Se um presidente da República pode ser investigado, ter seus sigilos fiscais, bancários e telefônicos abertos, por que não poderia um editor de sucursal de revista de informação semanal ter os mesmos sigilos ao alcance das garras da lei? Existe lei? Sim. Então é para todos ou não serve para ninguém.
A CPMI do Cachoeira começou com seu nome de
batismo, digamos assim, conspurcado. É que no fundo mesmo existem
outros personagens centrais bem mais empolgantes e ousados palmilhando
cada minuto das milhares de interceptações telefônicas obtidas mediante
autorização judicial, sendo que a operação que lhe antecedeu, de nome
Vegas, recolheu para escrutínio das autoridades policiais, legislativas e
judiciárias, exatas 61.813 conversas telefônicas. E não estamos
tratando da operação-carro-chefe, Monte Carlo, a que levou em 29/2/2012 o
bicheiro Carlos Cachoeira ao presídio de segurança máxima localizado em
Mossoró, no Rio Grande do Norte.
Poderia se chamar CPMI do Demóstenes. É este parlamentar goiano que define os limites a separar Vegas de Monte Carlo: a Polícia Federal atesta que a operação Vegas foi levada ao freezer pela Procuradoria-Geral da República, tão logo o diligente braço armado do Ministério da Justiça interceptou conversas pouco convencionais envolvendo o Senador Demóstenes Torres e meia dúzia de Deputados Federais. E só ressuscitaria, agora com o nome mais refinado Monte Carlo, a partir do momento em que autoridades de primeira grandeza no mundo da política puderam ser legalmente grampeadas, mas, ainda assim, sempre no contexto envolvendo o bicheiro Cachoeira e seus próceres, asseclas e apaniguados. Assim como Las Vegas, capital mundial da jogatina se encontra geograficamente tão distante de Monte Carlo, capital européia da jogatina, as duas operações se encontram umbilicalmente unidas, fazendo e acontecendo no campo sempre minado em que interesses privados se mesclam com interesses públicos, em que a fronteira entre o legal e o ilegal simplesmente deixa de existir.
Mas o grande nome para esta CPMI não deveria ser nem Cachoeira nem Demóstenes. Menos ainda Delta, afinal, a empreiteira corruptora de governos em todos os níveis nada mais foi que mero instrumento para a prática desbragada e acintosa de crimes de vários níveis e quilates, canal eficiente na dilapidação do patrimônio público e na moagem de reputações tão pouco verossímeis como notas de três reais ou cédulas de onze dólares norteamericanos. E não faria jus ao que realmente faria corar de vergonha ao mais dissimulado juiz, parlamentar ou não, se não consegue ser chamada pelo nome que abre clareira em meio à história de tantas Comissões Parlamentares de Inquérito até o momento instaladas no Brasil, devido ao seu ineditismo absoluto: Comissão Parlamentar das Mágicas da Imprensa (CPMI).
Durante longos oito anos o país foi assolado por denúncias de corrupção as mais diversas possíveis. Fosse para derrubar o presidente da República, defenestrar ministros de Estado, inviabilizar órgãos e autarquias governamentais, satanizar partido político, exarar sentenças de morte moral e política a velhos desafetos, criar em laboratório ratos a empunhar com galhardia e raríssimo açodamento bandeiras de ética e moral, ratos morais, diga-se, transformados da noite para o dia em paladinos intimoratos de todos os valores republicanos e das garantias constitucionais basilares, com especial ênfase, para esta que responde pela expressão-guarda-chuva da “liberdade de imprensa”.
É como se surgisse, com ilimitada desfaçatez, campanha pugnando pela maior das vergonhas que um habitante deste país poderia sofrer, a vergonha de ser brasileiro: toda semana um novo escândalo, retratado com todas as cores de um New Journalism tardio em terra brasilis, escrito com riqueza de datas, minuto a minuto, áudios vazados na medida, imagens privadas e conseguidas ante métodos claramente criminosos caindo em domínio público em questão de minutos, segundos. E sempre em rede nacional de televisão, com direito a horário nobre.
E o primeiro fruto da CPMI germinou, qual flor-de-lotus, do lodaçal de iniqüidades perpretadas por tão longo período da história recente do país. O fruto é este: o debate sobre a mídia, a imprensa se instalou, veio e vai ficar até ser exaurido por todas as forças sociais que sustentam nosso projeto de Nação. E não vejo força de forças contrárias que consiga lhe obstar o ímpeto, fazê-lo morrer no nascedouro. A contrário, a cada dia, mais impulso toma e a defesa para que fique tudo como está começa já a pesar como sentença condenatória, hipocrisia corporativista e desnudamento de percepções que nunca se apresentavam à luz do sol. O debate sobre liberdade de imprensa ressurge das brumas de um obscurantismo tosco e insustentável com toda força de rios que avançam rumo ao mar. E essa correnteza não será represada, continuará fluindo, a céu aberto até seu destino final.
Pela primeira vez, nos últimos decênios, o conceito de liberdade de imprensa deixa de ser privatizado para ser o que sempre foi, público, de interesse máximo dos cidadãos, como uma de suas mais sagradas prerrogativas em um estado democrático de direito. E só é liberdade se é liberdade para todos. Só é liberdade se não é encabrestada por oligopólios políticos e empresariais. E menos ainda, se não se deixa usar para a prática de crimes de lesa-pátria, como estes que tem acontecido com tanta regularidade e método por tempo demasiado longo. Não mais será permitido que o algoz da liberdade de imprensa se autodenomine seu principal guardião.
Restará, finalmente, claro a todos uma verdade inquestionável: a lei é soberana e a ela todos devem se submeter. E é neste contexto que podemos aproveitar estes dias de entressafra, aqueles que separam uma sessão de outra da CPMI, para buscar respostas a questões como:
Se um presidente da República pode ser investigado, ter seus sigilos fiscais, bancários e telefônicos abertos, por que não poderia um editor de sucursal de revista de informação semanal ter os mesmos sigilos ao alcance das garras da lei?
Se um ministro de Estado pode ser sumariamente demitido, ter seu nome enxovalhado mediante armações e expediente nitidamente criminosos, por que não se poderia investigar a fundo a teoria de vasos comunicantes que reúne em uma mesma sequência de meses e anos criminosos e jornalistas?
Se um senador da República têm a vida varejada, seus vícios são trazidos a lume através das mais diversas plataformas midiáticas, dia a dia, instante a instante, por que a vida de um jornalista, seja editor, redator, dono de empresa de comunicação, necessita ser preservada a todo custo, contando com uma não-escrita, porém eficiente até o momento, lei da Omertá (silêncio dos mafiosos sicilianos)?
Se um das maiores empreiteiras do país não resiste a quatro semanas de vitrine impressa, radiofônica, televisiva e digital, sempre mostrando seus muitos malfeitos, por que cargas d´água uma empresa de comunicação deveria ser isenta de qualquer tipo de investigação a ser conduzida pelos representantes legitimamente eleitos pela população do país, seguindo procedimentos investigatórios entesourados em nossa Carta Maior, a Constituição Federal?
Em passado ainda muito recente qualquer dúvida que pairasse sobre a honorabilidade de um profissional da imprensa logo se transformava em cavalo de guerra em defesa de uma pretensa liberdade de expressão, do sigilo das fontes, do exercício da profissão. Este tempo parece estar com as horas contadas, não são nem mais os dias. E não há que se confundir o debate: criminosos e delinqüentes existem em todas as profissões, vicejam em muitas empresas, atuam em várias instâncias político-partidárias. Ninguém, a priori, recebe atestado de inocência por tempo infinito, e não importa se esta pessoa trata-se do renomado cirurgião-chefe do Hospital Sírio-Libanês, ou do impoluto presidente do Supremo Tribunal Federal, seja o sempre assertivo Procurador-Geral da República ou o clarividente chefe da sucursal em Brasília da revista Veja.
Existe lei? Sim. Então é para todos ou não serve para ninguém.
A propósito, o sol deixará de se por no Brasil tão logo o jornalista Policarpo Junior seja convocado a ser inquirido na CPMI?
O futuro do Brasil estará ameaçado ou poderá retroceder à Idade Média caso o empresário Roberto Civita atenda à gentil convocação de 16 senadores da República e 16 deputados federais, colocando-se à disposição destes para responder perguntas simples, diretas, objetivas, que simplesmente se recusam calar?
Chega um momento em que tudo deve ser colocado às claras - tudo deve ser levado ao escrutínio público. E é este o momento. Não de acerto de contas, não de vendetta, não de excessos.
Apenas tratamento igualitário, equânime, justo.
É o que se espera.
Será pedir muito?
Poderia se chamar CPMI do Demóstenes. É este parlamentar goiano que define os limites a separar Vegas de Monte Carlo: a Polícia Federal atesta que a operação Vegas foi levada ao freezer pela Procuradoria-Geral da República, tão logo o diligente braço armado do Ministério da Justiça interceptou conversas pouco convencionais envolvendo o Senador Demóstenes Torres e meia dúzia de Deputados Federais. E só ressuscitaria, agora com o nome mais refinado Monte Carlo, a partir do momento em que autoridades de primeira grandeza no mundo da política puderam ser legalmente grampeadas, mas, ainda assim, sempre no contexto envolvendo o bicheiro Cachoeira e seus próceres, asseclas e apaniguados. Assim como Las Vegas, capital mundial da jogatina se encontra geograficamente tão distante de Monte Carlo, capital européia da jogatina, as duas operações se encontram umbilicalmente unidas, fazendo e acontecendo no campo sempre minado em que interesses privados se mesclam com interesses públicos, em que a fronteira entre o legal e o ilegal simplesmente deixa de existir.
Mas o grande nome para esta CPMI não deveria ser nem Cachoeira nem Demóstenes. Menos ainda Delta, afinal, a empreiteira corruptora de governos em todos os níveis nada mais foi que mero instrumento para a prática desbragada e acintosa de crimes de vários níveis e quilates, canal eficiente na dilapidação do patrimônio público e na moagem de reputações tão pouco verossímeis como notas de três reais ou cédulas de onze dólares norteamericanos. E não faria jus ao que realmente faria corar de vergonha ao mais dissimulado juiz, parlamentar ou não, se não consegue ser chamada pelo nome que abre clareira em meio à história de tantas Comissões Parlamentares de Inquérito até o momento instaladas no Brasil, devido ao seu ineditismo absoluto: Comissão Parlamentar das Mágicas da Imprensa (CPMI).
Durante longos oito anos o país foi assolado por denúncias de corrupção as mais diversas possíveis. Fosse para derrubar o presidente da República, defenestrar ministros de Estado, inviabilizar órgãos e autarquias governamentais, satanizar partido político, exarar sentenças de morte moral e política a velhos desafetos, criar em laboratório ratos a empunhar com galhardia e raríssimo açodamento bandeiras de ética e moral, ratos morais, diga-se, transformados da noite para o dia em paladinos intimoratos de todos os valores republicanos e das garantias constitucionais basilares, com especial ênfase, para esta que responde pela expressão-guarda-chuva da “liberdade de imprensa”.
É como se surgisse, com ilimitada desfaçatez, campanha pugnando pela maior das vergonhas que um habitante deste país poderia sofrer, a vergonha de ser brasileiro: toda semana um novo escândalo, retratado com todas as cores de um New Journalism tardio em terra brasilis, escrito com riqueza de datas, minuto a minuto, áudios vazados na medida, imagens privadas e conseguidas ante métodos claramente criminosos caindo em domínio público em questão de minutos, segundos. E sempre em rede nacional de televisão, com direito a horário nobre.
E o primeiro fruto da CPMI germinou, qual flor-de-lotus, do lodaçal de iniqüidades perpretadas por tão longo período da história recente do país. O fruto é este: o debate sobre a mídia, a imprensa se instalou, veio e vai ficar até ser exaurido por todas as forças sociais que sustentam nosso projeto de Nação. E não vejo força de forças contrárias que consiga lhe obstar o ímpeto, fazê-lo morrer no nascedouro. A contrário, a cada dia, mais impulso toma e a defesa para que fique tudo como está começa já a pesar como sentença condenatória, hipocrisia corporativista e desnudamento de percepções que nunca se apresentavam à luz do sol. O debate sobre liberdade de imprensa ressurge das brumas de um obscurantismo tosco e insustentável com toda força de rios que avançam rumo ao mar. E essa correnteza não será represada, continuará fluindo, a céu aberto até seu destino final.
Pela primeira vez, nos últimos decênios, o conceito de liberdade de imprensa deixa de ser privatizado para ser o que sempre foi, público, de interesse máximo dos cidadãos, como uma de suas mais sagradas prerrogativas em um estado democrático de direito. E só é liberdade se é liberdade para todos. Só é liberdade se não é encabrestada por oligopólios políticos e empresariais. E menos ainda, se não se deixa usar para a prática de crimes de lesa-pátria, como estes que tem acontecido com tanta regularidade e método por tempo demasiado longo. Não mais será permitido que o algoz da liberdade de imprensa se autodenomine seu principal guardião.
Restará, finalmente, claro a todos uma verdade inquestionável: a lei é soberana e a ela todos devem se submeter. E é neste contexto que podemos aproveitar estes dias de entressafra, aqueles que separam uma sessão de outra da CPMI, para buscar respostas a questões como:
Se um presidente da República pode ser investigado, ter seus sigilos fiscais, bancários e telefônicos abertos, por que não poderia um editor de sucursal de revista de informação semanal ter os mesmos sigilos ao alcance das garras da lei?
Se um ministro de Estado pode ser sumariamente demitido, ter seu nome enxovalhado mediante armações e expediente nitidamente criminosos, por que não se poderia investigar a fundo a teoria de vasos comunicantes que reúne em uma mesma sequência de meses e anos criminosos e jornalistas?
Se um senador da República têm a vida varejada, seus vícios são trazidos a lume através das mais diversas plataformas midiáticas, dia a dia, instante a instante, por que a vida de um jornalista, seja editor, redator, dono de empresa de comunicação, necessita ser preservada a todo custo, contando com uma não-escrita, porém eficiente até o momento, lei da Omertá (silêncio dos mafiosos sicilianos)?
Se um das maiores empreiteiras do país não resiste a quatro semanas de vitrine impressa, radiofônica, televisiva e digital, sempre mostrando seus muitos malfeitos, por que cargas d´água uma empresa de comunicação deveria ser isenta de qualquer tipo de investigação a ser conduzida pelos representantes legitimamente eleitos pela população do país, seguindo procedimentos investigatórios entesourados em nossa Carta Maior, a Constituição Federal?
Em passado ainda muito recente qualquer dúvida que pairasse sobre a honorabilidade de um profissional da imprensa logo se transformava em cavalo de guerra em defesa de uma pretensa liberdade de expressão, do sigilo das fontes, do exercício da profissão. Este tempo parece estar com as horas contadas, não são nem mais os dias. E não há que se confundir o debate: criminosos e delinqüentes existem em todas as profissões, vicejam em muitas empresas, atuam em várias instâncias político-partidárias. Ninguém, a priori, recebe atestado de inocência por tempo infinito, e não importa se esta pessoa trata-se do renomado cirurgião-chefe do Hospital Sírio-Libanês, ou do impoluto presidente do Supremo Tribunal Federal, seja o sempre assertivo Procurador-Geral da República ou o clarividente chefe da sucursal em Brasília da revista Veja.
Existe lei? Sim. Então é para todos ou não serve para ninguém.
A propósito, o sol deixará de se por no Brasil tão logo o jornalista Policarpo Junior seja convocado a ser inquirido na CPMI?
O futuro do Brasil estará ameaçado ou poderá retroceder à Idade Média caso o empresário Roberto Civita atenda à gentil convocação de 16 senadores da República e 16 deputados federais, colocando-se à disposição destes para responder perguntas simples, diretas, objetivas, que simplesmente se recusam calar?
Chega um momento em que tudo deve ser colocado às claras - tudo deve ser levado ao escrutínio público. E é este o momento. Não de acerto de contas, não de vendetta, não de excessos.
Apenas tratamento igualitário, equânime, justo.
É o que se espera.
Será pedir muito?
Washington Araújo
jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela UNB
Fonte: Carta Maior
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