Somos milhões somente na cidade de São Paulo: moramos em barracos, aglomerados em cortiços e favelas, com pouquíssima infraestrutura do Estado, muitas vezes sem asfalto, sem água e luz regularizadas, com péssimas condições de transporte, dependurados em barrancos e em áreas de risco. Não escolhemos essa situação, pelo contrário, fomos e somos empurrados para ela todos os dias – pelo desemprego, pelos baixíssimos salários, pela ausência quase completa de políticas efetivas de planejamento urbano e social, por um sistema que nos usa e depois nos quer jogar fora. Somos trabalhadores, saímos em multidões todos os dias de madrugada das periferias para o centro, em ônibus insuportavelmente lotados, para ganhar nosso salário e sobreviver como podemos. Mas essa situação diante dos olhos dos poderosos e autoridades ainda parece pouco quando se aproximam grandes eventos e querem novamente nos usar e depois nos jogar fora, como se fosse possível voltarmos para a barriga de nossas mães.
Conhecemos durante esses anos, pela violência e ausência de diálogo, a política de remoção de moradias empreendida pelo governo, pois muitas famílias já foram removidas. Vimos como o governo aterroriza famílias e comunidades inteiras anunciando despejos da noite para o dia, marcando nossas casas com a tinta da demolição, retirando de forma gradual pequenas partes das comunidades até retirá-las por completo. Vimos como fazem para demolir violentamente o que conseguimos com o pouco que temos, junto com forças militares e, frequentemente, sem autoridades jurídicas e desrespeitando os nossos direitos e de nossas crianças. Vimos, por fim, que as alternativas que nos dão são insuficientes e ainda mais precárias que nossa situação anterior: o famigerado cheque-despejo, geralmente de 5 mil reais, que exclui de qualquer outra política pública quem o recebe, ou o bolsa-aluguel, de 300 reais por 6 meses, que quando acaba leva milhares a morar nas ruas. Sabemos que entre 2005 e 2010 já foram removidas mais de 60 mil famílias nessas circunstâncias.
Conhecemos também, pois os procuramos constantemente, e sem desmerecer os esforços dos defensores e promotores públicos, os limites das vias jurídicas em dar resposta em tempo hábil para as milhares de famílias que rapidamente são jogadas ao léu pelas remoções. Acompanhamos os processo de muitas comunidades e também os processos contra as alternativas que nos dão, principalmente o cheque-despejo. E sabemos que são raros os casos em que a Justiça consegue dar uma resposta que aponte para melhorias ou construção de moradias dignas.
Dito isso, viemos denunciar nesse Manifesto a situação de calamidade a que estamos submetidos. Está em andamento pela Prefeitura de São Paulo e outras prefeituras da Grande São Paulo o maior processo de remoção forçada de famílias pobres da história dessas cidades. Hoje, segundo o IBGE, há mais de 130 mil famílias morando em áreas de risco em São Paulo, e essas serão removidas entre 2011 e 2015. Somando as remoções por obras públicas, como o Rodoanel, estádios, canalização de córregos, piscinões, avenidas e metrôs, às atingidas no Projeto Mananciais e obras do PAC I e PAC II, esse número cresce assustadoramente. Como preparação para a Copa do Mundo e a Olimpíada, com seus megaprojetos e megaconstruções, a população pobre da Grande São Paulo sofrerá um massacre silencioso e à luz do dia.
Quanto há de hipocrisia quando, em nome do Meio Ambiente, querem nos tirar a casa, se são as próprias grandes obras, usinas e indústrias que mais desmatam e prejudicam o Meio Ambiente? Quanto há de cinismo quando, em nome de grandes eventos, querem nos tirar o pouco que temos para que o mundo não veja a pobreza do Brasil? E não somos nós mesmos que estaremos trabalhando dia e noite na construção de tudo que está para ser feito para esses grandes eventos? Não somos nós mesmos que subiremos tijolo por tijolo, viga por viga, os novos estádios, as novas avenidas? Não seremos nós que estaremos trabalhando para erguer todas as novas estruturas e fazê-las funcionar? Viemos denunciar e pedir solidariedade a todos e todas para que esse massacre não aconteça. É hora de luta.
Contra os despejos e remoções!
Moradia digna, já!
Luta Popular
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