como uma oportunidade de propagar a TLP, que deseja “dessionistizar”
a Bíblia a fim de promover um programa anti-Israel.[5] De fato, a definição que
o Sabeel dá à TLP se refere a Jesus como tendo vivido “sob a ocupação” e tenta
juntar pessoas para “se posicionarem em solidariedade com o povo
palestino”:
A Teologia da Libertação Palestina é um movimento ecumênico de
pessoas comuns da sociedade, enraizado na interpretação bíblica cristã e nutrida
pelas esperanças, sonhos e lutas do povo palestino. (...) Em uma situação em que
a justiça tem sido há muito tempo negligenciada, a Teologia da Libertação
Palestina abre novos horizontes de entendimento para a busca de uma paz justa e
para a reconciliação proclamada no Evangelho de Jesus Cristo. Ao aprender de
Jesus -- sua vida sob a ocupação e sua resposta à injustiça -- esta teologia
espera conectar o verdadeiro significado da fé cristã com a vida diária de todos
aqueles que sofrem debaixo de ocupação, violência, discriminação e violação dos
direitos humanos. Além disso, este esforço teológico que está desabrochando
promove uma conscientização internacional mais acurada sobre a atual situação
política e encoraja os cristãos de todo o mundo a trabalharem pela justiça e a
permanecerem firmes em solidariedade com o povo palestino.[6]
Acabe e Nabote
O fundamento bíblico usado para a TLP é o relato sobre o rei Acabe e
Nabote, que está em 1 Reis 21. Geralmente, a Teologia da Libertação usa o êxodo
dos israelitas do Egito para estabelecer sua mensagem de liberdade da opressão
política. Mas, para os palestinos, o Êxodo é demasiadamente pró-Israel.
Portanto, o Dr. Ateek ensina como Acabe, rei de Israel, e sua malvada esposa,
Jezabel, assassinaram Nabote por causa da terra que este possuía e como o Senhor
enviou-lhes o profeta Elias para pronunciar o julgamento sobre eles. A morte
deles finalmente proporcionou a justiça divina que Nabote merecia.
A interpretação que o Dr. Ateek faz de 1 Reis 21 retrata o rei Acabe
como sendo o moderno Estado de Israel, roubando a terra dos palestinos, que são
protagonizados como o determinado Nabote. Ele prega que está chegando o dia em
que Deus julgará Israel pelo que Ateek diz ser o abuso contra os árabes, e a
justiça divina prevalecerá para aqueles que sofreram nas mãos dos israelenses
sionistas.
Para o Dr. Ateek, Nabote é a história de todos os cristãos
palestinos. Ele disse: “A morte e o despojamento de Nabote e sua família de suas
terras têm sido realizados novamente milhares de vezes desde a criação do Estado
de Israel”.[7] Ateek tinha onze anos quando sua família perdeu sua casa em
Beth-Shean na Guerra da Independência em 1948. Hoje, ele diz que os cristãos já
não precisam mais reconhecer as profecias do Antigo Testamento relativas ao
retorno do povo judeu à terra porque, na sua visão, elas revelam um entendimento
sobre Deus que contradiz a mensagem de Jesus no Novo Testamento.[8] Ele afirma,
usando uma nova e relevante interpretação das Escrituras, que: “a Bíblia pode
ser reivindicada pelos cristãos palestinos”.[9]
Um Muro de Separação
À medida que a TLP avançava para se tornar a principal teologia dos
cristãos palestinos, ela construiu um muro de separação entre os crentes -- algo
que Jesus morreu para remover (Ef 2). Com isso, é crescente a tensão entre as
igrejas israelenses e palestinas.
Meno Kalisher, pastor da Assembléia de Jerusalém, disse em recente
entrevista: “Sempre que nosso grupo de jovens promove atividades de comunhão com
outras igrejas que incluem os cristãos palestinos, eles imediatamente ouvem como
Israel é o problema e o opressor do povo palestino. Como resultado disto, nossos
jovens perderam o desejo de terem comunhão com os cristãos palestinos, o que é
tremendamente triste”.
Infelizmente, embora o Dr. Ateek e o Sabeel Center afirmem se basear
em princípios cristãos, a retórica deles não é nada diferente daquela dos
palestinos muçulmanos, que incitam a violência contra Israel. Na verdade, em sua
busca pela paz, Ateek não pede desculpas pelo terrorismo palestino, tampouco
responsabiliza os palestinos muçulmanos pelos maus tratos aos cristãos
palestinos.[10] Ironicamente, os árabes muçulmanos consideram os árabes cristãos
fracos e medíocres.
Embora o Dr. Ateek e o Sabeel Center afirmem que a TLP oferece aos
cristãos palestinos uma maneira nova de ler as Escrituras, a verdade é que não
há nada de novo sobre ela; TLP é Teologia da Substituição. Shelley
Neese, vice-presidente de The Jerusalem Connection Report,
escreveu:
A Teologia da Substituição ensina que a Igreja substituiu os judeus
como beneficiária das alianças de Deus. A TLP vai um passo adiante, dizendo que,
para começar, os judeus jamais ocuparam um lugar de favor especial. Em alguns
casos, ela apaga Israel completamente da Bíblia. Muitas igrejas palestinas que
ensinam a TLP mudaram os Salmos, removendo todas as referências a “Israel” ou a
“Sião”.[11]
A TLP desdenha ostensivamente as promessas eternas de Deus ao povo
judeu ao manipular as Escrituras para se encaixarem em suas necessidades. Neese
afirmou:
[A TLP] é um instrumento perigoso de propaganda política, astutamente
empregado pelo Sabeel para minar o direito que Israel tem à terra. Enquanto
isso, essa teologia anti-semita, dirigida politicamente, e vazia do Evangelho,
se esconde atrás de uma fachada de paz, justiça e amor.[12]
No final, diz Meno Kalisher, quem sairá perdendo serão os próprios
cristãos palestinos. “Devido à sua teologia, eles consideram Israel um inimigo e
perdem as bênçãos que Deus poderia lhes proporcionar”. (Israel My Glory — www.foi.org — www.Beth-Shalom.com.br)
Christopher J. Katulka é representante de The Friends of Israel em
Dallas, Texas (EUA).
Notas:
1. Naim Stifan
Ateek, Justice and Only Justice: A Palestinian Theology of Liberation [Justiça e
Somente Justiça: Uma Teologia da Libertação Palestina] (Maryknoll, NY: Orbis,
1989), 64-65.
2. Ian Linden,
Liberation Theology: Coming of Age? [Teologia da Libertação: Atingindo a
Maioridade?] (London: Catholic Institute for
International Relations, 1997), 3.
3. Phillip Berryman, Liberation
Theology [Teologia da Libertação] (Philadelphia, PA: Temple University Press,
1987), 138-39.
4. Shelley Neese,
“Palestinian Liberation Theology” [A Teologia da Libertação Palestina], The
Jerusalem Connection, www.thejerusalemconnection.us/ news-archive/2007/03/27/ palestinian- liberationtheology.html? pfstyle=wp.
5.
Ibid.
6.“Palestinian
Liberation Theology” [A Teologia da Libertação Palestina] Sabeel Center, www.sabeel.org/ourstory.php.
7. Ateek, 87.
8. Ibid., 82.
9. Ibid., 86.
10. Neese.
11. Ibid.
12.
Ibid.
Publicado na revista Notícias de Israel — www.Beth-Shalom.com.br
CEBs Porto Velho
Encontro das Comunidades Eclesiais reúne 900 pessoas em Porto Velho
Evento é prévia para o 13º encontro nacional das comunidades de base. Arquidiocese de Porto Velho possui cerca de 800 capelas.
Cerca de 900 pessoas participaram, neste fim de semana, na Paróquia São Cristóvão, do Encontro das Comunidades Eclesiais, em Porto Velho . O evento é preparatório para o 13º encontro nacional das comunidades de base, que será realizado em janeiro de 2014, na cidade de Juazeiro do Norte (CE).
A arquidiocese da capital reúne cerca de 800 capelas, chamadas comunidades eclesiais de base, além de mais de 11 municípios. A arquidiocese de Porto Velho vai eleger 40 representantes entre padres, seminaristas e leigos para o 13º Intereclasial.
"Nós tivemos um momento bonito a partir do evengélio das bem aventuranças, Jesus Cristo ilumina a realidade das comunidades", disse o arcebispo de Porto Velho, dom Esmeraldo Barreto de Farias.
A geopolítica do segredo
Passadas as primeiras horas do impacto da eleição do Cardeal
Bergoglio de Buenos Aires, das emoções primeiras de termos um papa
latino-americano, com expressão amável e cordial a vida presente nos convida a
refletir.
Apesar de seu valor, os meios de comunicação têm também o
poder de amortizar as mentes e de impedir que perguntas críticas aflorem ao
pensamento das pessoas. Nesses dois últimos dias que precederam a eleição
papal, muitas pessoas no Brasil e no mundo foram tomadas pelas transmissões em
direto de Roma. Sem dúvida um acontecimento histórico desses não se repete
todos os meses!
Mas, que interesses tiveram as grandes empresas de
telecomunicações em transmitir os inúmeros detalhes da escolha do novo Papa? A
quem servem os milhões de dólares gastos nas transmissões ininterruptas até a
chegada da fumaça branca? Do lado de quem se situam esses interesses? Que
interesses tem o Vaticano em abrir as possibilidades para essas transmissões?
Essas perguntas talvez inúteis para muitos, continuam a ser significativas para
alguns grupos preocupados com o crescimento da consciência humanista de
muitos/as de nós.
São em grande parte as empresas de telecomunicações as
responsáveis pela manutenção do segredo nas políticas eleitorais do Vaticano. O
segredo, os juramentos e as penalidades por não respeitá-los são parte
integrante do negócio. Criam impactos e fazem notícia. Não se trata de uma
tradição secular sem conseqüências para a vida do mundo, mas de comportamentos
que acabam viciando a busca de diálogo entre os grupos ou excluindo grupos de
um necessário diálogo.
Nenhuma crítica a esse sistema perverso que continua usando
o Espírito Santo para a manutenção de posturas ultraconservadoras revestidas de
ares de religiosidade e bondosa submissão é feito. Nenhum espaço para que vozes
dissonantes possam se manifestar mesmo com o risco de serem apedrejadas é
aberto na oficialidade das transmissões. Uma ou outra vez se percebe uma
pequena ponta crítica se esboçando, mas logo é abafada pelo “status quo”
imposto pela ideologia dominante.
Do novo papa Francisco se contou que usava transportes
públicos, estava próximo dos pobres, fazia sua comida e que a escolha desse
nome o assemelhavam ao grande santo de Assis. Foi imediatamente apresentado
como uma figura simples, cordial e simpática. Na imprensa católica nada se
falou das suspeitas de muitos em relação a sua postura nos tempos da ditadura
militar, de suas atuais posturas políticas, de suas posições contrárias ao
matrimonio igualitário, ou mesmo contra o aborto legal. Nada se falou de suas
conhecidas críticas em relação à teologia da libertação e de seu desinteresse
pela teologia feminista. A figura bondosa e sem ostentação eleita pelos
cardeais assistidos pelo Espírito Santo encobriu o homem real com suas inúmeras
contradições. Hoje os jornais (Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo)
delinearam perfis diferentes do novo papa e temos uma percepção mais realista
de sua biografia. Além disso, foi possível intuir que sua eleição é sem dúvida
parte de uma geopolítica de interesses divididos e de equilíbrio de forças no
mundo católico.
Um artigo de Julio C. Gambina da Argenpress publicado via
internet ontem (13 de março de 2013) assim como outras informações enviadas por
grupos alternativos da Nicarágua, Venezuela, Brasil e, sobretudo da Argentina
confirmaram minhas suspeitas. A cátedra de Pedro e o Estado do Vaticano devem
mover suas pedras no xadrez mundial para favorecer as forças dos projetos
políticos do norte e dos seus aliados do sul. O sul foi de certa maneira
co-optado pelo norte. Um chefe político da Igreja, vindo do sul vai equilibrar as pedras do xadrez
mundial, bastante movimentadas nos últimos anos pelos governos populares da
América latina e pelas lutas de muitos movimentos entre eles os movimentos
feministas do continente com reivindicações que atormentam o Vaticano. Se, é no
sul que alguma coisa nova está acontecendo politicamente nada melhor do que um
papa do sul, um latino-americano para enfrentar esse novo momento político e
conservar as tradições da família e da propriedade intactas. Sem dúvida uma
afirmação desse tipo quebra o encanto do momento da eleição e a emoção de ver a
multidão na Praça de São Pedro irrompendo em aplausos e gritos de alegria
diante da figura do papa Francisco. Muitos dirão que essas críticas tiram a
beleza de um acontecimento tão emocionante quanto a eleição de um papa. Talvez,
mas creio que são críticas necessárias.
A tão badalada preservação da evangelização como prioridade
da Igreja parece ser a preservação de uma ordem hierárquica do mundo onde as
elites governam e os povos aplaudem nas grandes praças públicas, se emocionam,
rezam e cantam para que as bênçãos divinas caiam sobre as cabeças dos novos
governantes político-religiosos. O mesmo catecismo com poucas variações
continua a ser reproduzido. Não há reflexão, não se despertam as consciências,
não se convida ao pensamento, mas a conservação de uma doutrina quase mágica.
Por um lado é a sociedade do espetáculo que nos invade para que entremos na
disciplina da ordem/desordem contemporânea com certa dose de romantismo e por
outro a sociedade assistencialista identificada à evangelização. Sair às ruas
para dar de comer aos pobres e rezar com os prisioneiros embora tenha algo de
humanitário não resolve o problema da exclusão social presente nos muitos
países do mundo.
Escrever sobre a “geopolítica do segredo” em tempos de
euforia mediática é como estragar a festa dos vendilhões do Templo felizes com
suas barracas cheias de terços, escapulários, vidros de água benta e imagens
grandes e pequenas de muitos santos. O problema é que se abrimos o segredo
desmancha-se o charme da fumaça branca, se quebra o suspense de um conclave
secreto que fecha ao povo católico o acesso às informações às quais temos
direito, se desnudam os corpos purpurados com suas histórias tortuosas.
Quebrar o segredo é quebrar a falsidade do sistema
político-religioso que governa a Igreja Católica Romana. É tirar as máscaras
que nos sustentam para afinal abrir nossos corações para a real
interdependência e responsabilidade entre todos nós. Os jogos de poder são
cheios de astúcias, ilusões e até de boa fé. Somos capazes de nos impressionar
com um gesto público de carinho ou de simpatia sem nos perguntarmos sobre o que
de fato constituiu a história dessa pessoa. Nem nos perguntamos sobre as ações
de seu passado, de seu presente e suas perspectivas de futuro. É apenas o
momento da aparição da figura simpática vestida de branco que nos impressiona.
Somos capazes de nos emocionarmos frente a um carinhoso “bona cerra” papal (boa
noite) e irmos para cama como crianças bem comportadas abençoadas pelo bondoso
papai. Já não somos mais órfãos visto que a orfandade paterna numa sociedade
patriarcal é insuportável mesmo por poucos dias.
Nós somos cúmplices da manutenção desses poderes tenebrosos
que nos encantam e nos oprimem ao mesmo tempo. Nós, sobretudo os que têm mais
lucidez nos processos políticos e religiosos, somos responsáveis pela ilusão
que esses poderes criam na vida de milhares de pessoas, sobretudo veiculadas
pelos meios de comunicação religiosos. Somos capazes de nos enternecer de tal
forma que nos esquecemos dos jogos do poder, das manipulações invisíveis, da
arte teatral cultivada e tão importante nessas ocasiões.
Não podemos fazer previsões sobre os rumos do futuro da
governança da Igreja Católica Romana. Mas à primeira vista não parece que
podemos esperar grandes mudanças nas estruturas e políticas atuais. As mudanças
significativas virão se as comunidades cristãs católicas assumirem de fato a
direção do presente do cristianismo, ou seja, se elas forem capazes de dizer a
partir das necessidades de suas vidas como o Evangelho de Jesus poderá ser
traduzido e vivido em nossas vidas hoje.
A geopolítica do segredo tem interesses altíssimos a
defender. É parte de um projeto mundial de poder aonde as forças da ordem se
vêm ameaçadas pelas revoluções sociais e culturais em curso em nosso mundo.
Manter o segredo é justificar que há forças superiores às forças históricas da
vida e que estas são mais decisivas que os rumos que podemos dar à nossa luta
coletiva por dignidade, pão, justiça e misericórdia em meio aos muitos reveses
e tristezas que nos acometem em meio do caminho.
Termino essa breve reflexão na esperança de que possamos não
apagar a luz da liberdade que vive em nós e seguirmos bebendo das fontes de
nossos sonhos de dignidade com lucidez sem nos impressionarmos com as surpresas
que podem parecer grandes novidades. Afinal é apenas mais um papa que inscreve
seu nome nessa instituição que apesar de sua história de altos e baixos
mereceria ser transformada e repensada para os dias de hoje.
Mudanças podem sempre acontecer e é preciso estar abertos
aos pequenos sinais de esperança que irrompem por todos os lados mesmo das
instituições as mais anacrônicas de nosso mundo.
14 de Março de 2013.
Ivone Gebara - Adital
A eleição de um novo papa e o Espírito Santo
Depois da louvável atitude do ancião Bento XVI
renunciando ao governo da Igreja Católica Romana sucederam-se entrevistas com
alguns bispos e sacerdotes nas rádios e televisões de todo o país. Sem dúvida,
um acontecimento de tal importância para a Igreja Católica Romana é notícia e
leva a previsões, elucubrações de variados tipos, sobretudo de suspeitas,
intrigas e conflitos dentro dos muros do Vaticano que teriam apressado a
decisão do papa.
No contexto das primeiras notícias, o que chamou a
minha atenção foi algo à primeira vista pequeno e insignificante para os
analistas que tratam dos assuntos do Vaticano. Trata-se da forma como alguns
padres entrevistados ou padres liderando uma programação televisiva, quando
perguntados sobre quem seria o novo papa saíssem pela tangente. Apelavam para a
inspiração ou vontade do Espírito Santo como aquele do qual dependia a escolha
do novo pontífice romano.
Nada de pensar em pessoas concretas para responder
a situações mundiais desafiantes, nada de suscitar uma reflexão na comunidade,
nada de falar dos problemas atuais da Igreja que a tem levado a um
significativo marasmo, nada de ouvir os clamores da comunidade católica por uma
democratização significativa das estruturas anacrônicas de sustentação da
Igreja institucional. A formação teológica desses padres comunicadores não lhes
permite sair de um discurso padrão trivial e abstrato bem conhecido, um discurso
que continua fazendo apelo a forças ocultas e de certa forma confirmando seu
próprio poder. A contínua referência ao Espírito Santo a partir de um
misterioso modelo hierárquico é uma forma de camuflar os reais problemas da
Igreja e uma forma de retórica religiosa para não desvendar os conflitos
internos que a instituição tem vivido. A teologia do Espírito Santo continua
para eles mágica e expressando explicações que já não conseguem mais falar aos
corações e às consciências de muitas pessoas que têm apreço pelo legado do
Movimento de Jesus de Nazaré. É uma teologia que continua igualmente a provocar
a passividade do povo crente frente às muitas dominações inclusive as
religiosas. Continuam repetindo fórmulas como se estas satisfizessem a maioria
das pessoas.
Entristece-me o fato de verificar mais uma vez que
os religiosos e alguns leigos atuando nos meios de comunicação não percebam que
estamos num mundo em que os discursos precisam ser mais assertivos e marcados
por referências filosóficas para além da tradicional escolástica. Um
referencial humanista os tornaria bem mais compreensivos para o comum das
pessoas incluindo-se aqui os não católicos e os não religiosos. A
responsabilidade da mídia religiosa é enorme e inclui a importância de mostrar
o quanto a história da Igreja depende das relações e interferências de todas as
histórias dos países e das pessoas individuais. Já é tempo de sairmos dessa
linguagem metafísica abstrata como se um Deus iria se ocupar especialmente de
eleger o novo papa prescindindo dos conflitos, desafios, iniqüidades e
qualidades humanas. Já é tempo de enfrentarmos um cristianismo que admita o
conflito das vontades humanas e que no final de um processo eletivo, nem sempre
a escolha feita pode ser considerada a melhor para o conjunto.
Enfrentar a história da Igreja como uma história
construída por todos e todas nós é testemunhar respeito por nós mesmas/os e
mostrar a responsabilidade que todas e todos que nos consideramos membros da
comunidade católica romana temos. A eleição de um novo papa é algo que tem a
ver com o conjunto das comunidades católicas espalhadas pelo mundo e não apenas
com uma elite idosa minoritária e masculina. Por isso, é preciso ir mais além
de um discurso justificativo do poder papal e enfrentar-se aos problemas e
desafios reais que estamos vivendo. Sem dúvida, para isso as dificuldades são
muitas e enfrentá-las exige novas convicções e o desejo real de promover
mudanças que favoreçam a convivência humana.
Preocupa-me mais uma vez que não se discuta de
forma mais aberta o fato de o governo da Igreja institucional ser entregue a
pessoas idosas que apesar de suas qualidades e sabedoria já não conseguem mais
enfrentar com vigor e desenvoltura os desafios que estas funções representam.
Até quando a gerontocracia masculina papal será o
doublé da imagem de um Deus branco, idoso e de barbas brancas? Haveria alguma
possibilidade de sair desse esquema ou de ao menos começar uma discussão em
vista de uma organização futura diferente? Haveria alguma possibilidade de abrir
essas discussões nas comunidades cristãs populares que têm o direito à
informação e à formação cristã mais ajustada aos nossos tempos?
Sabemos o quanto a força das religiões depende de
desafios e comportamentos frutos de convicções capazes de sustentar a vida de
muitos grupos. Entretanto, as convicções religiosas não podem se reduzir a uma
visão estática das tradições e nem a uma visão deliberadamente ingênua das
relações humanas. As convicções religiosas igualmente não podem ser reduzidas a
onda de devoções as mais variadas que se propagam através dos meios de
comunicação. E mais, não podemos continuar tratando o povo como ignorante e
incapaz de perguntas inteligentes e astutas em relação à Igreja. Entretanto, os
padres comunicadores acreditam tratar com pessoas passivas e entre elas estão
muitos jovens que desenvolvem um culto romântico em torno da figura do papa.
Os religiosos mantêm essa situação muitas vezes
cômoda por ignorância ou por avidez de poder. Provar a interferência divina nas
escolhas que a Igreja Católica hierárquica, prescindindo da vontade das
comunidades cristãs espalhadas pelo mundo é um exemplo flagrante dessa
situação. É como se quisessem reafirmar erroneamente que a Igreja é em primeiro
lugar o clero e as autoridades cardinalícias às quais é dado o poder de eleger
o novo papa e que esta é a vontade de Deus. Aos milhares de fiéis cabe apenas
rezar para que o Espírito Santo escolha o melhor e esperar até que a fumaça
branca anuncie uma vez mais o "habemus papam”. De maneira
hábil sempre estão tentando fazer os fiéis escapar da história real, de sua
responsabilidade coletiva e apelar para forças superiores que dirijam a
história e a Igreja.
É pena que esses formadores de opinião pública
estejam ainda vivendo num mundo teologicamente e talvez até historicamente
pré-moderno em que o sagrado parece se separar do mundo real e pousar numa
esfera superior de poderes à qual apenas alguns poucos têm acesso quase direto.
É desolador ver como a consciência crítica em relação às suas próprias crenças
infantis não tenha sido acordada em beneficio próprio e em benefício da
comunidade cristã. Parece até que acentuamos os muitos obscurantismos
religiosos presentes em todas as épocas enquanto o Evangelho de Jesus
continuamente convoca para a responsabilidade comum de uns em relação aos
outros.
Sabendo das muitas dificuldades enfrentadas pelo
papa Bento XVI durante seu curto ministério papal, as empresas de comunicação
católica apenas ressaltam suas qualidades, sua doação à Igreja, sua
inteligência teológica, seu pensamento vigoroso como se quisessem mais uma vez
esconder os limites de sua personalidade e de sua postura política não apenas
como pontífice, mas também por muitos anos, como presidente da Congregação da
Doutrina da Fé, o antigo Santo Ofício. Não permitem que as contradições humanas
do homem Joseph Ratzinger apareçam e que sua intransigência legalista e o
tratamento punitivo que caracterizaram, em parte, sua pessoa sejam lembrados.
Falam desde sua eleição, sobretudo de um papado de transição. Sem dúvida de
transição, mas de transição para que?
Gostaria que a atitude louvável de renúncia de
Bento XVI pudesse ser vivida como um momento privilegiado para convidar as
comunidades católicas a repensar suas estruturas de governo e os privilégios
medievais que esta estrutura ainda oferece. Estes privilégios tanto do ponto de
vista econômico quanto político e sócio cultural mantêm o papado e o Vaticano
como um Estado masculino à parte. Mas um Estado masculino com representação
diplomática influente e servido por milhares de mulheres através do mundo nas
diferentes instâncias de sua organização. Esse fato nos convida igualmente a
pensar sobre o tipo de relações sociais de gênero que esse Estado continua
mantendo na história social e política da atualidade.
As estruturas pré-modernas que ainda mantém esse
poder religioso precisam ser confrontadas com os anseios democráticos de nossos
povos na busca de novas formas de organização que se coadunem melhor com os
tempos e grupos plurais de hoje. Precisam ser confrontadas com as lutas das
mulheres, das minorias e maiorias raciais, de pessoas de diferentes orientações
sexuais e escolhas, de pensadores, de cientistas e de trabalhadores das mais
distintas profissões. Precisam ser retrabalhadas na linha de um diálogo maior e
mais profícuo com outros credos religiosos e sabedorias espalhadas pelo mundo.
E para terminar, quero voltar ao Espírito Santo, a
esse vento que sopra em cada uma/um de nós, a esse sopro em nós e maior do que
nós que nos aproxima e nos faz interdependentes de todos os viventes. Um sopro
de muitas formas, cores, sabores e intensidades. Sopro de compaixão e ternura,
sopro de igualdade e diferença. Este sopro não pode mais ser usado para
justificar e manter estruturas privilegiadas de poder e tradições mais antigas
ou medievais como se fossem uma lei ou uma norma indiscutível e imutável. O
vento, o ar, o espírito sopra onde quer e ninguém deve se atrever a querer ser
ainda uma vez seu proprietário. O espírito é a força que nos aproxima uns dos
outros, é a atração que permite que nos reconheçamos como semelhantes e
diferentes, como amigas e amigos e que juntos/as busquemos caminhos de
convivência, de paz e justiça.
Esses caminhos do espírito são os que nos permitem
reagir às forças opressoras que nascem de nossa própria humanidade, os que nos
levam a denunciar as forças que impedem a circulação da seiva da vida, os que
nos levam a des-cobrir os segredos ocultos dos poderosos. Por
isso, o espírito se mostra em ações de misericórdia, em pão partilhado, em
poder partilhado, em cura das feridas, em reforma agrária, em comércio justo,
em armas transformadas em arados, enfim, em vida em abundância para todas/os.
Esse parece ser o poder do espírito em nós, poder que necessita ser acordado a
cada novo momento de nossa história e ser acordado por nós, entre nós e para
nós.
Fevereiro 2013.
Ivone Gebara - Adital
O que se diz do novo papa
1. Desde a sua primeira aparição na varanda central da basílica de São Pedro, o papa Francisco dá a impressão de um bom sacerdote: simples, comunicativo, disciplinado, discreto, sensível. Os comentaristas de primeira hora reforçaram essa impressão e contaram diversos episódios de sua vida. Por exemplo, quando preparou sua viagem a Roma para receber o chapéu cardinalício, diversas pessoas se ofereceram para acompanhá-lo e ele respondeu que era melhor dedicar o dinheiro das passagens a alguma obra de caridade. Comentou-se também que ele costuma se deslocar em Buenos Aires de ônibus ou metrô. Seus colaboradores se mostraram unânimes em reforçar a imagem de bom sacerdote, homem simples e comunicativo. Muitos comentaram que a escolha do nome Francisco, simplesmente Francisco (sem o número um), sinaliza sua sensibilidade pelo pobre, em seguimento a São Francisco de Assis, na Idade Média.
2. Mas, enquanto assistia a esses comentários, uma palavra de Dom Helder não me largava: ‘quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto por que são pobres, me chamam de comunista’. Será que o papa Francisco vai perguntar qual a causa da pobreza no mundo de hoje? Aí me lembrei da diferença entre sacerdote e profeta, tal qual aparece, por exemplo, na carta aos Hebreus. Aí se escreve que o sacerdote é caridoso, mas o profeta combate as causas da pobreza. E, segundo dita carta, nisso vai toda a diferença entre o antigo e o novo testamento, entre sacerdócio e profecia.
3. O cristianismo nasceu do profetismo hebraico. Na história de Israel, tal qual é relatada na bíblia, operam duas instâncias, os sacerdotes e os profetas. Os primeiros ajudam os reis, administradores e autoridades e geral a manter a lei e a boa ordem. Eles colaboram para que a sociedade funcione bem. Mas os profetas criticam a própria autoridade dos reis e mostram que a chamada ordem social é na realidade uma desordem, pois está fundamentada na injustiça. É uma sociedade onde uns exploram outros. Os profetas acusam os sacerdotes de divulgar uma falsa imagem de Deus, como se ele fosse o fundamento da sociedade como tal. Os primeiros textos cristãos são proféticos e traçam uma oposição clara entre sacerdócio e profecia.
5. Minha primeira impressão do papa é que temos agora um bom sacerdote, mas não um profeta. Um papa na linha de João Paulo II, que sempre se comportou em bom sacerdote, mas não na linha de João XIII, o profeta do concílio Vaticano II. Quando esse papa, poucos meses depois de ser eleito papa, convocou um concílio, ele falou em ‘aggiornamento’, um termo que não significa simplesmente adequação entre a igreja católica e o mundo moderno, mas (de forma mais profunda) adequação entre a igreja católica e sua original inspiração profética.
6. Mas, de repente, o papa Francisco pode se revelar um profeta. Sempre acontece algo de novo, sempre há surpresas e novas possibilidades se abrem.
7. Finalmente quero assinalar que os grandes meios de comunicação aproveitaram mais uma vez da oportunidade para declarar que o papa não adere à teologia da libertação porque essa teologia seria ‘marxista’.Ora, o papa deve ser bastante inteligente para entender que diversas categorias marxistas entraram definitivamente na análise sociológica da sociedade, universalmente usada por cientistas sociais. Hoje, falar em sociedade de classes, por exemplo, não significa ser comunista. Dizer que vivemos sob a ditadura do mercado não é ser comunista. Há manifesto equívoco (ou mesmo perversão) em chamar a teologia da libertação de marxista. Na realidade, a teologia da libertação é profética. Insere-se na primordial inspiração do cristianismo, expressa por Jesus, que é o profetismo.
Eduardo Hoornaert
Padre casado, belga, com mais de 5O anos de Brasil, historiador e teólogo, mais de 20 livros publicados. Mora em Salvador. Dedica-se agora ao estudo das origens do cristianismo
quinta-feira, 14 de março de 2013
O colapso de sua teologia: razão maior da renúncia de Bento XVI?
Nutro séria suspeita de que o fracasso e colapso do edifício teológico de Bento XVI lhe tirou “o necessário vigor do corpo e do espírito” a ponto de, como confessa, “sentir incapacidade de exercer seu ministério”. Cativo de sua própria teologia, não lhe restou outra alternativa senão honestamente renunciar.
É sempre arriscado nomear um teólogo para a função de papa. Ele pode fazer de sua teologia particular a teologia universal da Igreja e impô-la a todo o mundo. Suspeito que esse foi o caso de Bento XVI, primeiramente enquanto cardeal, nomeado prefeito da Congregação da Doutrina da Fé (ex-Inquisição) e depois papa. Tal fato não goza de legitimidade e se transforma em fonte de condenações injustas. Efetivamente, condenou mais de cem teólogos e teólogas por não se enquadrarem em sua leitura teológica da Igreja e do mundo.
Razões de saúde e o sentimento de impotência face à gravidade da crise na Igreja o levaram a renunciar. Mas não só. No texto de sua renúncia dá conta da “diminuição de vigor do corpo e do espírito” e de “sua incapacidade” de enfrentar as questões que dificultavam o exercício de sua missão. Por detrás desta formulação, estimo que se oculta a razão mais profunda de sua renúncia: a percepção do colapso de sua teologia e do fracasso do modelo de Igreja que quis implementar. Uma monarquia absolutista não é tão absoluta a ponto de dobrar a inércia de envelhecidas estruturas curiais.
As teses centrais de sua teologia sempre foram problemáticas para a comunidade teológica. Três delas acabaram refutadas pelos fatos: o conceito de Igreja como “pequeno mundo reconciliado”; a Cidade dos Homens só ganha valor diante de Deus passando pela mediação da Cidade de Deus; e o famoso “subsistit” que significa: só na Igreja Católica subsiste a verdadeira Igreja de Cristo; todas as demais Igrejas não podem ser designadas igrejas. Esta compreensão estreita de uma inteligência aguda mas refém de si mesma não tinha a força intrínseca suficiente e a adesão para ser implementada. Bento XVI teria reconhecido o colapso e coerentemente renunciado? Há razões para esta hipótese.
O papa emérito teve em Santo Agostinho seu mestre e inspirarador, objeto aliás de algumas conversas pessoais com ele. De Agostinho assumiu a perspectiva de base, começando com sua exdrúxula teoria do pecado original (se transmite pelo ato sexual da geração). Isso faz com que toda a humanidade seja uma “massa condenada”. Mas dentro dela, Deus por Cristo, instaurou uma célula salvadora, representada pela Igreja. Ela é “um pequeno mundo reconciliado” que tem a representação (Vertretung) do resto da humanidade perdida. Não é necessário que tenha muitos membros. Bastam poucos, contanto que sejam puros e santos. Ratzinger incorporou esta visão. Completou-a com a seguinte reflexão: a Igreja é constituída por Cristo e os Doze Apóstolos. Por isso é apostólica. Ela é apenas este pequeno grupo. Desconsidera os discípulos, as mulheres e as massas que seguiam Jesus. Para ele não contam. São atingidas pela representação (Vertretung) que “o pequeno mundo reconciliado” assume. Esse modelo eclesiológico não dá conta do vasto mundo globalizado. Quis então fazer da Europa “o mundo reconciliado” para reconquistar a humanidade. Fracassou porque o projeto não foi assumido por ninguém e até posto a ridículo.
A segunda tese tirada também de Santo Agostinho é sua leitura da história: o confronto entre a Cidade de Deus e a Cidade dos Homens. Na Cidade de Deus está a graça e a salvação: ela é o único pedágio que dá acesso à salvação. A Cidade dos Homens é construída pelo esforço humano. Mas como já é contaminado, todo o seu humanismo e demais valores não conseguem salvar porque não passaram pela mediação da Cidade de Deus (Igreja). Por isso que ela é eivada de relativismos. Consequentemente o cardeal Ratzinger condena duramente a teologia da libertação, porque esta buscava a libertação pelos pobres mesmos, feitos sujeitos autônomos de sua história. Mas como não se articula com a Cidade de Deus e sua célula, a Igreja, é insuficiente e vã.
A terceira é uma interpretação pessoal que dá do Concílio Vaticano II quando fala da Igreja de Cristo. A primeira elaboração conciliar dizia que a Igreja Católica é a Igreja de Cristo. As discussões, visando o ecumenismo, substituíram o é pelo subsiste para dar lugar a que outras Igrejas cristãs, a seu modo, realizassem também a Igreja de Cristo. Essa interpretação, sustentada na minha tese doutoral, mereceu uma explícita condenação do cardeal Ratzinger no seu famoso documento Dominus Jesus (2000). Afirma que susbsiste vem de "subsistência", que só pode ser uma e se dá na Igreja Católica. As demais Igrejas possuem “somente” elementos eclesiais. Esse “somente” é um acréscimo arbitrário que fez ao texto oficial do Concílio. Tanto eu quanto outros notáveis teólogos mostramos que este sentido essencialista não existe no latim. O sentido é sempre concreto: “ganhar corpo”, “realizar-se objetivamente”. Esse era o “sensus Patrum” o sentido dos Padres conciliares.
Estas três teses centrais foram refutadas pelos fatos: dentro do “pequeno mundo reconciliado” há demasiados pedófilos, até entre cardeais, e ladrões de dinheiros do Banco Vaticano. A segunda, de que a Cidade dos Homens não tem densidade salvadoradiante de Deus, labora num equívoco ao restringir a ação da Cidade de Deus apenas ao campo da Igreja. Dentro da Cidade dos Homens, se encontra também a Cidade de Deus, não sob a forma de consciência religiosa mas sob a forma de ética e de valores humanitários. O Concílio Vaticano II garantiu a autonomia das realidades terrestres (outro nome para secularização), que tem valor independentemente da Igreja. Contam para Deus. A Cidade de Deus (Igreja) se realiza pela fé explícita, pela celebração e pelos sacramentos. A Cidade dos Homens pela ética e pela política.
A terceira de que somente a Igreja Católica é a única e exclusiva Igreja de Cristo e, ainda mais, que fora dela não há salvação, tese medieval ressuscitada pelo cardeal Ratzinger, foi simplesmente ignorada como ofensiva às demais Igrejas. Ao invés do “fora da Igreja não há salvação” se introduziu no discurso dos papas e dos teólogos “o universal oferecimento da salvação a todos os seres humanos e ao mundo”.
Nutro séria suspeita de que tal fracasso e colapso de seu edifício teológico lhe tirou “o necessário vigor do corpo e do espírito” a ponto de, como confessa, “sentir incapacidade de exercer seu ministério”. Cativo de sua própria teologia, não lhe restou outra alternativa senão honestamente renunciar.
* Leonardo Boff, teólogo e filósofo, é também escritor
É sempre arriscado nomear um teólogo para a função de papa. Ele pode fazer de sua teologia particular a teologia universal da Igreja e impô-la a todo o mundo. Suspeito que esse foi o caso de Bento XVI, primeiramente enquanto cardeal, nomeado prefeito da Congregação da Doutrina da Fé (ex-Inquisição) e depois papa. Tal fato não goza de legitimidade e se transforma em fonte de condenações injustas. Efetivamente, condenou mais de cem teólogos e teólogas por não se enquadrarem em sua leitura teológica da Igreja e do mundo.
Razões de saúde e o sentimento de impotência face à gravidade da crise na Igreja o levaram a renunciar. Mas não só. No texto de sua renúncia dá conta da “diminuição de vigor do corpo e do espírito” e de “sua incapacidade” de enfrentar as questões que dificultavam o exercício de sua missão. Por detrás desta formulação, estimo que se oculta a razão mais profunda de sua renúncia: a percepção do colapso de sua teologia e do fracasso do modelo de Igreja que quis implementar. Uma monarquia absolutista não é tão absoluta a ponto de dobrar a inércia de envelhecidas estruturas curiais.
As teses centrais de sua teologia sempre foram problemáticas para a comunidade teológica. Três delas acabaram refutadas pelos fatos: o conceito de Igreja como “pequeno mundo reconciliado”; a Cidade dos Homens só ganha valor diante de Deus passando pela mediação da Cidade de Deus; e o famoso “subsistit” que significa: só na Igreja Católica subsiste a verdadeira Igreja de Cristo; todas as demais Igrejas não podem ser designadas igrejas. Esta compreensão estreita de uma inteligência aguda mas refém de si mesma não tinha a força intrínseca suficiente e a adesão para ser implementada. Bento XVI teria reconhecido o colapso e coerentemente renunciado? Há razões para esta hipótese.
O papa emérito teve em Santo Agostinho seu mestre e inspirarador, objeto aliás de algumas conversas pessoais com ele. De Agostinho assumiu a perspectiva de base, começando com sua exdrúxula teoria do pecado original (se transmite pelo ato sexual da geração). Isso faz com que toda a humanidade seja uma “massa condenada”. Mas dentro dela, Deus por Cristo, instaurou uma célula salvadora, representada pela Igreja. Ela é “um pequeno mundo reconciliado” que tem a representação (Vertretung) do resto da humanidade perdida. Não é necessário que tenha muitos membros. Bastam poucos, contanto que sejam puros e santos. Ratzinger incorporou esta visão. Completou-a com a seguinte reflexão: a Igreja é constituída por Cristo e os Doze Apóstolos. Por isso é apostólica. Ela é apenas este pequeno grupo. Desconsidera os discípulos, as mulheres e as massas que seguiam Jesus. Para ele não contam. São atingidas pela representação (Vertretung) que “o pequeno mundo reconciliado” assume. Esse modelo eclesiológico não dá conta do vasto mundo globalizado. Quis então fazer da Europa “o mundo reconciliado” para reconquistar a humanidade. Fracassou porque o projeto não foi assumido por ninguém e até posto a ridículo.
A segunda tese tirada também de Santo Agostinho é sua leitura da história: o confronto entre a Cidade de Deus e a Cidade dos Homens. Na Cidade de Deus está a graça e a salvação: ela é o único pedágio que dá acesso à salvação. A Cidade dos Homens é construída pelo esforço humano. Mas como já é contaminado, todo o seu humanismo e demais valores não conseguem salvar porque não passaram pela mediação da Cidade de Deus (Igreja). Por isso que ela é eivada de relativismos. Consequentemente o cardeal Ratzinger condena duramente a teologia da libertação, porque esta buscava a libertação pelos pobres mesmos, feitos sujeitos autônomos de sua história. Mas como não se articula com a Cidade de Deus e sua célula, a Igreja, é insuficiente e vã.
A terceira é uma interpretação pessoal que dá do Concílio Vaticano II quando fala da Igreja de Cristo. A primeira elaboração conciliar dizia que a Igreja Católica é a Igreja de Cristo. As discussões, visando o ecumenismo, substituíram o é pelo subsiste para dar lugar a que outras Igrejas cristãs, a seu modo, realizassem também a Igreja de Cristo. Essa interpretação, sustentada na minha tese doutoral, mereceu uma explícita condenação do cardeal Ratzinger no seu famoso documento Dominus Jesus (2000). Afirma que susbsiste vem de "subsistência", que só pode ser uma e se dá na Igreja Católica. As demais Igrejas possuem “somente” elementos eclesiais. Esse “somente” é um acréscimo arbitrário que fez ao texto oficial do Concílio. Tanto eu quanto outros notáveis teólogos mostramos que este sentido essencialista não existe no latim. O sentido é sempre concreto: “ganhar corpo”, “realizar-se objetivamente”. Esse era o “sensus Patrum” o sentido dos Padres conciliares.
Estas três teses centrais foram refutadas pelos fatos: dentro do “pequeno mundo reconciliado” há demasiados pedófilos, até entre cardeais, e ladrões de dinheiros do Banco Vaticano. A segunda, de que a Cidade dos Homens não tem densidade salvadoradiante de Deus, labora num equívoco ao restringir a ação da Cidade de Deus apenas ao campo da Igreja. Dentro da Cidade dos Homens, se encontra também a Cidade de Deus, não sob a forma de consciência religiosa mas sob a forma de ética e de valores humanitários. O Concílio Vaticano II garantiu a autonomia das realidades terrestres (outro nome para secularização), que tem valor independentemente da Igreja. Contam para Deus. A Cidade de Deus (Igreja) se realiza pela fé explícita, pela celebração e pelos sacramentos. A Cidade dos Homens pela ética e pela política.
A terceira de que somente a Igreja Católica é a única e exclusiva Igreja de Cristo e, ainda mais, que fora dela não há salvação, tese medieval ressuscitada pelo cardeal Ratzinger, foi simplesmente ignorada como ofensiva às demais Igrejas. Ao invés do “fora da Igreja não há salvação” se introduziu no discurso dos papas e dos teólogos “o universal oferecimento da salvação a todos os seres humanos e ao mundo”.
Nutro séria suspeita de que tal fracasso e colapso de seu edifício teológico lhe tirou “o necessário vigor do corpo e do espírito” a ponto de, como confessa, “sentir incapacidade de exercer seu ministério”. Cativo de sua própria teologia, não lhe restou outra alternativa senão honestamente renunciar.
* Leonardo Boff, teólogo e filósofo, é também escritor
Papa da América do Sul, não obrigado
O jornalista argentino Martín Granovsky, do Página/12, escreveu este texto antes de o Vaticano anunciar que o novo Papa é o cardeal Jorge Mario Bergoglio. Em tons proféticos, ele adverte sobre o risco da indicação de um papa latino-americano, em função do conservadorismo dos nomes então cogitados. “Os cardeais do Brasil e da Argentina são conservadores que dedicaram parte de seus esforços a questionar os processos políticos de reforma social nos dois principais países da região”.
Como antes ocorreu com o argentino Leonardo Sandri, agora o brasileiro Odilo Scherer aparece como um dos cardeais a quem a nobreza vaticana poderia eleger Papa. Perdão, mas não se trata de futebol. Nenhum orgulho nacional está em jogo. E tampouco um orgulho sulamericano. Muito pelo contrário: a pior coisa que poderia acontecer para a América do Sul seria a eleição de um papa daqui. Mais ainda quando se leva em conta que os cardeais do Brasil e da Argentina são conservadores que, nos últimos anos, dedicaram parte de seus esforços a questionar os processos políticos de reforma social nos dois principais países da região.
No Brasil, os bispos recebem o tratamento de Dom. O gaúcho Dom Odilo Scherer nasceu em 21 de setembro de 1949, no Estado do Rio Grande do Sul. Tem 63 anos. É um dos cardeais ordenados por Bento XVI em 2007, o mesmo ano em que foi designado arcebispo de São Paulo. Sua nomeação consolidou o deslocamento dos franciscanos das direções das dioceses brasileiras. Um deles foi Aloisio Lorscheider, ungido bispo em 1962 pelo papa João XXIII e cardeal em 1976 pelo papa Paulo VI, os dois pontífices do Vaticano II que se reuniu entre 1962 e 1965 para modernizar a Igreja.
Outro franciscano foi Paulo Evaristo Arns, bispo e cardeal por decisão de Paulo VI. Aposentado e em oração, aos 91 anos, Arns está completando quatro décadas como cardeal. Obviamente não integrou o pelotão de eleitores porque já passou há muito dos 80. Dom Paulo foi dirigente da organização Tortura Nunca Mais, do Brasil. Frei Betto, um dos fundadores das Comunidades Eclesiais de Base, contou que entre os devotos de Cristo e São Francisco de Assis, esteve sempre Luiz Inácio Lula da Silva. Leonardo Boff, o teólogo condenado ao silêncio pela Congregação para a Doutrina da Fé (a antiga Inquisição), costuma se definir como “católico, apostólico e franciscano”, porque “romano” refere-se a um lugar e não tem relação alguma com o espírito do cristianismo.
Ao contrário de bispos como Dom Aloisio, Dom Paulo e o célebre Dom Helder Câmara, Dom Odilo não foi de modo algum próximo à Teologia da Libertação nem esteve com os cristãos das comunidades de base que, junto com militantes de esquerda e dirigentes sindicais, foram uma das vertentes fundadoras do Partido dos Trabalhadores, em 1980. Ao invés disso, Scherer representou o castigo com que a Santa Sé de João Paulo II e Bento XVI quis domesticar a hierarquia eclesiástica brasileira.
Em 2005, a morte de João Paulo II e a escolha do sucessor coincidiu com o ano mais crítico do primeiro governo Lula, que havia assumido no dia 10 de janeiro de 2003. Em abril de 2005, ainda não havia emergido o escândalo do chamado “mensalão”, que provocou inclusive a renúncia do chefe da Casa Civil de Lula, José Dirceu. Mas Lula estava na metade do seu primeiro mandato e a oposição preparava argumentos e candidatos para a campanha de 2006. O Partido da Socialdemocracia Brasileira, o PSDB do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), terminou indicando Geraldo Alckmin, então governador de São Paulo, cargo que hoje ocupa pela terceira vez. Alckmin é um membro destacado da Opus Dei, a instituição criada por José María Escrivá de Balaguer, um admirador do ditador espanhol Francisco Franco, que na década de 1960 incorporou membros da Opus na gestão econômica e financeira do Estado.
Em 1958, Escrivá disse a Franco: “Ainda que afastado de toda atividade política, não pude deixar de me alegrar, como sacerdote e como espanhol, de que a voz autorizada do chefe do Estado proclame que a Nação espanhola considera como questão de honra o acatamento da Lei de Deus segundo a doutrina da Santa Igreja Católica, Apostólica e Romana, a única e verdade e fé inseparável da consciência nacional que inspirará sua legislação. Na fidelidade à tradição católica de nosso povo se encontrará sempre, junto com a benção divina para as pessoas constituídas em autoridade, a melhor garantia de acerto nos atos de governo, e na segurança de uma justa e duradoura paz no seio da comunidade nacional”.
Em 2010, o indicado pelo PSDB para ser derrotado pelo PT foi José Serra, o mesmo candidato derrotado por Lula em 2002. Conseguirá Alckmin outro turno como desafiante da provável candidata à reeleição Dilma Rousseff, em 2014? O governador tem a mão suas cabalas. No Palácio dos bandeirantes, sede do governo estadual, há uma cópia da primeira edição do livro “Camino”, de Escrivá de Balaguer, com uma dedicatória estampada depois da frase “Victoria”. A vitória a que se refere o livro é a matança de republicanos por parte do bando nacional na Guerra Civil Espanhola, travada entre 1936 e 1939.
Encarregado da maior diocese católica da América do Sul, Scherer é um conservador que admira Joseph Ratzinger. Em 2007, enquanto preparava a viagem de Bento XVI ao Brasil, o país com maior número de católicos do mundo, defendeu as posições doutrinárias da hierarquia vaticana sobre a vida cotidiana desta maneira: “Entendo as dificuldades que existem em compreender a posição do Papa em um mundo controvertido, de diversidade de pensamento, de opiniões, pluralidade, mas não é competência da Igreja mudar o Evangelho”.
Scherer estava sintonizado com a posição do Papa. Na coletiva de imprensa concedida dentro do avião, durante sua viagem ao Brasil, Ratzinger justificou a excomunhão em caso de responsabilidade por aborto, com fundamento no Direito Canônico, e se mostrou preocupado com a expansão evangélica cristã no Brasil. Disse que por um lado respondia a “uma difundida sede de Deus” e, por outro, á busca de atender “a quem se apresenta e promete soluções para os problemas de sua vida cotidiana”. Sobre a Teologia da Libertação, condenada por ele desde que chefiava a Inquisição, Ratzinger disse que “com a mudança da situação política, mudou também profundamente a situação da teologia da Libertação e agora é evidente que esses milenarismos fáceis, que prometem no imediato, como consequência da revolução, as condições completas para uma vida justa, estavam equivocados”.
Em sua visita, Ratzinger condenou o aborto, apoiado então de maneira indireta pelo ministro da Saúde de Lula, José Gomes Temporão, que propôs a convocação de um plebiscito. Ainda que não tenha convocado esse plebiscito nem enviado um projeto ao Congresso, Lula comemorou a visita de Bento XVI lançando, duas semanas depois da partida do Papa do Brasil, um grande plano de entrega de contraconceptivos para os pobres.
Pressionado pelo crescimento dos evangélicos, Scherer oscilou desde 2003 entre criticar os governos do PT por uma suposta desatenção em relação aos problemas sociais e, ao mesmo tempo, não cair no questionamento selvagem porque a maioria dos fieis, em especial dos setores mais vulneráveis, vota no PT.
Até agora a História revela que os papas não trazem surpresas. Como pontífices não terminam sendo diferentes do que pensavam e atuavam enquanto eram bispos ou cardeais. Assim ocorreu com o progressista João XXIII, com o centrista Paulo VI, com o conservador João Paulo II sob quem floresceram os negócios do Banco Ambrosiano e com o ortodoxo Benedito XVI, braço direito de Karol Wojytila para questões doutrinárias.
Se esta comprovação histórica se mantiver, e para além de como seja ordenado o novo papa, é possível imaginar que um maior nível de ativismo na direção da América Latina se guiaria por preceitos rígidos, opostos a uma maior separação entre a Igreja e o Estado e reativos à perda de influência política da hierarquia da Igreja em bolsões importantes do poder.
Todas essas questões são independentes de como cada um exerce sua religiosidade ou seu ateísmo, e inclusive de como a exercem aqueles que têm vocação de experimentá-la coletivamente. O problema não é a religião, mas sim sua relação com o Estado.
A Argentina, por exemplo, introduziu na reforma constitucional de 1994 a possibilidade de que um presidente possa não ser católico, mas manteve o artigo segundo: “O governo federal sustenta o culto católico apostólico romano”.
Desde 2003, a ampliação de critérios para o registro de cultos na Chancelaria, tendeu a equilibrar o peso terreno da hierarquia católica argentina, e o mesmo fizeram medidas como a Lei do Matrimônio Igualitário, de 2010. Ao mesmo tempo, o debate sobre o aborto livre, seguro e gratuito, chegou à Câmara de Deputados. Mas os subsídios educativos continuam e, no dia a dia, o ministro da Saúde, Juan Manzur, tem sensivelmente menos entusiasmo pela realização e difusão de campanhas sobre contraconceptivos do que seu antecessor no cargo, Ginés González García.
Um papa latino-americano como o brasileiro Odilo Scherer ou como o argentino Leonardo Sandri, ex-auxiliar do secretário de Estado, Angelo Sodano, virtual primeiro ministro de João Paulo II, não soam como a melhor ajuda para separar a Igreja, ou as igrejas, do Estado e tampouco parecem ser sinais de estímulos para as mudanças que estão ocorrendo nos dois maiores países da América do Sul desde 2003.
Oxalá que nenhum cardeal da América latina chegue a Papa.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
Como antes ocorreu com o argentino Leonardo Sandri, agora o brasileiro Odilo Scherer aparece como um dos cardeais a quem a nobreza vaticana poderia eleger Papa. Perdão, mas não se trata de futebol. Nenhum orgulho nacional está em jogo. E tampouco um orgulho sulamericano. Muito pelo contrário: a pior coisa que poderia acontecer para a América do Sul seria a eleição de um papa daqui. Mais ainda quando se leva em conta que os cardeais do Brasil e da Argentina são conservadores que, nos últimos anos, dedicaram parte de seus esforços a questionar os processos políticos de reforma social nos dois principais países da região.
No Brasil, os bispos recebem o tratamento de Dom. O gaúcho Dom Odilo Scherer nasceu em 21 de setembro de 1949, no Estado do Rio Grande do Sul. Tem 63 anos. É um dos cardeais ordenados por Bento XVI em 2007, o mesmo ano em que foi designado arcebispo de São Paulo. Sua nomeação consolidou o deslocamento dos franciscanos das direções das dioceses brasileiras. Um deles foi Aloisio Lorscheider, ungido bispo em 1962 pelo papa João XXIII e cardeal em 1976 pelo papa Paulo VI, os dois pontífices do Vaticano II que se reuniu entre 1962 e 1965 para modernizar a Igreja.
Outro franciscano foi Paulo Evaristo Arns, bispo e cardeal por decisão de Paulo VI. Aposentado e em oração, aos 91 anos, Arns está completando quatro décadas como cardeal. Obviamente não integrou o pelotão de eleitores porque já passou há muito dos 80. Dom Paulo foi dirigente da organização Tortura Nunca Mais, do Brasil. Frei Betto, um dos fundadores das Comunidades Eclesiais de Base, contou que entre os devotos de Cristo e São Francisco de Assis, esteve sempre Luiz Inácio Lula da Silva. Leonardo Boff, o teólogo condenado ao silêncio pela Congregação para a Doutrina da Fé (a antiga Inquisição), costuma se definir como “católico, apostólico e franciscano”, porque “romano” refere-se a um lugar e não tem relação alguma com o espírito do cristianismo.
Ao contrário de bispos como Dom Aloisio, Dom Paulo e o célebre Dom Helder Câmara, Dom Odilo não foi de modo algum próximo à Teologia da Libertação nem esteve com os cristãos das comunidades de base que, junto com militantes de esquerda e dirigentes sindicais, foram uma das vertentes fundadoras do Partido dos Trabalhadores, em 1980. Ao invés disso, Scherer representou o castigo com que a Santa Sé de João Paulo II e Bento XVI quis domesticar a hierarquia eclesiástica brasileira.
Em 2005, a morte de João Paulo II e a escolha do sucessor coincidiu com o ano mais crítico do primeiro governo Lula, que havia assumido no dia 10 de janeiro de 2003. Em abril de 2005, ainda não havia emergido o escândalo do chamado “mensalão”, que provocou inclusive a renúncia do chefe da Casa Civil de Lula, José Dirceu. Mas Lula estava na metade do seu primeiro mandato e a oposição preparava argumentos e candidatos para a campanha de 2006. O Partido da Socialdemocracia Brasileira, o PSDB do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), terminou indicando Geraldo Alckmin, então governador de São Paulo, cargo que hoje ocupa pela terceira vez. Alckmin é um membro destacado da Opus Dei, a instituição criada por José María Escrivá de Balaguer, um admirador do ditador espanhol Francisco Franco, que na década de 1960 incorporou membros da Opus na gestão econômica e financeira do Estado.
Em 1958, Escrivá disse a Franco: “Ainda que afastado de toda atividade política, não pude deixar de me alegrar, como sacerdote e como espanhol, de que a voz autorizada do chefe do Estado proclame que a Nação espanhola considera como questão de honra o acatamento da Lei de Deus segundo a doutrina da Santa Igreja Católica, Apostólica e Romana, a única e verdade e fé inseparável da consciência nacional que inspirará sua legislação. Na fidelidade à tradição católica de nosso povo se encontrará sempre, junto com a benção divina para as pessoas constituídas em autoridade, a melhor garantia de acerto nos atos de governo, e na segurança de uma justa e duradoura paz no seio da comunidade nacional”.
Em 2010, o indicado pelo PSDB para ser derrotado pelo PT foi José Serra, o mesmo candidato derrotado por Lula em 2002. Conseguirá Alckmin outro turno como desafiante da provável candidata à reeleição Dilma Rousseff, em 2014? O governador tem a mão suas cabalas. No Palácio dos bandeirantes, sede do governo estadual, há uma cópia da primeira edição do livro “Camino”, de Escrivá de Balaguer, com uma dedicatória estampada depois da frase “Victoria”. A vitória a que se refere o livro é a matança de republicanos por parte do bando nacional na Guerra Civil Espanhola, travada entre 1936 e 1939.
Encarregado da maior diocese católica da América do Sul, Scherer é um conservador que admira Joseph Ratzinger. Em 2007, enquanto preparava a viagem de Bento XVI ao Brasil, o país com maior número de católicos do mundo, defendeu as posições doutrinárias da hierarquia vaticana sobre a vida cotidiana desta maneira: “Entendo as dificuldades que existem em compreender a posição do Papa em um mundo controvertido, de diversidade de pensamento, de opiniões, pluralidade, mas não é competência da Igreja mudar o Evangelho”.
Scherer estava sintonizado com a posição do Papa. Na coletiva de imprensa concedida dentro do avião, durante sua viagem ao Brasil, Ratzinger justificou a excomunhão em caso de responsabilidade por aborto, com fundamento no Direito Canônico, e se mostrou preocupado com a expansão evangélica cristã no Brasil. Disse que por um lado respondia a “uma difundida sede de Deus” e, por outro, á busca de atender “a quem se apresenta e promete soluções para os problemas de sua vida cotidiana”. Sobre a Teologia da Libertação, condenada por ele desde que chefiava a Inquisição, Ratzinger disse que “com a mudança da situação política, mudou também profundamente a situação da teologia da Libertação e agora é evidente que esses milenarismos fáceis, que prometem no imediato, como consequência da revolução, as condições completas para uma vida justa, estavam equivocados”.
Em sua visita, Ratzinger condenou o aborto, apoiado então de maneira indireta pelo ministro da Saúde de Lula, José Gomes Temporão, que propôs a convocação de um plebiscito. Ainda que não tenha convocado esse plebiscito nem enviado um projeto ao Congresso, Lula comemorou a visita de Bento XVI lançando, duas semanas depois da partida do Papa do Brasil, um grande plano de entrega de contraconceptivos para os pobres.
Pressionado pelo crescimento dos evangélicos, Scherer oscilou desde 2003 entre criticar os governos do PT por uma suposta desatenção em relação aos problemas sociais e, ao mesmo tempo, não cair no questionamento selvagem porque a maioria dos fieis, em especial dos setores mais vulneráveis, vota no PT.
Até agora a História revela que os papas não trazem surpresas. Como pontífices não terminam sendo diferentes do que pensavam e atuavam enquanto eram bispos ou cardeais. Assim ocorreu com o progressista João XXIII, com o centrista Paulo VI, com o conservador João Paulo II sob quem floresceram os negócios do Banco Ambrosiano e com o ortodoxo Benedito XVI, braço direito de Karol Wojytila para questões doutrinárias.
Se esta comprovação histórica se mantiver, e para além de como seja ordenado o novo papa, é possível imaginar que um maior nível de ativismo na direção da América Latina se guiaria por preceitos rígidos, opostos a uma maior separação entre a Igreja e o Estado e reativos à perda de influência política da hierarquia da Igreja em bolsões importantes do poder.
Todas essas questões são independentes de como cada um exerce sua religiosidade ou seu ateísmo, e inclusive de como a exercem aqueles que têm vocação de experimentá-la coletivamente. O problema não é a religião, mas sim sua relação com o Estado.
A Argentina, por exemplo, introduziu na reforma constitucional de 1994 a possibilidade de que um presidente possa não ser católico, mas manteve o artigo segundo: “O governo federal sustenta o culto católico apostólico romano”.
Desde 2003, a ampliação de critérios para o registro de cultos na Chancelaria, tendeu a equilibrar o peso terreno da hierarquia católica argentina, e o mesmo fizeram medidas como a Lei do Matrimônio Igualitário, de 2010. Ao mesmo tempo, o debate sobre o aborto livre, seguro e gratuito, chegou à Câmara de Deputados. Mas os subsídios educativos continuam e, no dia a dia, o ministro da Saúde, Juan Manzur, tem sensivelmente menos entusiasmo pela realização e difusão de campanhas sobre contraconceptivos do que seu antecessor no cargo, Ginés González García.
Um papa latino-americano como o brasileiro Odilo Scherer ou como o argentino Leonardo Sandri, ex-auxiliar do secretário de Estado, Angelo Sodano, virtual primeiro ministro de João Paulo II, não soam como a melhor ajuda para separar a Igreja, ou as igrejas, do Estado e tampouco parecem ser sinais de estímulos para as mudanças que estão ocorrendo nos dois maiores países da América do Sul desde 2003.
Oxalá que nenhum cardeal da América latina chegue a Papa.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
Cardeal argentino é escolhido papa!
Cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio é escolhido Papa e terá o nome de Francisco. Anúncio foi feito nesta quarta-feira (13) na Cidade do Vaticano. Ele não era considerado um dos favoritos. É o primeiro papa latino-americano e o primeiro jesuíta. De posições conservadores, contra o aborto e o casamento igualitário, é acusado em processos judiciais por compactuar com violações aos direitos humanos na ditadura argentina (1976-1983).
O cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio foi escolhido Papa e terá o nome de Francisco. O anúncio foi feito nesta quarta-feira (13) na Cidade do Vaticano. Arcebispo de Buenos Aires, ele não era considerado um dos favoritos. É o primeiro papa latino-americano e o primeiro jesuíta da história a assumir o posto.
Segundo reportagem publicada por Martín Granovsky na Carta Maior, Bergoglio é um homem de posições conservadoras. Na Argentina, é 'inimigo' do outro cardeal argentino presente no conclave, Leonardo Sandri.
Justo Laguna, bispo de Morón falecido em 2011, contava que depois da morte de João Paulo II, quando seu sucessor estava sendo eleito, Sandri lhe disse: “É melhor rezar para São José para que este não seja papa”. Ele se referia a Bergoglio.
Ainda conforme o relato de Granovsky, jornalista do diário argentino 'Página 12', Bergoglio vive em conflito há anos com o governo Kirchner, desde que o então presidente Néstor não o escolheu como interlocutor privilegiado para as decisões de Estado. De posições conservadoras, Bergoglio é contrário à legalização do abordo e ao matrimônio igualitário.
Outra reportagm publicada por Carta Maior, de Oscar Guisoni, informa que Bergoglio é um homem citado em vários processos judiciais por sua cumplicidade com a ditadura militar argentina (1976-1983), e que conseguiu evitar seu próprio julgamento por conta de influências e argúcias de advogados.
O cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio foi escolhido Papa e terá o nome de Francisco. O anúncio foi feito nesta quarta-feira (13) na Cidade do Vaticano. Arcebispo de Buenos Aires, ele não era considerado um dos favoritos. É o primeiro papa latino-americano e o primeiro jesuíta da história a assumir o posto.
Segundo reportagem publicada por Martín Granovsky na Carta Maior, Bergoglio é um homem de posições conservadoras. Na Argentina, é 'inimigo' do outro cardeal argentino presente no conclave, Leonardo Sandri.
Justo Laguna, bispo de Morón falecido em 2011, contava que depois da morte de João Paulo II, quando seu sucessor estava sendo eleito, Sandri lhe disse: “É melhor rezar para São José para que este não seja papa”. Ele se referia a Bergoglio.
Ainda conforme o relato de Granovsky, jornalista do diário argentino 'Página 12', Bergoglio vive em conflito há anos com o governo Kirchner, desde que o então presidente Néstor não o escolheu como interlocutor privilegiado para as decisões de Estado. De posições conservadoras, Bergoglio é contrário à legalização do abordo e ao matrimônio igualitário.
Outra reportagm publicada por Carta Maior, de Oscar Guisoni, informa que Bergoglio é um homem citado em vários processos judiciais por sua cumplicidade com a ditadura militar argentina (1976-1983), e que conseguiu evitar seu próprio julgamento por conta de influências e argúcias de advogados.
CNBB E O NOVO PAPA
Nota oficial da CNBB
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou a seguinte nota oficial sobre o novo papa:
"Bendito o que vem em nome do Senhor!" (Sl 118,26)
Tomada pela alegria e espírito de comunhão com a Igreja presente em todo o mundo, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB eleva a Deus sua prece de louvor e gratidão pela eleição do novo Sucessor de Pedro, Sua Santidade Francisco I.
O tempo e as circunstâncias que antecederam a eleição de Francisco I ajudaram a Igreja a viver intensamente a espiritualidade quaresmal, rumo à vitória de Cristo celebrada na Páscoa que se aproxima. O momento é de agradecer a bondade de Deus pela bênção de um novo Papa que vem para guiar os fieis católicos na santidade, ensiná-los no amor e servi-los na humildade.
A eleição de Francisco I revigora a Igreja na sua missão de "fazer discípulos entre todas as nações", conforme o mandato de Jesus (cf. Mt 28,16). Ao dizer "Sim" a este sublime e exigente serviço, Sua Santidade se coloca como Pedro diante de Cristo, confirmando-Lhe seu amor incondicional para, em resposta, ouvir: "Cuida das minhas ovelhas" (cf. Jo 21,17).
Nascido no Continente da Esperança, Sua Santidade traz para o Ministério Petrino a experiência evangelizadora da Igreja latino-americana e caribenha.
A expectativa com que o mundo acompanhou a escolha do Sucessor de Pedro revela o quanto a Igreja pode colaborar com as Nações na construção da paz, da justiça, da igualdade e da solidariedade.
Ao novo Papa não faltará a assistência e a força do Espírito Santo para cumprir esta missão e aprofundar na Igreja o dom do diálogo, em uma sociedade marcada pela pluralidade e pela diversidade, e o compromisso com a vida de todos, a partir dos mais pobres, como nos ensina Jesus Cristo.
Ao saudá-lo no amor de Cristo que nos une e na missão da Igreja que nos irmana, asseguramos-lhe a obediência, o respeito e as orações das comunidades da Igreja no Brasil, para que seja frutuoso o seu Ministério Petrino.
Com toda Igreja, confiamos sua vida e seu pontificado à proteção da Virgem Maria, mãe de Deus e mãe da Igreja.
Bem-vindo Francisco I! A Igreja no Brasil o abraça com amor!"
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