Quando eu era criança, mais de 92% da população
brasileira era católica. Minha mãe, mulher de pouco estudo e muita fé,
me levou para a primeira comunhão, para as missas dominicais e
procissões. Ficou marcado na minha memória uma romaria que fizemos a
Congonhas (MG), onde conheci demonstrações de catarse coletiva, além das
estátuas de Aleijadinho. Mas eu não segui os passos do catolicismo.
Primeiro, porque não entendia as homilias dos cultos. Segundo, porque o mundo da mística cristã estava muito distante da realidade nua e crua da minha lida diária. A Igreja ajudava pouco.
Existia até uma certa rejeição. Uma brincadeira comum entre os meninos
era dizer que "quem chegar por último é mulher do padre" -e era grande o
esforço para não ficar para trás. E um pecado: confesso que nossa turma
de garotos chegou a praticar bullying contra coroinhas, embora ninguém
na época soubesse o significado da palavra. O fato é que a doutrina
católica não foi a referência para o destino da maioria dos meus
colegas.
Por meio do ensino público e laico, estudei e aprendi
com Max Weber que a realidade da minha infância e adolescência era
apenas um pequeno retrato do conflito entre o lado sagrado da religião e
o processo de dessacralização do mundo. Considerando a teoria do
sociólogo alemão, os dados do censo 2010 não surpreendem ao mostrar que o
Brasil, embora mais evangélico, está ficando menos sacralizado. O
discurso da "opção preferencial pelos pobres" da Igreja Católica não tem
sido capaz de evitar o fim do monopólio católico no país. O que se
difunde no Brasil é a doutrina de Joãozinho Trinta: "Pobre gosta é de
luxo".
A lógica econômica tem prevalecido sobre a dinâmica puramente religiosa. A
teologia da prosperidade tem atendido melhor as expectativas de consumo
e os interesses egoísticos das diferentes camadas sociais. Como disse o sociólogo Flávio Pierucci em artigo póstumo, a
sociedade não precisa mais de um Deus transcendente quando os
indivíduos pagam pelos serviços prestados em nome dele e transformam os
bens tangíveis em ideal divino. Atualmente, o que se considera sagrado é o consumo.
O crescimento das correntes evangélicas pentecostais no país tem sido compatível com o fato de que o sagrado está cada vez mais comercializado e dessacralizado.
É o Brasil cada vez mais desencantado. Isso não significa que não seja
espantoso, claro, o ritmo com que a Igreja Católica tem perdido adeptos.
E a perda tem sido maior entre as mulheres e os jovens. Em tese, é
possível estancar essa sangria. Em 2013, o papa vem ao Brasil para falar
especialmente às mulheres e jovens. Será difícil, porém, agradar as
mulheres mantendo o sexo feminino excluído da hierarquia eclesiástica.
Será difícil atrair jovens proibindo o sexo antes do matrimônio. Será
difícil ampliar o número de padres mantendo o celibato religioso -e será
quase impossível manter a filiação das pessoas de bom senso enquanto a
doutrina católica continuar rejeitando os métodos contraceptivos
modernos e proibindo o uso da camisinha, tão importante para evitar
doenças sexualmente transmissíveis.
Não será fácil também reverter a debandada do rebanho
quando o Vaticano assume na Rio+20 posições anacrônicas, contra os
direitos sexuais e reprodutivos. A Igreja Católica pode virar o jogo, mas terá de mudar o discurso e a prática.
JOSÉ EUSTÁQUIO DINIZ ALVES, 58, doutor em demografia, é professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE
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