APRESENTAÇÃO DA AGENDA
Lançamento da Agenda Latino-americana 2012
Jacareí, 03 de dezembro de 2011
Minha missão neste momento é apresentar a Agenda/Livro Latino-Americana mundial 2012, ou simplesmente a nossa “Latino-americana 2012”.
Por uma questão de justiça é preciso primeiro que se diga que tantas foram e são as pessoas diretamente envolvidas na elaboração e produção desta Agenda, que sinto não ser a pessoa mais indicada para fazer esta apresentação. Mas, por outro lado, também é verdade que todos esses que trilham ou que já trilharam o caminho com a Agenda, hoje contam com novos entusiastas, com a mesma determinação para darem continuidade a este tão bem sucedido projeto latino americano e também mundial, que não só me sinto a pessoa indicada, como também na obrigação de fazê-lo.
E entre esses que trilharam e ainda trilham o caminho com a Agenda quero citar o Mauro Kano, da cidade de São José dos Campos, que é um fiel colaborador da Agenda como tradutor e articulista; Frei João Xerri, colaborador inigualável no entusiasmo e na eficiência. A Tribo de lançadores da Agenda Latino Americana Mundial (título dado por D. Pedro Casaldáliga), que se reuniu pela primeira vez em São Paulo, no dia 13 de fevereiro de 2011, com pessoas de todo o Brasil; o Grupo Solidário São Domingos e, a Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil, com sede em Goiânia-GO, hoje responsável pela edição brasileira da Agenda.
Uma curiosidade interessante sobre a Agenda. Em 20 anos de existência foram impressas mais de 5.000 páginas; com mais de um (1) milhão de exemplares; logo no início já era traduzida em nove (9) idiomas e, também no seu início já era distribuída para mais de 20 países; foram produzidos mais de 700 textos, num total de mais de 400 edições locais, nacionais, e em seu gênero, é o livro latino-americano mais difundido.
D. Pedro Casaldáliga escreve o seguinte a repeito da Agenda:
“Para mim, a Agenda Latino americana (e Mundial) tem sido e é uma resposta comovedora às minhas inquietantes perguntas sobre o Terceiro Mundo, sobre Nossa América, sobre a intersolidariedade mundial. Em muitos centros políticos ou sociais, em escolas e universidades, está sendo a Agenda uma voz acolhida com muito carinho e eficiência. Um canal surpreendente de proximidade, mas além de muitas fronteiras, e de militância libertadora”.
Mas afinal, o que é uma Agenda?
Primeiramente não é um livro de leitura, como nos diz o Pe. José Maria Vigil, é simplesmente uma “agenda”: essa inseparável companheira a quem confiamos as anotações do trabalho e do descanso, os segredos dos dias iluminados e dos dias infelizes, das datas memoráveis e da rotina do dia-a-dia... Compartilhando nossa vida tão de perto, ela quer encarregar-se de selar cada um de nossos dias com um espírito latinoamericanista libertador.
Não é um livro de teses. Não quer afirmar nada por si mesma. Não é uma agenda neutra, eclética, ou um mero bloco de páginas riscadas para fazer anotações. Está embebida de uma opção: a opção pelos pobres.
Segundo Alfredo Bosi, escrevendo na contracapa da latino-americana 94, diz que a palavra agenda significa “o que se deve fazer”, a ação que deve ser feita, qual será o raio de minha ação no cotidiano e na História, quando e como se fará a minha intervenção em um mundo tantas vezes árduo, hostil, perigoso. Quem fala em agenda, diz projeto. Quem fala em projeto, acolhe no coração o verde da esperança. E quando se trata não tanto da nossa vida pessoal, mas da vida de um povo inteiro? E quando a agenda traz em si um desígnio coletivo para um continente chamado América Latina? Então, a palavra evoca luta, risco, obstinação.
Uma agenda empenhada no futuro só encontrará ânimo para a ação se descer aos subterrâneos da memória onde vive humilde e tenazmente a nossa possível identidade. Esta é a razão dos calendários que, como este, nos conta o que aconteceu aos nossos antepassados, mas deixam no branco da página o espaço reservado aos nossos projetos. O passado não se repete, é verdade, mas ensina a resistir e dá direito à imaginação.
Dentre os nossos projetos pessoais deveriam e devem caber também as Grandes Causas de nossa Pátria Grande, ou Grandes Causas da Nossa América. E aqui entendemos que Pátria Grande é muito mais que uma referência geográfica: é toda uma História comum, uma atitude vital, uma decisão coletiva.
D. Pedro Casaldáliga falando sobre as Causas, faz o seguinte comentário: Causa é o motivo ou razão para agir. Nossas Causas maiores são o motivo e a razão para viver, e para morrer, se necessários. Somos as causas que amamos aquelas pelas quais morremos de amor.
Esta Agenda já demonstrou sua razão de ser e, em suas muitas edições, dentro e fora de todo o Continente, vem fazendo razão de ser diária as Grandes Causas de nossa Pátria Grande:
- as culturas raiz e testemunho: indígenas, negras, mestiças, criola, migrantes;
- o popular alternativo, nosso socialismo latino-americano, a democracia outra, a integral;
- a mulher, ela, total, protagonista ombro a ombro (na Sociedade e... na Igreja);
- a ecologia integral, a humana, harmoniosa, contemplativa e funcional.
Continua ainda D. Pedro, a razão da razão primeira e última, que nos faz assumir essas Causas, que nos permite vivê-las, que faz com que elas se tornem luta e festa ao mesmo tempo, que assegura como final vitória: o Espírito.
O espírito, que é alento e paixão, vontade e impulso, ideal, motivação, mística. Temos espírito, somos espírito. O Espírito nos tem e nos faz ser o que somos. Como pessoas e como coletividade de Povos. E os cristãos e cristãs desta Pátria podemos e queremos viver esse Espírito, que faz a alma de Nossa América, no Espírito de Jesus Libertador.
Porque somos esse Espírito, porque o Espírito nos faz, assumimos essas Causas. Somente “com espírito” se pode viver as Causas Grandes.
Dito isto, voltemos agora o nosso olhar para a Latino-americana 2012. A feliz iniciativa em dedicar as suas páginas à Utopia indígena do Bem Viver, quer ao mesmo tempo nos inquietar, interpelar, provocar e desinstalar.
E como diz o Pe. José Maria Vigil, não se trata de uma novidade, mas de uma riqueza de sabedoria milenar que só nos últimos anos os povos indígenas estão trazendo à luz e oferecendo-a ao mundo como sua contribuição à aventura humana. Ouvir esta proposta acolhê-la, levá-la a conhecer no nosso Continente e fora dele, meditá-la, é o que queremos fazer nesta Agenda, somando-nos na reflexão coletiva que está se realizando dentro e fora do Continente sobre este Sumak Kawsay, na expressão em quéchua, a mais conhecida no Continente.
Margot Bremer, alemã, religiosa do Sagrado Coração de Jesus, que desde 1987 está no Paraguai, diz em seu artigo: “A Mulher e Sumak Kawsay, Bem Viver”, à página 104, que a utopia do Bem Viver concebida nas terras andinas da Abya Yala, há milhares de anos, inclui toda a sociedade humana e todas as formas de vida que existem na terra. Nela não deve haver desigualdade de direitos, nem entre a vida da natureza e a vida humana, nem entre homem e mulher, nem entre indígenas e não indígenas, nem entre grupos sociais, nem entre as divisões territoriais... Deve haver condições favoráveis de vida para todos. O que sustenta, fortalece e desenvolve esta vida em sua rica diversidade é a qualidade das inter-relações que apontam para uma comunidade cósmica. Esta comunidade é construída na diversidade sobre os princípios de Sumak Kawsay: reciprocidade, solidariedade, igualdade e respeito mútuo à diversidade. Conta com o apoio de todos. A prática deste inter-relacionamento na reciprocidade nasce de uma profunda sabedoria e espiritualidade cuja mestra é a própria Pachamama, que conduz tudo para uma convivência equilibrada entre as formas de vida que existem nela.
O Pe. Vigil nos diz que o Bem Viver deve combinar com um Bem Conviver: não vivemos bem se não convivemos bem, entendendo isto efetivamente em um sentido integral: convivência entre os humanos, convivência com as demais espécies, e convivência com toda a natureza em harmonia integral.
O que está em jogo sob a temática de todo este debate contido na Agenda é a inviabilidade do sistema atual e a necessidade de nos esforçarmos para encontrar uma alternativa, começando sem dúvida por mudar as nossas cabeças.
Em vez de apenas ouvir e acolher em profundidade esta proposta indígena do Bem Viver, queremos colocá-la em diálogo com as grandes Causas Latino-americanas, pelas quais sempre defendemos. Encaixam-se no Bem Viver as propostas que temos chamado de Causa Popular, Causa Indígena, Causa Negra, Causa Feminista e Causa Ecológica? Continuamos tendo um tempo hábil para as Grandes Causas, ou como dizem alguns, já não é tempo de utopias nem de projetos históricos?
E aqui quero acrescentar também as perguntas que a Drª. Raquel Guzzo faz com muita pertinência em seu artigo na Agenda à página 226:
Buscar saídas é próprio do ser humano. Por que hoje não buscamos lutar pelas “grandes Causas” e preferimos deixar nos levar pela correnteza? Por que vemos a cada dia a destruição em grande escala, dissimulada em uma imagem hipócrita e cínica de progresso, sem questionarmos como um alívio para nosso sofrimento existencial? Por que preferimos nos alienar e buscar conforto no que está posto? Por que entendemos que não temos saída e assumimos uma vida de escravos, sem experimentarmos a liberdade de viver em plenitude?
Poderíamos dizer, e é assim que o Pe. Vigil se expressa, que as Grandes Causas têm configurado para nós, a Utopia Latino-americana dos últimos tempos. O nosso Bom Viver tradicional latino-americano tem sido feito de esforço e paixão por estas Grandes Causas. Elas nos têm marcado as vias de ação e de praxe para lutar por outro mundo possível, que para os cristãos, é uma concretização daquele outro Bem Viver que Jesus anunciou e que chamou Malkuta Yahvéh, Reino de Deus. Por estas Grandes Causas temos nos esforçado generosamente, a elas consagraram as suas vidas os nossos velhos, e por elas entregaram suas vidas também os nossos mártires testemunhas.
E aqui reverenciamos a memória do profeta e mártir Oscar Romero, nosso grande homenageado. Acabamos de acompanhar a Ladainha de D. Oscar Romero, que vem comprovar a relevância desta homenagem. No dia 23 de setembro de 1979, ele dizia em sua homilia: “Que sejamos grandes, porque somos imagens de Deus e não podemos nos contentar com grandezas medíocres”. Era o seu sonho, a sua utopia de ver estabelecida a sociedade El salvadorenha ideal.
D. Pedro Casaldáliga vai dizer à página 10 da Agenda: a partir do seu primeiro número, faz 21 anos, esta obra tem assumido o desafio de contribuir, modestamente, mas com muita paixão, na análise e no compromisso das Grandes Causas da Nossa América. Mas alargando horizontes veio a assumir uma perspectiva latino-americana e mundial. As grandes causas são inevitavelmente mundiais, sobretudo agora em tempos de globalização. E são causas grandes porque abraçam nossas vidas, a Sociedade, o Planeta, o Universo.
E com a indignação de um verdadeiro profeta, D. Pedro afirma:
Esta palavra libertadora, em versão andina Sumak Kawsay, o Bem Viver, nos sai ao encontro como um evangelho de vida possível, digna e para todas as pessoas e todos os povos. Boa nova do Bem Viver frente ao mal viver da imensa maioria e contra “a boa vida”, insultante, blasfema, de uma minoria que pretende ser e estar ela sozinha na casa comum da Humanidade.
D. Pedro recorda um pensamento de Paulo Dávalos, economista e professor universitário equatoriano, e que vem reforçar e justificar a temática da Agenda:
Os movimentos sociais e em especial o movimento indígena propõem um novo paradigma de vivência e convivência que não se assenta nem no desenvolvimento nem na noção de crescimento, mas em noções diferentes como a convivialidade, o respeito à natureza, a solidariedade, a reciprocidade, a complementaridade (p. 11) e acrescento eu, a cordialidade.
E esse outro modelo de vivência e convivência é viável e possível sim, mesmo que os tempos de crise e de mudanças obscureçam nossas vistas.
O Pe. Alfredo Gonçalves, em seu artigo: “Grandes Causas Hoje: Bem Viver, Bem Conviver”, à página 37, nos ajuda a ver melhor, para além das crises: Se for verdade que depois da crise vem a encruzilhada, esta constitui o lado positivo daquela, pois crise é sinônimo de ambiguidade. Passada a angústia, o abatimento e a perplexidade que toda crise costuma produzir, vem a necessidade de levantar a cabeça e seguir adiante. E aí nos deparamos com a encruzilhada. Ela pressupõe uma dupla tomada de posição: por um lado, uma abertura às distintas alternativas que se descortinam, ao pluralismo cultural, social, político e religioso; por outro lado, a coragem de refletir, aprofundar as causas e consequências da própria crise, e de fazer novas escolhas. Numa palavra, na encruzilhada a crise torna-se fecunda, o deserto se revela fértil e a escuridão nos obriga a acender pequenas luzes. Luzes que se traduzem, hoje em dia, nas milhares de iniciativas populares que vão brotando do chão, com destaque para a economia solidária, e que apontam para a possibilidade de uma civilização renovada, onde a exploração e o acúmulo de poucos é substituído pela ideia do bem viver e do bem conviver.
No redemoinho das águas bravias, prima pela sabedoria e pela paciência de esperar o momento certo para tomar novo rumo. Enquanto as ondas estão muito fortes e elevadas, é impossível avistar o farol e orientar a frágil embarcação. Acalmada a tormenta, então sim, a luz passa a iluminar a noite escura, possibilitando remar com segurança em direção ao porto.
O Pe. Paulo Suess, em seu atigo: “Sumak Kawsay: horizonte, plataforma, aliança”, à página 43 da Agenda, afirma que o Sumak kawsay, o Bem Viver sempre será projeto, horizonte e esperança perigosa.
Por fim, um pensamento do teólogo italiano residente no Paraguai, Quinto Regazzoni: Ao ouvir Jesus falar no evangelho, constatamos como ele (definido como “Palavra feita carne”) levanta o ser humano em sua dignidade: livra os doentes, os pecadores e os endemoninhados de seu mal. A todos despede com uma palavra amiga: Shalóm, “Vá em paz”, desfruta de uma Vida Boa.
A Palavra salvadora de Deus já está agindo secretamente no mundo. Deus realizará essa utopia tão velha como o coração humano, o desaparecimento do mal, da injustiça e da morte.
Qual relação existe entre o Reino pregado por Jesus e o conceito de Vida Boa dos povos indígenas? Essa busca se traduz em uma atitude fundamental para o diálogo: a escuta atenta e a humilde e constante capacidade de aprender com os demais.
Prosseguindo com a celebração do Lançamento da Agenda, algumas pessoas serão homenageadas. Cada uma delas quer nos dizer do seu jeito particular que é possível vislumbrar muitas iniciativas para viabilizarmos o Bem Viver e o Bem Conviver. Cabe agora a cada um e cada uma de nós aqui presentes, de um modo todo especial a Irmandade dos Mártires da Caminhada de Jacareí, escolhermos a iniciativa que está ao nosso alcance, sob pena de trairmos a memória de D. Oscar Romero e a amizade e a confiança de D. Pedro Casaldáliga - o padrinho da Irmandade – bem como a amizade e a confiança dos nossos homenageados e das nossas homenageadas. Escolhendo uma iniciativa – pessoal ou coletivamente – por menor que seja, estaremos construindo desde já a sociedade ideal, em que a vida para todos seja vivida em plenitude. Contamos assim com o comprometimento e o empenho de todas e de todos na construção da sociedade do Sumak Kawsay – Bem Viver – Bem Conviver!
Assim seja! Obrigado!
Nivaldo Aparecido Silva
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