A exploração mineira na América Latina não é problema de hoje, nem de ontem ou de 50 anos atrás. Para entender o saqueio e a retirada de recursos naturais de nossas terras é preciso voltar para tempos bem distantes, talvez seja preciso até remontar à chegada dos ‘descobridores’ estrangeiros ao continente americano. O fato é que desde esta época até hoje, a América Latina se mantém como principal destino dos investimentos mineiros.
No livro As veias Abertas da América Latina, o escritor uruguaio Eduardo Galeano diz que há dois lados na divisão internacional do trabalho: um em que alguns países especializam-se em ganhar, e outro em que se especializaram em perder. "Nossa comarca do mundo, que hoje chamamos de América Latina, foi precoce: especializou-se em perder”, sentencia.
Mas porque, mesmo sendo uma região tão rica, nos especializamos em perder? Por qual motivo deixamos que as nações desenvolvidas entrassem sem pedir licença e levassem tudo que poderia servir para alimentar sua ganância e aumentar suas riquezas?
O engenheiro de Produção e doutor em Política Ambiental Bruno Milanez, acredita que um dos fatores que estimulam a exploração mineira na América Latina diz respeito à questão geográfica. Exemplificando, ele afirma que "no caso do minério de ferro, apesar das reservas da China serem maiores do que as do Brasil, as nossas reservas têm maiores concentrações, o que torna a atividade mais lucrativa (de cada tonelada de solo retirada, as empresas conseguem obter maior quantidade de minério)”.
Para ele também é preciso olhar para outros fatores de produção, como trabalho e capital. Apesar de afirmar que a AL não está mais bem estruturada que Estados Unidos e Austrália, lembra que nossa estrutura é superior à da África.
Já o sociólogo Raimundo Gomes, do Movimento dos Atingidos por Mineradoras no Brasil, vê a situação pelo ângulo da exploração e facilidade de entrada em nações empobrecidas.
"Dentro da ordem mundial, as periferias da Ásia, África e América se submeteram à exploração de suas terras. Os governos têm esse comportamento de submissão e trabalham no sentido de geração de divisas a partir de seus produtos internos, para eles é uma grande oportunidade”.
Raimundo não deixa passar outro problema bastante conhecido em nações como as da AL: o afrouxamento das legislações ambiental e trabalhista.
"Não se cumprem essas legislações e o espaço se torna propício para a instalação de empresas. Além disso, os Estados ao receberem o capital internacional criam uma trincheira para protegê-lo. Há muito espaço e favorecimento para as empresas virem para cá. O que pagam para os Estados em compensação financeira é uma migalha, de 1 a 3% do lucro líquido. O problema é que muitos países são submissos e não se fazem respeitar”, critica.
Mas a exploração e roubo de que fomos vítimas não quer necessariamente dizer que perdemos porque ficamos de braços cruzados olhando os exploradores levarem o que é nosso por direito. No começo, apenas os povos indígenas, hoje também movimentos sociais lutam, brigam e fazem barulho para que a América Latina não se acabe nas mãos das grandes empresas mineradoras, especialmente do Canadá.
Magdiel Carrion Pintado, Presidente da Confederação Nacional de Comunidades do Peru Afetadas pela Mineração (Conacami), assegura com firmeza "que continua a resistência por parte dos povos e comunidade indígenas e locais, contra o saqueio e o roubo de nossas riquezas”. Para Magdiel, a exploração continua a mesma, só mudou de nome, saqueio agora se chama "desenvolvimento”, ironiza.
Essa luta também é dos integrantes da Coordenadora Andina de Organizações Indígenas – Caoi, que representa Equador, Colômbia, Peru, Bolívia, Chile e Argentina. Eles revelam que dentro deste processo de mudanças, lutas e disputas políticas e econômicas que a América Latina está passando, é preciso reconhecer que existem "inimigos poderosos, mas também estratégias muito poderosas”.
"Nossos processos de articulação avançam desde o nível local até o continental. Os povos indígenas estão construindo uma alternativa diferente aos modelos ocidentais”, afirma, assegurando que a luta não cessa apesar da falta de espaço de participação junto aos tomadores de decisões, situação que se apresenta como grande desafio.
Uma prova de que o povo está de olhos e ouvidos bem abertos para as decisões políticas relacionadas à mineração está no caso de Cajamarca, departamento peruano. A imposição à fina força do projeto mineiro Conga deslanchou em uma paralisação sem precedentes na história da região. Quase tudo parou, pois ganhou forma e vida um protesto acalorado para dizer que a mineração não era bem vinda.
"Conga constitui um fato emblemático, mais de 50% dos peruamos optamos por uma mudança do modelo econômico e político e Ollanta Humala chegou ao poder sob palavra empenhada de promover ‘a grande transformação com inclusão social’, no entanto, após a instalação no governo, está implementando a mesma fórmula política de seu antecessor, pior ainda, pretende impor pela via da força (Estado de Emergência e Militarização de Cajamarca) um megaprojeto que não é viável”, lamenta Magdiel Carrion.
Não é incomum os chefes de Estado se renderem aos encantos da mineração e do lucro que ela propicia. Os governos de países com grandes atrativos e reservas naturais cada dia mais se modernizam e criam aparatos para receber de braços abertos as transnacionais que trarão "desenvolvimento e progresso”.
Hoje, a América Latina tem a bagatela de mais de 2.100 empresas instaladas em seus países retirando principalmente de terras indígenas tudo que podem, seja ouro, prata, cobre, nióbio, ferro, manganês ou titânio. No olho do furacão estão México, Peru, Chile, Brasil e Argentina, onde se deve investir nos próximos anos 37 bilhões. Estes países estão na lista dos dez principais destinos da exploração mineira. Colômbia e Equador também estão sendo descobertos, ou seja, o ‘desenvolvimento’ começa a dar o ar da graça nestes países.
Atualmente, a América Latina é palco de 155 conflitos mineiros, envolvendo 168 projetos e 205 comunidades, segundo estima o Observatório Latino-Americano de Conflitos Ambiental (Olca). Com base na situação de Cajamarca, Magdiel Carrion prevê para 2012 um cenário complicado de exploração mineira e luta pelo direito de escolher o próprio modelo de desenvolvimento.
Natasha PittsFonte: Adital
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