terça-feira, 19 de março de 2013

Francisco terá dificuldades para controlar ‘gerontomachoburocracia’ da Cúria Romana

Esse neologismo foi recolhido pelo autor deste artigo durante um Sínodo Mundial de Bispos, realizado no Vaticano, nos anos 80, para rememorar o Concílio Vaticano II (1962/1965) e suas revolucionárias decisões. Na ocasião, houve protestos de feministas contra uma administração difusa e confusa, integrada por homens idosos e que, em sua maioria, burocratizam as decisões.

A maior e a mais evidente dificuldade do papa Francisco, em seu incipiente pontificado, será a de tornar hegemônico o seu poder sobre a Cúria Romana. Em termos políticos, esse governo dentro do governo da Igreja Católica Romana constitui uma ‘gerontomachoburocracia’, ou seja, uma administração difusa e confusa, integrada por pessoas idosas, do sexo masculino e que, em sua maioria, tendem a transformar numa instância burocrática a tomada de decisões e sua execução.

Esse neologismo foi recolhido pelo autor deste artigo ao fazer a cobertura jornalística de um Sínodo Mundial de Bispos, realizado no Vaticano, nos anos 80, para rememorar o Concílio Vaticano II (1962/1965) e suas revolucionárias decisões.

De um momento para outro, naquela ocasião, o Altar da Confissão, na basílica de São Pedro, foi ocupado por feministas norte-americanas que imitavam a celebração de uma missa. Paralelamente, algumas militantes distribuíam um panfleto em que apontavam o Estado do Vaticano, e a Cúria Romana, em particular, como redutos ‘gerontomachoburocráticos’.

O próprio Sínodo, em sua composição, parecia dar razão às feministas, em alguns aspectos: entre os 400 participantes da assembleia sinodal, havia apenas quatro mulheres, entre elas a madre Teresa de Calcutá. Fomos tentar entrevistá-la na porta de saída sobre as suas impressões a respeito dos debates: “O Papa já falou tudo”, respondeu madre Teresa, a religiosa que doou a sua vida aos mais miseráveis entre os mais excluídos.

Parafraseando madre Teresa, seria o caso de perguntar: e o papa Francisco, já falou tudo?

É claro que não. Afora os belos e oportunos gestos de simplicidade e afora os seus sermões em que prega a mensagem de Jesus Cristo misericordioso, o Papa ainda não enfrentou as manobras dos lobbies que manejam a Cúria como se fosse uma propriedade particular, de cunho mafioso.

Em termos de política externa, ainda não se confrontou, por exemplo, com a questão das Ilhas Malvinas, sobre as quais o governo do seu país legitimamente reivindica soberania. O Papa será naturalmente chamado a se pronunciar de forma clara, quando acontecer o momento oportuno.

Mesmo assim, depois de décadas em que as palavras pontifícias praticamente só se escutavam exortações à disciplina, ouvem-se agora pregações em linguagem simples. Elas são acompanhadas por gestos modestos e motivadores do diálogo. Gestos que incluem um ‘bom dia’, ‘um ótimo almoço’ e a dispensa da pompa e da circunstância.

A própria nota em que negou cumplicidade com a ditadura argentina teve um toque diferente. Refere-se às denúncias com o uso do seu nome de batismo e não com o nome de pontífice. Confirma ter sido ouvido pela justiça, como testemunha, no caso da Esma (Escola Mecânica da Armada) e de seu então amigo, o almirante Emilio Massera.

Aponta, sem citar, o jornal ‘Página 12’, de Buenos Aires, como um veículo transmissor de uma campanha ‘anticlerical’. Ao fazer essa denúncia, desperta o corporativismo do clero, como despertaria se se tratasse de pastores, de rabinos ou de militares.

Mesmo assim, não faz uma defesa belicosa. Abre-se para o diálogo. É justamente nessa direção que vários teólogos da libertação, latino-americanos e europeus, propõem que o novo pontificado caminhe, como disseram em programa da tevê GloboNews os teólogos Leonardo Boff e José Eduardo de Oliveira e Silva, da diocese de Osasco/SP, e o jornalista espanhol Juan Árias.

Esse diálogo tem necessariamente como referência fundamental o Concílio Vaticano II e abrange tanto o plano interno quanto o plano externo da Igreja Romana.


Dermi Azevedo

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