As
crises ecológicas destroem as condições vitais da Terra. Precisamos de
uma teologia da Terra e de uma nova espiritualidade da criação. Uma nova teologia ecológica pode nos ajudar nisso.
A opinião é do teólogo alemão Jurgen Moltmann, em artigo publicado no jornal dos bispos italianos, Avvenire.
Eis o texto.
Encontramo-nos
hoje no fim da era moderna e no início do futuro ecológico do nosso
mundo, se o nosso mundo deve sobreviver. Com isso, entende-se um novo
paradigma, em seu nascimento, que liga entre si a cultura humana e a
natureza da Terra de uma forma diferente de como ocorreu no paradigma da
era moderna.
A
era moderna foi determinada pela tomada de poder do ser humano sobre a
natureza e as suas forças. Essas conquistas e tomadas de posse da
natureza chegaram hoje ao seu limite.
Todos
os indícios indicam que o clima da Terra está se alterando
drasticamente por obra de influentes comportamentos humanos. As calotas
de gelo dos pólos da Terra estão derretendo, o nível da água aumenta,
algumas ilhas desaparecem, aumentam os períodos de seca, ampliam-se os
desertos e assim por diante.
Nós
conhecemos tudo isso, mas não fazemos nada com relação ao que sabemos. A
maior parte das pessoas fecha os olhos ou estão como que paralisadas.
Porém,
nada favorece tanto as catástrofes quanto o não fazer nada paralisante.
Precisamos compreender a natureza de um modo novo e de uma nova imagem
de ser humano e, por isso, de uma nova experiência de Deus na nossa
cultura. Uma nova teologia ecológica pode nos ajudar nisso.
Segundo
as tradições bíblicas, Deus não infundiu seu próprio espírito divino
apenas no ser humano, mas em todas as suas criaturas: "Escondes tua face
e eles se apavoram, / retiras deles a respiração, e expiram, / voltando
a ser pó. / Envias o teu sopro e eles são criados, / e assim renovas a
face da terra" (Salmo 104, 29-30). Pode-se deduzir disso: se a imagem e
semelhança divinas do ser humano depende do espírito divino que nele
habita, então todas as criaturas, nas quais habita o Espírito de Deus,
são imagens de Deus e, portanto, devem ser respeitadas.
Em
todo caso, os seres humanos fazem parte da natureza da Terra de um modo
tão estreito que se encontram na mesma situação não redimida e na
esperança comum da redenção. Os seres humanos não serão salvos "desta"
terra, mas "com" esta terra, da caducidade e da morte.
Paulo ouviu
o "gememos no íntimo, esperando […] a libertação para o nosso corpo"
(Rm 8, 23) por parte daqueles que são animados pelo Espírito de Deus.
Por isso, Ele também ouviu o "gemido e a expectativa" da criação não
humana ao seu redor (Rm 8, 22). Ele estava convencido de que é o próprio
Espírito de Deus que faz com que nós e toda a criação gemamos à espera
da redenção do destino de morte. O Espírito presente é o princípio da
nova criação, na qual não haverá mais a morte, porque ele é o Espírito
da ressurreição de Jesus e a presença difundida do Ressuscitado.
A
teologia ortodoxa expressou isso com a esperança não só na divinização
dos seres humanos, mas também na divinização do cosmos: "Toda a natureza
está destinada à glória, da qual os seres humanos terão parte no reino
do cumprimento". Os homens, na sua singularidade, no seu destino e na
sua esperança de vida, são uma parte da natureza. Portanto, eles não
estão no centro do mundo, mas, para sobreviver, devem se integrar na
natureza da Terra e na comunidade das criaturas com as quais vivem.
A
arrogância do poder sobre a natureza e a liberdade de fazer dela o que
querem não compete a eles, mas lhes compete, sim, uma "humildade
cósmica" e uma consideração atenta por tudo o que eles fazem à natureza.
Só quando estivermos conscientes da nossa dependência à vida da Terra e
da existência de outros seres vivos nos tornaremos, de "divindades
soberbas e infelizes" (Lutero), seres humanos.
O
verdadeiro saber não é o poder, mas a sabedoria. As novas ciências
astrofísicas demonstraram as interações entre os âmbitos inanimados e os
animados do nosso planeta Terra. Disso deriva a ideia de que a biosfera
da Terra forma com a atmosfera, os oceanos e as planícies um sistema
complexo, único no seu gênero, que tem a capacidade de produzir vida e
de criar espaços vitais. É a muito discutida Teoria de Gaia, de James Lovelock .
Apesar do nome poético da deusa grega da Terra, não se pretende com
isso fazer uma divinização da Terra. Mas a Terra é concebida como um
organismo vivo que produz vida e cria espaços vitais.
Se
entendemos a vida em sentido puramente biológico, então a terra não é
"viva", porque não se reproduz. No entanto, deve se dizer que ela é mais
do que viva, porque produz vida. Ela não é nem um "organismo", no
sentido em que conhecemos os organismos biológicos. Ela é mais do que um
organismo, porque produz organismos. A Terra é um sujeito de tipo
particular, incomparável e único. Não é um conglomerado aleatório de
matéria e energia, não é nem cega, nem muda. É inteligente, porque
produz inteligência.
Em
um ponto específico da sua evolução, a Terra começou a sentir, a
pensar, a tomar consciência de si mesma e a merecer respeito. Nós, seres
humanos, somos criaturas da Terra. Portanto, não estamos diante da
Terra como seus sujeitos, mas, na nossa dignidade de seres humanos,
somos parte da Terra e membros da comunidade terrena das criaturas. Nós
mesmos somos "concriaturas", juntamente com os outros seres vivos.
Esse
sentimento cósmico de comunhão é mais amplo do que todos os âmbitos da
natureza que podemos conhecer e dominar. Por isso, hoje é tempo de
colocar no centro a santidade da Terra e de nos integrarmos
conscientemente à comunidade da Terra. Comecemos a falar sobre um tema
particular da teologia cristã, tema que, na reviravolta ecológica para a
Terra e as suas condições de vida, torna-se atual hoje: a teologia
natural. Embora tradicionalmente se entendia por essa expressão um
conhecimento indireto de Deus a partir da natureza, hoje precisamos de
um conhecimento indireto da natureza a partir de Deus.
As
crises ecológicas destroem as condições vitais da Terra. Para
conservá-la apesar das forças destrutivas, precisamos de um "sim" à
Terra que supere tais forças e de um invencível amor pela Terra. Há
talvez um maior reconhecimento e um amor mais forte do que a fé na
presença de Deus na Terra e nas suas condições de vida? Precisamos de
uma teologia da Terra e de uma nova espiritualidade da criação.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
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