Falecido aos 91 anos no Rio de Janeiro, D. Eugenio Sales foi uma importante figura da ala conservadora da Igreja Católica, tendo sido um dos mais ferrenhos opositores à Teologia da Libertação
Nesta segunda-feira (9), o Brasil perdeu uma importante figura da Igreja Católica no país. O cardeal D. Eugenio de Araújo Sales, ex-arcebispo do Rio de Janeiro, morreu de infarto por volta das 22h30 em sua casa, aos 91 anos, na capital fluminense. Nascido em 8 de novembro de 1920, em Acari (RN), o religioso era muito próximo do papa João Paulo II, de quem foi amigo, e Bento XVI, que lhe enviou uma carta de felicitações quando o brasileiro completou 90 anos.
D. Eugenio teve participação política relevante durante as ditaduras militares da América do Sul. Em sua casa ele recebia perseguidos políticos e fornecia esconderijo, com recursos da Arquidiocese. Outros tiveram auxílio para se exilar do país. Em maio de 2000, ele revelou ter abrigado mais de 4 mil pessoas entre 1976 e 1982. A estratégia do cardeal era de se relacionar bem com os militares para não gerar indisposição que pudesse atrapalhar a acolhida dos refugiados.
"Podem agradecer a Deus, mas não por meu intermédio”
Quando foi convidado pelo general Abdon Sena para celebrar uma missa em comemoração ao aniversário do AI-5, o religioso deu uma resposta bastante desconcertante: “Vocês que estão satisfeitos com o AI-5 podem agradecer a Deus, mas não por meu intermédio”.
Sua atividade política não parou por aí. D. Eugenio também ajudou a criar sindicatos rurais no Nordeste. Essa inclinação para a esquerda lhe rendeu o apelido de “bispo vermelho”. Apesar disso, Sales nunca abandonou os setores conservadores da Igreja, tendo sido um dos mais ferrenhos opositores à Teologia da Libertação. O movimento foi uma corrente de interpretação bíblica de visão marxista que ganhou força nos anos 70 e 80, com forte apelo social. A defesa de seus ideais levou seus maiores expoentes à excomunhão pela Igreja Católica, como foi o caso do frei Leonardo Boff. Por sua reação combativa e agressiva contra esta teologia e por sua defesa das doutrinas católicas tradicionais, Sales era visto com apreço pelos papas.
O cargo de arcebispo do Rio de Janeiro, tido como estratégico no Brasil pela Igreja Católica, foi ocupado por Sales por 30 anos, de 1971 a 2001. O papa Bento XVI lamentou a morte do cardeal por meio de telegrama enviado ao atual ocupante do cargo que foi de Sales, D. Orani Tempesta. "Foi um autêntico testemunho do Evangelho em meio a seu povo. Dou graças ao Senhor por ter dado à Igreja pastor tão generoso. Em 70 anos de sacerdócio e 58 de episcopado, sempre quis indicar o caminho da verdade na caridade e servir à comunidade, prestando particular atenção aos mais desfavorecidos”, escreveu o pontífice.
Atividade em direitos humanos
A historiadora Claudiane Torres explica que D. Eugenio foi uma peça importante durante a ditadura militar brasileira. “Há dois momentos de participação da Igreja. No começo, pode-se dizer que ela foi um pouco omissa. Mas, da metade para o final do regime, a Igreja tem uma atuação maior, apoiada nos direitos humanos. É um movimento no qual o D. Eugenio se inseriu ativamente”, diz.
“Ele teve uma participação bastante significativa na retirada de pessoas do Brasil, abrigando-as e levando-as para o aeroporto. Isso era uma coisa muito perigosa na época, e ele fez com bastante gente. É uma injustiça dizer que ele foi conivente com o regime”, explica a pesquisadora diante de críticas sobre o comportamento do arcebispo. D. Eugenio será sepultado nesta quarta-feira na cripta da Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro, às 15h.
Mas o historiador Francisco Carlos Teixeira, da UFRJ, chama atenção para outro aspecto da biografia de D. Eugenio Sales na revista Carta Maior: “Manteve-se, desde 1964, perto dos militares e das autoridades civis do regime, a quem nunca desafiou ou criticou abertamente”. No entanto, Teixeira destaca um episódio em que o cardeal discorda de uma posição ultraconservadora. “Em 1972, quando o arquirreacionário católico Gustavo Corção, das páginas de O GLOBO, atacava intelectuais de esquerda e religiosos progressistas, Dom Eugênio achou por bem condenar a virulência do autor e, em carta pastoral, conclamar os católicos a não darem ouvidos às catilinárias de Corção”, escreve.
Mauro Bias
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