"Não basta um discurso teológico para o mundo, é
preciso um diálogo teológico com o mundo", afirma o editorial da revista
Perspectiva Teológica, no. 122/2012, intitulado "Teologia Pública".
Segundo o editorial, "paradigmático é, neste sentido, o caminho que fez o
Concílio Vaticano II, da Sacrosanctum Concilium e Lumen gentium, por um
lado, até a Gaudium et spes, por outro. E neste percurso surge também o
decreto Ad gentes, retomado na exortação Evangelii nuntiandi do papa
Paulo VI: a meta não é a conversão à religião cristã, mas o anúncio do
Evangelho ao mundo. Paulo não quis converter os gálatas a uma religião
(no caso, a judaica), mas anunciar-lhes o evangelho de Jesus Cristo,
outro fora do qual não há". Clarividente, o editorial conclui: "A
teologia pública é a teologia que sai do gueto, e seu paradigma é a
parresia de Jesus e dos Apóstolos".
Eis o editorial.
Ouve-se, nos anos recentes, no Brasil, a expressão "teologia pública". A alguns, tal termo parece pleonasmo: se a teologia como discurso sobre Deus não for pública, articulada no âmbito aberto deste mundo e dirigida a toda pessoa humana disposta ao diálogo, ela não corresponde ao que deveria ser. Vista assim, a teologia ou é pública, ou não é teologia. Contudo, é preciso levar em consideração o contexto histórico que deu origem a esse modo de falar: o contexto de uma teologia meramente eclesial, magisterial até, que não se dirigia às pessoas fora da Igreja e, muitas vezes, nem mesmo aos fiéis leigos, pelo menos não em termos de diálogo, pois eram meros destinatários de doutrinas, não parceiros de diálogo.
Ouve-se, nos anos recentes, no Brasil, a expressão "teologia pública". A alguns, tal termo parece pleonasmo: se a teologia como discurso sobre Deus não for pública, articulada no âmbito aberto deste mundo e dirigida a toda pessoa humana disposta ao diálogo, ela não corresponde ao que deveria ser. Vista assim, a teologia ou é pública, ou não é teologia. Contudo, é preciso levar em consideração o contexto histórico que deu origem a esse modo de falar: o contexto de uma teologia meramente eclesial, magisterial até, que não se dirigia às pessoas fora da Igreja e, muitas vezes, nem mesmo aos fiéis leigos, pelo menos não em termos de diálogo, pois eram meros destinatários de doutrinas, não parceiros de diálogo.
Voltando às origens, devemos lembrar que a primeira
teologia cristã era pública, tanto no Areópago como nos escritos de
Justino ou na Carta a Diogneto. Explicava o evento Cristo e o fato
cristão aos outros, ao mundo. Apologética no sentido original era
apresentar aos não cristãos "as razões de nossa esperança" (cf. 1Pedro
3,15), supondo-se que o outro parceiro do diálogo expressasse também a
sua convicção ou suas dúvidas, em pé de igualdade. O que nada tinha a
ver com passiva submissão ao magistério, como sugere certa interpretação
errônea da "oboedientia fidei", que na realidade significa o dar ouvido
à Palavra que é (o evangelho de) Jesus, o Cristo. O diálogo
genuinamente teológico, porém, não se limita ao anúncio de Jesus, mas
implica todos os aspectos da vida humana, refletidos em conjunto também
com o não cristão, para mostrar, precisamente, a nova iluminação a
partir de Jesus e seu evangelho.
Com o surgimento da Cristandade, quando os cristãos
assumiram o papel majoritário e dominante na sociedade, a ponto de a
sociedade se identificar com a Igreja Católica, desenvolveu-se um
processo dialético. A fé cristã (entendida como dogma, sacramentos e
mandamentos de Deus e da Igreja), deixou de ser convicção privada e
tornou-se pressuposto público. As brigas teológicas dos grandes
concílios no início da era constantiniana levavam as multidões à rua, e
as discussões teológicas medievais eram travadas em público. Porém, na
virada das eras medieval e moderna, fez-se sentir uma inversão. A
teologia confinou-se nos temas para o ensino do clero e pelo clero,
enquanto o povo foi deixado no ambiente leigo, com uma teologia reduzida
a um prato feito de dogma e moral, servido por alguma instância
hierárquica.
Hoje, a Igreja percebe que o discurso da fé deve
atingir o mundo como tal. Com a emancipação de um mundo leigo no espaço
da antiga Cristandade, sobretudo a partir da Aufklärung e da
Revolução Francesa, as coisas mudaram. Já antes do Concílio Vaticano II
vivia-se a preocupação com uma teologia do mundo, teologia da realidade
terrestre - em cuja esteira se desenvolveu, no Terceiro Mundo, a
teologia da libertação. Paradigmático é, neste sentido, o caminho que
fez o Concílio Vaticano II, da Sacrosanctum Concilium e Lumen gentium,
por um lado, até a Gaudium et spes, por outro. E neste percurso surge
também o decreto Ad gentes, retomado na exortação Evangelii nuntiandi do
papa Paulo VI: a meta não é a conversão à religião cristã, mas o
anúncio do Evangelho ao mundo. Paulo não quis converter os gálatas a uma
religião (no caso, a judaica), mas anunciar-lhes o evangelho de Jesus
Cristo, outro fora do qual não há.
A emancipação moderna em relação à Cristandade
medieval privatizou a religião católica, que até então era pública. A fé
tornou-se coisa privada, correndo, com isso, o risco de não mais falar
ao mundo - mundo não só "leigo", mas "laicizado", "secular", alheio ao
âmbito confessional cristão. O pressuposto cristão sumiu. Visto contra
esse pano de fundo histórico, o mister teológico hoje necessita,
conforme a palavra de J. B. Metz, de "Entprivatisierung", sair
do âmbito privado intraeclesial (ou meramente magisterial) para ir ao
encontro do mundo. Mas isso não é suficiente para se ter uma teologia
pública. Não basta uma palavra dirigida pelos cristãos ao mundo.
Necessita-se de um diálogo sobre Deus e sobre a dimensão transcendente
na existência humana em sociedade, participado em pé de igualdade por
todos aqueles que a buscam de coração sincero. Não basta um discurso
teológico para o mundo, é preciso um diálogo teológico com o mundo.
Essa sensibilidade, expressa por J. B. Metz, D.
Tracy, J. Moltmann e muitos outros, reveste-se de atualidade especial no
Brasil e na América Latina. Nos últimos decênios, sob o efeito de
múltiplos fatores históricos, culturais, políticos e sociais, nossas
regiões estão saindo rapidamente da configuração da Cristandade. No
momento em que compomos este texto, o estado talvez mais secularizado do
Brasil, o Rio Grande do Sul, decreta a retirada dos símbolos religiosos
dos espaços da Magistratura Jurídica. Por outro lado, a atual
Constituição da República prevê o Ensino Religioso nas escolas públicas,
mas entende - apesar das discussões em sentido contrário levantadas por
determinados ambientes - que tal ensino esteja acima da divisão
confessional e tenha característica laica. E as Faculdades de Teologia
ganham reconhecimento, não só da parte de seus competentes órgãos
confessionais, mas da parte da instituição pública que é o Estado.
Percebe-se também a urgente necessidade de um diálogo aberto que una, no
mesmo foro, a Teologia e as outras ciências, razão pela qual a
"cientificidade" da Teologia se torna um assunto constante no debate
acadêmico-científico.
Também para a teologia latino-americana, e
nomeadamente para a corrente que se expressa na teologia da libertação,
surge a pergunta se se está falando somente para os quadros cristãos e
as comunidades de fé ou para todo ser humano, de modo secular, como se
percebe naqueles setores da teologia que focalizam a questão ecológica, a
questão do gênero etc. A teologia ética social não pode confinar-se num
discurso intraeclesial, pois o que ela diz vale para a sociedade como
tal. O mesmo deverá ser reconhecido quanto a outros campos da ética e,
finalmente, quanto à teologia como tal, especialmente a teologia
fundamental.
A teologia pública torna-se uma realidade na América
Latina e, especificamente, no Brasil. Acontece nos congressos da SOTER
(Sociedade de Teologia e de Ciências da Religião) e da ANPTECRE
(Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Teologia e
Ciências de Religião), em jornadas de estudo de Faculdades de Teologia
ou de Ciências da Religião, em iniciativas como o Instituto Humanitas
(IHU) da Unisinos-São Leopoldo, em contribuições pessoais e colunas
jornalísticas de teólogos, como "O olhar do Teólogo" de nosso colega
João Batista Libanio e semelhantes. Por vários meios são assim trazidos
ao debate as grandes questões da humanidade e de nosso povo que
interessam ao fazer teológico.
Qual seria, então, o conteúdo de uma teologia
pública? Moltmann responde: Deus. A teologia é lógos theou,
reflexão-discurso sobre a autocomunicação de Deus e que leva Deus à
fala. E deste assunto primeiro derivam-se os assuntos específicos, hoje,
talvez em primeiro lugar, de ordem ética, política, ecológica, o outro
mundo possível. Ou também de ordem comportamental, o sentido da vida
etc. O específico da teologia pública não está no seu assunto, que é o
da teologia como tal - o humano-divino -, mas no seu modo e, sobretudo,
no seu fórum, o Areópago, o "Pátio dos Gentios'... Empreendimento
perigoso. Por um lado existe o perigo da inautenticidade, quando se vai
ao pátio dos gentios convencido de que se tem toda a verdade.
Pretende-se simplesmente "driblar" o gentio. Isso seria inautêntico. A
autenticidade exige que o interlocutor seja visto como parceiro e ouvido
com seriedade, isto é, como quem procura falar a verdade, mesmo se sua
fala questiona nossa proposição. No fórum da teologia pública, o teólogo
não tem razão de antemão, como quem se apresenta com uma seleção de
textos da Bíblia ou do Magistério debaixo do braço. É diálogo de
verdade, segundo a orientação do filósofo Martin Buber: a verdade do
diálogo nasce no meio entre o Eu e o Tu. Eis o desafio da teologia
pública. Por outro lado, observe-se também a conhecida lei da
comunicação: o meio determina a mensagem. O que se fala no Areópago pode
aprisionar a mensagem. Por isso, é preciso conhecer bem o Areópago, sem
perder o fogo do Espírito.
Ora, mesmo sendo o assunto da teologia pública o de
toda teologia, há certos assuntos que lhe são mais conaturais: os que
envolvem o bem público, que diz respeito tanto aos que creem em Cristo
quanto aos que não se chamam com o nome cristão. E precisamente nestes
assuntos o diálogo sincero e sem presunção é fundamental. Situam-se aqui
a teologia política, que diz respeito à pólis de todos; a teologia
voltada para a ecologia, o gênero, o bem-estar e a justiça social, o
diálogo inter-religioso e, sobretudo, na sociedade que não está mais
sendo orientada nem pela Igreja nem pelo Estado, a busca de uma ética
acima das nações e confissões, uma ética mundial.
Resta ver, agora, como será interpretada a frase do
recente documento da Comissão Teológica Internacional "Teologia hoje:
perspectivas, princípios e critérios", afirmando que a teologia é um
serviço prestado à Igreja e à Sociedade e que o texto em pauta quer
prestar um serviço aos colegas teólogos "e também àqueles com quem os
teólogos católicos entram em diálogo" (n. 100). Tudo depende de o
diálogo ser diálogo mesmo.
A teologia pública é a teologia que sai do gueto, e
seu paradigma é a parresia de Jesus e dos Apóstolos. "Eu falei
abertamente ao mundo. Eu sempre ensinei nas sinagogas e no templo, onde
todos os judeus se reúnem. Nada falei às escondidas." (João 18,20).
Fonte: IHU
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