( Faz-se a seguir a resenha do livro Pedagogia do Oprimido, de
Paulo Freire, publicado em 1970 e já na 46.ª edição de 2007.)
Graduado
em Direito pela Universidade do Recife, Freire realizou também estudos
de filosofia, especialmente de Filosofia da Linguagem. Nunca exerceu a
advocacia, preferindo dedicar-se ao magistério em escolas públicas.
Ocupou vários cargos, entre eles, o de diretor do Departamento de
Educação e Cultura do Serviço Social no Estado de Pernambuco, onde
iniciou o trabalho com analfabetos pobres. Nessa época, se aproxima do
movimento da Teologia da Libertação. Perseguido pela ditadura militar,
Freire se exila em vários países da América Latina, Europa e África,
onde se torna reconhecido por seu trabalho como educador e filósofo, com
destaque para a educação popular, voltada tanto para a escolarização
como para a formação da consciência. É autor de mais de 20 livros entre
eles Pedagogia da Esperança (1992) e Pedagogia da Autonomia (1996). Com 36 diplomas de doutor Honoris Causa
por várias universidades espalhadas pelo mundo, é considerado um dos
mais importantes pensadores da história da pedagogia mundial.
Assim como em outros escritos, na Pedagogia do Oprimido
Paulo Freire estabelece uma Pedagogia da Libertação, que tem como foco a
tentativa de conscientizar politicamente as classes oprimidas do
Terceiro Mundo, baseando-se numa visão marxista da realidade.
O autor inicia o livro afirmando que é vocação do homem perguntar por
si mesmo, pela sua humanização enquanto ser incompleto que busca a
completude. Essa vocação, contudo, é negada à maioria devido à opressão
que esta sofre de outros, sendo, pois, vítimas de uma desumanização. Os
opressores também são desumanizados neste processo, porque são
prisioneiros de si mesmos. A detenção do poder pelos opressores impede
que estes possam libertar os oprimidos e a si mesmos, de modo que está
nas mãos dos oprimidos a possibilidade de reverter a lógica social de
opressão. Mas a libertação só se dá de fato quando os oprimidos não se
colocam na posição de opressores: somente assim eles conseguem levar
ambos a uma condição de humanidade digna. É preciso, então, que haja uma
pedagogia do oprimido, que trabalhe com ele e não para ele, no sentido
de propiciar-lhes os meios de se libertarem da opressão. Sua intenção
neste livro é colocar as características básicas dessa pedagogia.
Um dos maiores desafios neste processo, é que o oprimido se reconheça
como “hospedeiro” ou cúmplice do opressor, sendo uma das funções da sua
pedagogia promover esta descoberta. O oprimido, porque teve sua
consciência formada nos moldes da opressão, tende a ser um opressor de
si mesmo e dos companheiros, temendo a liberdade: eles não têm força nem
conhecimento de como lutar para se libertarem e acabam se identificando
com o adversário. É preciso, então, a organização para a luta no
sentido de derrubar o sistema que o oprime. Segundo Paulo Freire, a
lógica da opressão aliena os oprimidos. Assim, este deve lutar contra si
mesmo para libertar-se do opressor interno primeiramente. A realidade
opressora precisa ser transformada pelo oprimido através de uma práxis
libertadora: o fim da opressão só ocorre objetivamente, na vida
concreta; a transformação da realidade social depende da ação do homem
enquanto sujeito. Além disso, liberdade exige responsabilidade, o que só
se assume quando o indivíduo é autônomo. Para ser autônomo, é preciso
que haja uma emersão, uma ação reflexiva de fora do sistema, mas voltada
para ele. A pedagogia do oprimido atua por meio de uma dialética
intersubjetiva entre os homens e a realidade para transformá-la
reflexivamente. Na prática, Paulo Freire coloca a necessidade de se
realizarem trabalhos educativos para além da educação sistemática, uma
vez que esta depende da detenção do poder.
A consciência opressora transforma tudo em objeto de posse alcançável pelo dinheiro: o opressor se preocupa somente com ter e não com ser.
Por isso sua generosidade é falsa, pois entendem que apenas a sua
humanização é legítima, a do oprimido é subversão. Estes precisam ser
vigiados e punidos, o que se faz de muitas formas, inclusive pela
apropriação e manipulação da tecnologia como instrumento da manutenção
da ordem estabelecida.
É inculcado nos oprimidos a ideia de que eles são inferiores,
incapazes, e eles mesmos acabam assumindo esse discurso como verdadeiro.
O sentimento de inferioridade impede a luta contra o opressor que eles
consideram invulnerável, de modo que aceitam a condição de opressão,
sendo até coniventes com ela. Somente o diálogo crítico, segundo Freire,
pode engajar os oprimidos numa práxis de libertação. Qualquer método
que pretenda a libertação e que não leve em conta essa práxis não passa
de populismo que transformará os oprimidos em massa de manobra política.
A ação política libertadora deve ser uma ação cultural para a
liberdade: o sujeito não se liberta sozinho e, além disso, a liberdade
também não pode ser dada, mas conquistada em conjunto. Assim a revolução
deve ter uma base pedagógica de formação de consciências críticas que
apontem possibilidades e meios de transformação da realidade concreta.
Esse é o papel da pedagogia do oprimido.
No capítulo II, Paulo Freire afirma que o modelo de educação vigente
está a serviço da manutenção do sistema social opressor. Freire chama
este modelo de “educação bancária”, que coloca o educando como passivo
receptor das informações que o educador lhe narra. Essa educação parte
da dicotomia entre o homem e as coisas, e considera a consciência humana
como algo vazio que se deve “encher” com um conteúdo. São transmitidos
conteúdos fora da realidade do estudante e não é levada em conta a sua
vivência. Isso aliena o educando, mantendo-o oprimido. É uma educação
que não deixa margem para o diálogo e não trabalha a criatividade, não
possibilitando a formação do ser. O professor é o dono do saber,
enquanto o educando é o que nada sabe. A realidade é colocada como
estática, imutável, o que convém ao opressor. O indivíduo será tanto
mais educado quanto mais passivo for neste processo e mais adequado ao
mundo tal como está, sem questionamentos.
A humanização do ser exige o fim da educação bancária, já que o
sujeito só se forma na interação com o mundo: é na consciência humana
que o mundo ganha sentido. A educação deve ser prática de
intercomunicação, de problematização da realidade, na qual os homens se
insiram criticamente. O papel do educador para a liberdade é o de
promover o diálogo como meio de transformação, não se colocando como
centro do saber, mas como educador-educando num processo de formação da
consciência dos educando-educadores. Ambos se educam mutuamente,
mediados pelo mundo. Assim como o homem é inconcluso, sua educação
também o é. Sua realidade está em constante mudança e a educação que não
seguir essa tendência natural é alienante, porque nega o homem enquanto
ser histórico.
No capítulo III, Freire fala da dialogicidade como processo educativo
rumo à liberdade. A educação que se funda no diálogo tem na palavra o
elemento chave para a transformação da realidade, uma vez que esta
implica em reflexão e ação. Palavra sem ação é verbalismo, ação sem
reflexão é ativismo, sendo ambos os casos formas alienantes do ser.
Sendo a palavra o meio por excelência de estar no mundo e pronunciá-lo,
não pode ser privilégio de uma minoria, mas deve ser um direito de
todos. Pronunciar o mundo é um ato de amor, segundo o autor, e o amor é a
base do diálogo, já que é por meio deste que se entra em comunhão
porque reconhece os outros como iguais a si.
Freire coloca que o conteúdo a ser trabalhado na educação deve ser
retirado da realidade dos educandos, do seu universo temático de
interesses, o que o autor chama de “temas geradores”.
Objetivando o mundo e nele atuando reflexivamente, o sujeito enfrenta
as situações limites que o insta a agir de modo criativo, e poderá ser
mais ao relacionar-se de forma construtiva na história. Pela interação
dos temas geradores, o educando se coloca como investigador e
investigado da realidade. Ele deve ser capaz de particularizar um
problema sem perder a perspectiva do todo. Os educadores devem assumir
com os educandos o papel de investigadores da realidade vivenciando o
cotidiano da comunidade, buscando elementos particularidade para serem
problematizados. Em seguida, devem-se escolher algumas das contradições
apreendidas para serem codificadas. As codificações serão o meio para a
decodificação feita pelos educandos, de modo que estes se reconheçam
naquela situação e se percebam percebendo, ganhando assim, conhecimento e
consciência crítica. A decodificação consiste na análise da temática
encontrada e na organização do conteúdo como ação cultural libertadora.
No último capítulo, Freire reflete sobre os tipos de ação cultural
que decorrem de uma educação dialógica contrapondo-os àqueles
decorrentes de uma educação antidialógica. A conquista é a primeira
característica do antidialogismo colocada pelo autor: o opressor procura
conquistar o oprimido, fazendo deste um “hospedeiro” seu, tornando-o um
ser ambíguo. Assim, procura-se mitificar o mundo, distorcendo a
realidade para manter o indivíduo alienado.
Outra tática usada é promover a desunião entre os oprimidos. Para
isso, são usadas todas as ferramentas à disposição das elites, desde a
burocracia estatal até ações culturais generalizadas, como o treinamento
e promoção de líderes, o controle de sindicatos e a instigação de
cisões entre os grupos etc. Em situação de isolamento, os indivíduos não
se percebem parte de uma realidade maior. Então, agindo de modo
assistencialista, o opressor se apresenta como “messias”, passando a
ilusão de estar ajudando o oprimido.
A manipulação é outra forma de controlar as massas que se dá pela
divulgação de mitos que são absorvidos por elas como realidade. Entre
esses mitos está o de que a ascensão social no sistema vigente é
possível a qualquer um. A manipulação é necessária quando há risco de
uma emersão das massas que ameace a opressão. Para evitar a manipulação é
preciso que haja uma organização criticamente consciente, uma
consciência de classe oprimida, com uma liderança revolucionária
dialógica.
Além destas, também a invasão da cultura opressora na dos oprimidos,
que os faz ver a realidade a partir do ponto de vista do opressor e não
da sua. É uma forma de manter o domínio opressor por meio da
desqualificação, da inferiorização e do aniquilamento da cultura
oprimida. São instrumentos de invasão cultural a ciência, a tecnologia, a
escola e a família, que são meios de amoldamento de consciências e
introdução de valores “estrangeiros” à cultura do oprimido.
Paulo Freire propõe uma revolução cultural no sentido de reconstruir a
sociedade por meio de uma ação formadora dialógica, redefinindo o papel
da tecnologia no sentido de promover a formação humanista dos homens,
transformando-os em seres para si, independentes de domínios externos. A
ação dialógica que leva à libertação se caracteriza pela colaboração,
processo no qual os sujeitos se constituem mutuamente pela interação
entre iguais. É uma ação que vem como resposta à realidade colocada como
desafio. A colaboração pressupõe a união, a comunhão entre sujeitos
(consciência de classe).
Para encerrar, Freire fala da organização como
oposição à manipulação opressora. Organização implica testemunho,
estando intimamente ligada à união do grupo, e também
auto-direcionamento a um fim comum, a transformação social. Toda a ação
cultural deve, para o autor, incidir sobre os oprimidos no sentido de
formar-lhes a consciência para propiciar as condições necessárias para a
sua organização e atuação direta na história. Os oprimidos são os
atores fundamentais de sua própria libertação.
Benedito Fernando Pereira
Licenciado em Letras (Univás), Bacharel em Filosofia (FACAPA),
graduando em História (Univás) e pós-graduando em Ensino de Filosofia
(FACAPA).
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