Era o mês de julho do ano de 1963 e eu
não tinha ainda completado sete anos de idade. Em Araci (Bahia), minha
cidade natal, celebrava-se uma festa de arromba: o Jubileu de Ouro do
Apostolado da Oração da paróquia. Naquela época Araci era uma cidade
pequenina formada apenas por três praças e menos de uma dezena de ruas. O
município, com população quase toda rural, não passava de alguns
milhares de habitantes. A cidade não tinha pároco e o padre vinha de vez
em quando de Serrinha, a paróquia vizinha, situada a 36 quilômetros de
distância. A região estava sendo assolada por uma seca que já durava
quase três anos. Mesmo assim a festa aconteceu e o povo acorreu numeroso
para participar, apesar de todo o sofrimento.
A abertura da festa se deu com a chegada do bispo
diocesano de Feira de Santana (BA). Era a primeira vez que eu ia ver um
bispo e nem sabia naquela época o que isso significava exatamente. Como
toda criança, corri curioso, ao lado de meu pai, para a Praça da Matriz
para ver a chegada de Sua Excelência. Fiquei impressionado. Uma figura
imponente e vestida solenemente; usava luvas e sapatilhas e carregava
atrás de si uma longa cauda, que era mantida suspensa a certa altura do
chão por alguns caudatários. Entre esses caudatários estava um jovem
seminarista, filho da minha terra e meu parente.
O bispo fez um discurso inflamado, rebuscado de
frases em latim. Todos os presentes aplaudiram o "bom pregador", embora
quase ninguém tenha entendido nada, especialmente aquelas frases ditas
na "língua da missa" que só o sacristão Zequinha, seu ajudante Agenário e
a professora Dona Marieta - a mulher que tocava o harmônio da igreja -
entendiam um pouco. Depois disso, o bispo deu a bênção do Santíssimo
Sacramento, rebuscada com mais latim, o "Tantum Ergo Sacramentum". A
festa continuou por uma semana inteira: missas, pregações, confissões,
batismos, casamentos e muito foguetório. Depois o bispo voltou para a
sede da diocese, os missionários foram embora e o povo retornou para as
suas casas. A vida voltou ao normal: luta contra a seca, fome, sede e
miséria. "Seja o que Deus quiser", repetia conformado o povo dos pobres.
A abertura da festa se deu com a chegada do bispo
diocesano de Feira de Santana (BA). Era a primeira vez que eu ia ver um
bispo e nem sabia naquela época o que isso significava exatamente. Como
toda criança, corri curioso, ao lado de meu pai, para a Praça da Matriz
para ver a chegada de Sua Excelência. Fiquei impressionado. Uma figura
imponente e vestida solenemente; usava luvas e sapatilhas e carregava
atrás de si uma longa cauda, que era mantida suspensa a certa altura do
chão por alguns caudatários. Entre esses caudatários estava um jovem
seminarista, filho da minha terra e meu parente.
Quando a festa do Jubileu do Apostolado aconteceu, já
tinha sido realizada a abertura do Concílio Vaticano II. Porém, tudo
continuava sendo realizado no "velho rojão", como se dizia então. Missa
em latim, de costas para o povo e sempre pela manhã; celebração dos
sacramentos numa "língua embolada"; o povo sem entender nada. Em minha
cidade a primeira missa em português foi celebrada na tarde do dia 1º de
janeiro de 1965. O presidente da celebração, um velho frade capuchinho,
quase não conseguia pronunciar as palavras em português, de tão
acostumado que estava com as velhas fórmulas decoradas em latim.
O tempo passou, entrei para o seminário e passei a
conhecer vários bispos. Morei sete anos na Itália. Lá vi cardeais,
bispos e padres vestidos com muita solenidade. Mas nunca mais tinha
visto um bispo carregando uma cauda e vestido com tanta pompa. João
XXIII e Paulo VI tinham simplificado as coisas, expurgando da Igreja e
da liturgia os resquícios imperiais que as caracterizavam. O próprio
Paulo VI renunciou à tiara e à "sedia gestatória", uma espécie de trono
sobre o qual o papa se assentava e era carregado nos ombros de alguns
homens. O Concílio Vaticano II renovou a Igreja, simplificou tudo,
fazendo com que as comunidades cristãs retornassem à pureza do Evangelho
e ao essencial. Pediu que a Igreja renunciasse às glórias mundanas,
desse sinal de humildade e abnegação e, como seu Fundador, fosse pobre e
estivesse ao lado dos pobres (LG, 8).
A liturgia deixou de ser uma atividade exclusiva de
padres para ser ação de todo o povo de Deus, o qual, por força do
batismo, tem o direito e o dever de participar ativamente das
celebrações (SC, 14). Pude ver então um dinamismo extraordinário nas
comunidades cristãs, com o povo participando ativamente da liturgia.
Dava gosto ver uma celebração e perceber as pessoas participando de
muitos momentos. Os cantos litúrgicos eram entoados entusiasticamente
por todas as pessoas presentes à celebração. As celebrações litúrgicas
deixaram de ser ações privadas e realmente se converteram em celebrações
da Igreja (ekklesía), passando, de fato, a pertencer ao "povo santo
reunido" (SC, 26).
Mas o tempo passou, o Concílio foi sendo esquecido e
"aposentado" e muita coisa "mofa" começou a voltar. Inclusive, para
minha surpresa, as caudas dos bispos e cardeais e seus caudatários. E a
coisa tem se complicado mais ainda porque a pós-modernidade chegou e
atingiu de cheio as religiões, como nota sabiamente Bauman em seu livro O
mal- estar-estar da pós-modernidade (Rio de Janeiro: Zahar). Além
disso, a pós-modernidade, segundo David Lyon no seu livro sobre o
assunto (São Paulo: Paulus), foi se infiltrando também no cristianismo, o
qual se tornou um item de consumo, embora "delicadamente embalado".
Assim sendo, as propostas cristãs foram se transformando em mercadorias,
que podem ser compradas ou rejeitadas de acordo com os caprichos ou
gostos consumistas de cada um. As lideranças, especialmente alguns
padres, sucumbiram à sedução da tirania das imagens que passaram a serem
usadas para seduzir as pessoas, especialmente as mais vulneráveis.
Desta forma, tornaram-se profissionais do espetáculo e se utilizam disso
para vender suas mercadorias religiosas e seus "kits de salvação",
enchendo seus bolsos. As celebrações litúrgicas também foram
transformadas em espetáculo, no qual alguns fazem o show, enquanto o
povo permanece mudo e inerte.
Qual o resultado disso? Gilberto Dupas, citando
Debord, em seu livro Ética e poder na sociedade da informação (São
Paulo: Unesp, 2011) responde de maneira magistral: o espetáculo é "o
herdeiro da grande fraqueza do projeto filosófico ocidental". De fato,
"como a filosofia jamais conseguiu superar a teologia, o espetáculo é a
reconstrução material da fantasia religiosa, a realização técnica do
exílio, a cisão consumada do interior do homem. O espetáculo funciona
‘quase como uma forma de reconstrução material da ilusão religiosa. Ela
já não remete para o céu, mas abriga dentro de si sua recusa absoluta,
seu paraíso ilusório'" (p. 52).
Aplicando à Igreja e à liturgia o que disse Dupas,
podemos afirmar que o espetáculo faz da Igreja um circo. Quando certos
padres, e "presbiretes", viram palhaços, "cuspidores de fogo na Igreja",
transformam celebrações litúrgicas em shows. Buscam na verdade minutos
de glória fugaz para si, tratam a assembleia dos fiéis como uma massa de
dementes e desvirtuam o espírito do Vaticano II. Com isso causam a
alienação do fiel, o qual vira um mero expectador, levando-o a não mais
participar plena e ativamente das celebrações e nem compreender e
assumir a própria existência: a ser apenas um repetidor mecânico dos
gestos de um padre animador de programa de auditório. Com isso o padre
pop star não "remete as pessoas para o céu", mas as empurra para um
"paraíso ilusório" revestido de pura fantasia.
Quando a Igreja vira circo ela se enfraquece porque
deixa de contar com pessoas adultas na fé. Passa a ser uma Igreja
infantil formada por "crianças" que são jogadas para cá e para lá pela
artimanha de pregadores astutos (Ef 4,14). Na Igreja-circo as pessoas
passam a acreditar em qualquer coisa, a multiplicar objetos e kits de
salvação e a fetichizar tudo. A comunidade cristã não cresce e nem se
dinamiza porque é alimentada pelo obscurantismo. Na Igreja-espetáculo,
diferentemente do que se pensa, a incerteza passa a ser a regra e não há
crescimento "sob todos os aspectos em direção a Cristo, que é a Cabeça"
(Ef 4,15). Não existe mais uma fé sólida porque tudo está revestido de
fragilidade em razão da debilidade dos espetáculos religiosos e da
superposição de "mercadorias religiosas" propostas pelos animadores dos
shows religiosos. A atenção dos fiéis não se volta mais para a pessoa de
Jesus Cristo, mas para o fanático e obsessivo pregador de bobagens. A
Boa Nova é substituída por outro evangelho (Gl 1,6) e o deus pregado é o
"deus do ventre" (Fl 3,19), ou seja, a glória, o orgulho, a vaidade e o
exibicionismo desses animadores de missas shows e de programas
religiosos baratos e vazios.
José Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo. Doutor em teologia. Ex-assessor do Setor Vocações e
Ministérios/CNBB. Ex-Presidente do Inst. de Past. Vocacional. É gestor e
professor do Centro de Reflexão sobre Ética e Antropologia da Religião
(CREAR) da Universidade Católica de Brasília.
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