Acampamento do MST em Felisburgo, cidade do interior de Minas Gerais - Foto: MST |
Frei Gilvander analisa conjuntura no estado governado por Aécio Neves e critica acordo com o PSDB
Minas Gerais viveu uma experiência que pode ser considerada piloto na conjuntura nacional: o PT, depois de 16 anos no governo da capital, desistiu de candidatura própria para a prefeitura e fez um acordo com o PSDB para eleger Márcio Lacerda, do PSB.
Segundo frei Gilvander Moreira, assessor das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), da CPT (Comissão Pastoral da Terra) e parceiro antigo dos movimentos sociais camponeses e urbanos, Lacerda “está PSB, mas é PSDB em seu DNA”. Ou seja, segue a mesma cartilha tucana: política de metas, privatizações, truculência com o povo e com as demandas sociais.
Está em curso na capital mineira um movimento que pede a saída do prefeito e pressiona para que o PT retome seus princípios e tenha uma candidatura própria nas eleições deste ano. O estado sofre ainda com o governo tucano no poder há nove anos, período em que não foram retomadas as terras devolutas para a reforma agrária, nem construídas casas populares na região metropolitana.
Mas frei Gilvander vê como positivo o esforço de unidade entre muitas forças populares, que oxigenaram diferentes lutas e resistências em 2011 e sinalizam para outras em 2012. Confira a entrevista a seguir.
Brasil de Fato – Como foi o contexto da luta no campo no estado de Minas Gerais em 2011?
Frei Gilvander - Foto: Reprodução |
Frei Gilvander – Por um lado, olhando pela perspectiva do capital, notamos que infelizmente continua um avanço do projeto do agronegócio. As terras devolutas – estima-se que um terço do estado, entre 11 e 18 milhões de hectares, sejam devolutas – não foram resgatadas para fazer a reforma agrária, como prescreve a Constituição mineira. Vemos também o agravamento do encurralamento das comunidades tradicionais. Para citar um exemplo concreto, temos o projeto Jaíba. O Banco Mundial, para viabilizar a renovação de financiamentos, passou a exigir uma contrapartida ambiental. O governo de Minas está implementando muitos parques estaduais para poder continuar acessando os financiamentos internacionais. E esses parques estão sendo colocados onde estão as comunidades tradicionais, como os quilombolas, os vazanteiros. Isso está afetando muito o povo. Presenciamos ainda o avanço da mineração. A China, com sua volúpia tremenda por produtos primários, faz com que o processo de mineração se quintuplique. Isso está aumentando a devastação socioambiental em Minas. Ainda mais agora com a descoberta do novo Eldorado da mineração, no norte do estado, com jazidas de minério muito maiores que no quadrilátero ferrífero. A Vale, por exemplo, está usando fazendeiros para comprar terras na região. Isso vai continuar aumentando o encurralamento e a pressão em cima das comunidades tradicionais. Ainda sob a perspectiva do capital, vemos o avanço da monocultura do eucalipto e da cana, que hoje não está só no Triângulo, mas no sul, no noroeste, no norte. Isso está gerando a maior devastação ambiental da história do estado.
E sob a perspectiva dos movimentos sociais?
Olhando da perspectiva dos movimentos camponeses, da Via Campesina, 2011 foi bastante esperançoso. Tivemos algumas conquistas importantes. Depois de 13 anos de luta, os quilombolas do Brejo dos Crioulos conquistaram um decreto da presidenta Dilma titulando 17 mil hectares de terra. Ainda precisam desentranhar seis grandes fazendeiros que estão lá grilando as terras. O MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra], reforçado por uma unidade bastante ampla de movimentos sociais do campo e da cidade, já no apagar das luzes do ano, no dia 26 de dezembro, teve a conquista da desapropriação de cinco grandes fazendas e conseguiu amarrar um convênio do governo federal – com 10% de participação do governo estadual, que vai entrar com R$ 4 milhões – para comprar outras quatro grandes fazendas. São fazendas emblemáticas: a ex-usina Ariadinópolis em Campo do Meio, de seis mil hectares; a fazenda Fortaleza de Santana, a 23 km de Juiz de Fora, da família mais tradicional da região, de 4.400 hectares; a fazenda Correntes, em Jequitaí, que tem mais de 10 mil hectares; e outra em Frei Inocêncio. Também no final do ano, conseguimos derrubar o famigerado juiz da Vara Agrária, que a estava transformando numa Vara Latifundiária. Em uma única tarde, ele assinou mais de vinte liminares de reintegração de posse, sem ouvir as famílias. Agora o Judiciário se tocou um pouco e trocou de juiz, que já anunciou que sua regra será fazer sempre audiências nas ocupações, nos acampamentos.
Essas fazendas foram desapropriadas pelo governo federal? O que o governo estadual fez pela reforma agrária no período?
Quase nada. O que obtivemos de conquista foram esses R$ 4 milhões de participação no convênio com o governo federal. No 3º encontro dos movimentos sociais [realizado de 30 de abril a 2 de maio de 2011], pela primeira vez na história o governo do PSDB recebeu a coordenação estadual do MST. Naquele encontro, prometeu cerca de R$ 2,6 milhões para comprar tratores, patrolas e máquinas, para que a Ruralminas [fundação ligada à Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento] pudesse arrumar as estradas de assentamentos, que estão jogadas às traças. Também baixou decretos transformando as áreas de assentamento em áreas de interesse social, o que ajuda a driblar a montanha de burocracias para fazer projetos de desenvolvimento. Só nessas áreas houve algumas conquistas em relação ao governo estadual. Percebemos, no entanto, que todas as conquistas são resultado de três fatores. O primeiro deles é a persistência na luta e a não desistência de ficar na terra. Outro fator foi a costura de uma unidade bem ampla entre os movimentos do campo e da cidade. Uma expressão muito forte dessa unidade foi a greve
"O MST teve a conquista da desapropriação de cinco grandes fazendas", afirma Gilvander - Foto: MST |
dos professores, que durou 112 dias [entre 8 de junho e 27 de setembro]. Se eles tivessem ficado isolados, sem apoio dos movimentos e outros sindicatos, teriam sido asfixiados no meio da mobilização. O terceiro é a combinação das lutas específicas com uma pauta comum, unitária dos vários movimentos. A unidade também é importante para as lutas na cidade, nas lutas salariais e nas ocupações urbanas. A comunidade Dandara completa três anos em abril e já conseguimos várias vezes afastar o fantasma do despejo; a ocupação Camilo Torres já está no quarto ano e a Irmã Dorothy no segundo. Nas duas também conquistamos o recolhimento do mandato de despejo. Essa resistência também oxigenou as outras lutas, e são também conquistas.
Como os movimentos avaliam a parceria PT-PSDB no estado, com o apoio dos partidos para eleger o prefeito Márcio Lacerda (PSB) na capital?
Em 2011 ficou mais claro ainda, para parte dos petistas que acreditavam nessa aliança, que estamos sendo governados pelo PSDB. O Márcio Lacerda está PSB, mas é PSDB no DNA. Estamos tendo a experiência tucana tanto a nível estadual como na prefeitura da capital. Ficou clara a grande mentira, a farsa que foi a propaganda do tal “choque de gestão”, de que o estado teria conseguido equilibrar as contas. O governo, no final do ano, teve que admitir que está quebrado. Em termos de investimentos sociais, o governo dos tucanos está uma porcaria. Em Minas Gerais, o déficit habitacional é de mais de 1 milhão de moradias. Nos últimos nove anos, o governo PSDB conseguiu fazer apenas 28 mil casas populares, todas no interior de Minas; na região metropolitana, nenhuma. O prefeito Márcio Lacerda não construiu nenhuma casa no programa “Minha Casa, Minha Vida” para famílias de zero a três salários mínimos. Temos no estado uma profunda opressão de classe.
O PSDB faz uma opção pelas empresas, pelos mais ricos, contra os pobres. Os projetos sociais que existem são apenas projetos-piloto, para montar fachadas. Está muito claro para o povo de Minas Gerais que o estilo tucano de governar é colocar o Estado a reboque dos interesses do capital. Está crescendo o sentimento e a perspectiva de que as forças populares têm que se unir. Neste ano de eleições municipais, temos que pressionar para que grande parte do PT retome seus princípios originários. Sabemos que o partido cresceu quando lançou candidatura própria, mas quando assumiu postura de subserviência e aceitou ser vice, foi decaindo cada vez mais. Os dois estados mais penalizados pela aliança nacional que levou Lula e Dilma lá são Minas Gerais e Maranhão. Não é aceitável pressão nem de Lula, nem de Dilma, nem do PT nacional, para que o PT de Minas continue tendo uma postura subserviente aos interesses dos tucanos no estado.
O que é o Movimento Fora Lacerda?
O prefeito está PSB, mas é PSDB. Faz política de metas, trata a cidade como se fosse uma empresa, não vê as pessoas, tripudia em cima dos pobres, não respeita os movimentos populares, desrespeita o funcionalismo público. Ele já disse que não acaba com a Coordenadoria dos Direitos Humanos porque teria que pagar um ônus político. É truculento no trato, segue o esquema da tecnocracia. Está tocando privatizações na saúde e na educação, privatizando as praças, abraçou 100% os interesses do capital ao “ajeitar” a cidade para a Copa do Mundo, para fazer mais de 40 hotéis de luxo e desalojar quatro mil famílias. O povo quer e clama um resgate da forma de governar da época do Patrus Ananias, um governo democrático. O caminho para isso é apoiar e tentar reforçar a tese da candidatura própria do PT para a prefeitura de Belo Horizonte na eleição de 2012. Acreditamos que a postura do partido na capital influencia muito nos PTs municipais no estado inteiro. Mesmo que perca a eleição em 2012, em 2014 terá mais idoneidade, mais respeitabilidade, por retomar seus princípios.
O que o estado de Minas pode deixar de alerta para o Brasil em relação ao governo de Aécio Neves, que demonstra interesse em se candidatar à presidência em 2014?
Aécio Neves é uma grande farsa. É um balão, que voa, mas se for espetado com uma agulha, esvazia num minuto. Ele já foi desmascarado várias vezes. O choque de gestão foi uma mentira dele. Essa cartilha do jeito de governar por metas, absolutizando o crescimento econômico das empresas e deixando em terceira ou quarta categoria as questões sociais, é dramática. O carro- chefe da economia do estado é a mineração. O que o governo estadual recebe de impostos da mineração? Migalhas de migalhas. Aécio Neves tem boa fama fora de Minas porque não é conhecido. Quem o conhece de perto, não vota nele, porque sabe que ele representa um projeto que beneficia os grandes empresários e não o povo.
Joana TavaresFonte: Brasil de Fato
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