domingo, 4 de setembro de 2011

Comunidades Eclesiais de base e pequenas comunidades


2008 - Memória

É tudo a mesma coisa?

Em fins de agosto de 2008, o Instituto Nacional de Pastoral (INP), órgão vinculado à CNBB, realizou um seminário de estudos intitulado “Igreja, Comunidade de comunidades. Experiências e avanços”. Ali ofereci uma Oficina, chamada “Comunidade e CEBs”, onde procurou-se problematizar e diferenciar dois termos que foram usados no Documento de Aparecida: o de pequenas comunidades e comunidades eclesiais de base.

Sabe-se que durante a V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e Caribenho, muitos bispos gostariam de ter visto o termo “CEBs” fora do documento final, preferindo a ampla divulgação da expressão “pequenas comunidades” e que, por sinal, é um muito utilizado pelo movimento neo-catecumenal.

Nossa atividade partiu das seguintes questões: este opção por pequenas comunidades foi meramente semântica ou haveria (ainda!?) um problema de eclesiologia em relação às CEBs? Qual seria a eclesialidade de uma pequena comunidade? Um grupo que se reúne para rezar o terço numa capela, ou para reflexão bíblica, ou mesmo um círculo bíblico é uma pequena comunidade ou seria uma CEB?

Diante destas questões procurou-se trabalhar a eclesialidade das CEBs de um ponto de vista mais sociológico, entretanto, sem perder de vista a teologia. Os elementos constitutivos de uma Comunidade de fé, communitas fidelium, de uma “Comunidade dos que crêem em Cristo”, que é a Igreja, e que são fundamentais para a sustentação de todo o edifício eclesial são: a Fé, a Celebração dos Sacramentos, a Comunhão e a Missão.

A referência maior de toda a fé eclesial é a Palavra de Deus, a prática/missão de Jesus e a confiança/esperança na força carismática do Espírito Santo. É deste elemento que se desenvolve o eixo do Anúncio, a proclamação da Boa-Notícia, “colocando o Evangelho na vida e a vida no Evangelho”. Desse confronto mútuo nasce a dimensão da libertação de toda injustiça e a fome e sede de participação e comunhão na sociedade e na Igreja.

Uma Igreja não vive só de fé, mas principalmente das celebrações da fé. Trata-se, sempre, não tanto de realizar um rito, mas de celebrar a vida de fé vivida em comunidade, “ritualizar a vida diante de Deus e dos irmãos”. Aqui é que se desenvolve nas comunidades o eixo da Ação Litúrgica. A comunhão constitui uma palavra chave de toda e qualquer compreensão do mistério cristão e da realidade teológica da Igreja.
Há uma comunhão entre todos os fiéis (koinonía) porque todos, pela fé e pelo sacramento, participam da natureza divina do Pai, do Filho e do Espírito Santo; do corpo e do sangue do Senhor.
Essa comunhão está na raiz da comunidade como aquele grupo de pessoas que se encontram por causa da mensagem da fé, que nos revela a comunhão de Deus conosco e de todos os fiéis com Deus.
Desta forma, o eixo da Colegialidade proporciona aos cristãos, que atuam na comunidade, se atenderem mutuamente, fazendo com que a responsabilidade seja sempre co-responsabilidade no campo do anúncio (profecia), da organização (dimensão régia) e da celebração (sacerdotal).

Por fim, o último elemento fundamental da eclesialidade é constituído pela missão e pelo serviço aos homens no mundo. Como se acede mais facilmente ao ministério de Jesus a partir de sua missão divina, assim se compreende melhor a natureza da Igreja a partir de sua missão. E a missão básica da Igreja reside na evangelização: levar adiante a mensagem de Jesus sobre o Reino de Deus e procurá-lo dilatá-lo na história dos povos. A Igreja encontra duas realizações principais de sua missão: na profecia e na pastoral. Pela profecia, a comunidade anuncia a vida do Reino e o Reino da vida, mas também denuncia as forças do anti-reino e da anti-vida. Pela pastoral, a comunidade cristã acompanha as pessoas e os grupos humanos em sua situação concreta, anima a esperança, promove a vida e a total abertura aos outros, ao mundo e a Deus, criando comunidade de fé, esperança e amor comprometidas com a libertação integral.

Desta forma, foi possível então apresentar uma tipologia-ideal de uma Comunidade Eclesial de Base, algo que muitos estavam desejosos de ouvir como resposta a pergunta: o que é mesmo uma Comunidade de Base? Como se define? Como ela se apresenta na realidade? Antes de qualquer coisa temos que deixar claro que CEBs não são “pastorais” e muito menos um “movimento”. São comunidades de base eclesial e não uma comunidade de base qualquer, como um grupo de vizinhança, de amigos de trabalho etc. Podem surgir até mesmo destes grupos, mas não podem ser reduzidos a eles.

As CEBs são fundamentalmente “estrutura de Igreja”, uma forma de organizar a Igreja. São “eclesíolas”, micro-igrejas, são “células eclesiais”: igrejas celulares, igrejas “em um ponto pequeno”, igrejas “de base”. São as unidades eclesiais menores, mas unidades relativamente completas e autônomas, dotadas dos elementos constitutivos de uma Igreja, como acabamos de descrever acima.

Lembrando, também, que temos que distinguir claramente a diferença entre paróquia e matriz, que para muitos seria a mesma coisa. Paróquia aqui é entendida como “comunidade de comunidades”. Para efeitos didáticos, vamos caracterizá-la chamando de os 4 “C’s” das CEBs , correspondentes aos 4 elementos citados acima:

1º) Círculos Bíblicos, ou Grupos de Reflexão Bíblica , a partir do método de leitura bíblica popular (“olho na Palavra e olho na Vida”). Os membros das CEBs se apropriam da Palavra, pois lêem e comentam as Escrituras no espírito eclesial e da comunidade; pregam nas celebrações, proferem palavras de consolação e de animação nos encontros, testemunham sua fé na vida cotidiana e nos locais de trabalho;

2º) Celebração Semanal , muitas vezes sem a presença do padre (não por vontade das CEBs, mas por pura falta de sacerdotes), dirigida por uma equipe de liturgia (geralmente Celebração da Palavra com a distribuição da Eucaristia). O povo das CEBs mostra-se, aqui, altamente criativo. Assumem funções nas liturgias, montam celebrações comunitárias de distintos gêneros (penitencial, de ação de graças, de recordação dos mártires populares, via-sacras etc.), reinterpretam de forma inovadora tradições devocionais como o rosário, as ladainhas e os benditos ;

3º) Conselho Pastoral Comunitário . São homens e mulheres que, geralmente em forma colegiada, assumem a animação e a condução de toda a comunidade. Ali estão presentes a(o) catequista, a senhora do Apostolado da Oração, o(a) jovem da RCC, o pessoal da CPT, a(o) animadora(or) da comunidade e outros. Todos os assuntos são apresentados à comunidade e discutidos por todos até se chegar a um consenso. Ouvem-se todas as pessoas e fazem-se as revisões para ver se as decisões tomadas e assumidas comunitariamente foram cumpridas; e

4º) Compromisso Sócio-transformador . Fundam círculos bíblicos, implantam novas comunidades eclesiais, criam grupos de oração/reflexão/ação, fazem missões populares, organizam encontros de aprofundamento da fé confrontada com os desafios da sociedade, particularmente dos pobres, empenham-se nos grupos de ação, justiça e paz na defesa e promoção dos direitos humanos.

É o suficiente apresentar estes 4 “C’s” para uma comunidade ser uma CEB? Não! Estes são elementos estruturais. Falta a dimensão carismática, que dinamiza a estrutura da instituição; aquilo que perpassam transversalmente todos eles: a mística, a espiritualidade libertadora, centrada na causa do Reino de Deus, na opção pelos pobres e na sua dimensão profética.

Por esta causa muitos/muitas foram martirizados/matirizadas. As reações dos participantes da Oficina podem ser agrupadas aqui em dois blocos de perguntas propostas para o debate:

a) Como se vive a experiência de CEBs em sua realidade e quais são as ressonâncias?

b) Quais são os obstáculos para a experiência de CEBs?

A grande maioria de nossas dioceses e paróquias está organizada a partir do modelo de CEBs. Isso aparece em muitos Planos de Pastoral e nas articulações das pastorais.

Por outro lado, as CEBs aparecem como uma pastoral entre outras existentes na paróquia, muito mais como “Igreja com CEBs” que “Igreja de CEBs”.
Alguns grupos de reflexão/círculos bíblicos se afirmam como CEBs, até como uma forma estratégica de sobrevivência.

As CEBs não são formadas só por pessoas com mentalidade de CEBs, pois nelas também estão presentes pessoas ligadas a RCC e de outros grupos e movimentos.

Vários participantes revelaram dificuldades em reconhecer uma CEB, bem como constataram sua inexistência em algumas dioceses. Vários constataram a existência de uma crise nas CEBs e a necessidade de reinventar, resignificar estas comunidades.

Disputas internas nas comunidades em torno das questões ministeriais e de poder. Os “novos ministérios não são reconhecidos pela Igreja”. A coordenação de CEBs se distanciou das bases, se “encastelou”, mantêm o discurso antigo e não dialoga mais, acaba tendo dificuldades em entender a realidade vivida pelo povo.

A politização da comunidade nem sempre vem acompanhada de uma mística pessoal e comunitária. A Igreja institucional mudou, já não apóia tão abertamente o engajamento sócio-transformador. Perdeu-se o horizonte sobre o lugar do pobre. Esvaziamento dos círculos bíblicos, redução do papel do Conselho de Pastoral e de outras instâncias de comunhão e participação.

No entanto, nas CEBs estão presentes a visão de que a comunidade é o Povo-de-Deus a caminho. A teologia do Povo-de-Deus é um ganho do Vaticano II, e possibilita o surgimento de novos ministérios e serviços.

A democracia no Brasil, a superação da injustiça e de todas as formas de exclusão passam pelas CEBs. Num mundo fragmentado e vazio de sentido, as CEBs apontam para uma espiritualidade libertadora.
As CEBs podem, de fato, levar adiante o projeto de rede de comunidades. Neste sentido, elas são a superação da Paróquia em seu formato tradicional.

Nas CEBs, estão presentes um horizonte eucarístico, que vai muito além do culto à “hóstia consagrada”; uma adesão à causa dos pobres, que vai muito além de assistencialismos; uma experiência mística do encontro com o Deus da vida, que vai além de moralismos e do individualismo.

Profº Sergio Ricardo Coutinho

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