segunda-feira, 23 de maio de 2011

Plano federal de combate à miséria não vai 'zerar' número de pobres

Coordenador do programa, ministério do Desenvolvimento Social diz que fez 'pacto' com a sociedade ao anunciar público alvo de 16,2 milhões de pessoas. Número ajuda a elaborar plano e servirá para governo avaliar andamento e opinião pública cobrar resultados. Para pesquisador, restrições orçamentárias e oscilações da renda dos pobres tornam 'impossível' zerar miséria, mas redução dela poderá ser comemorada como 'erradicação' do mesmo jeito que taxa baixa de desemprego é 'pleno emprego'.

BRASÍLIA – A meta do governo de tirar mais de 16 milhões de brasileiros da pobreza extrema, com plano que deve ser lançado em junho, é difícil de cumprir e não quer dizer que não haverá nenhum miserável no país em 2014. Ela deve ser encarada como bússola na construção das políticas anti-pobreza e como referência para medir a eficiência delas, segundo o ministério do Desenvolvimento Social, que coordena a elaboração do plano.

“É importante ter um ponto de partida e que ele seja definido de forma racional, para sabermos qual o foco e como medir os resultados”, disse o secretário-executivo da pasta, Rômulo Paes de Souza. “O que nós fizemos foi uma pactuação com a sociedade: 'o governo quer ser cobrado dessa maneira'”, completou ele, explicando que haverá relatórios anuais para avaliar o andamento do programa.

O público alvo do plano foi definido a partir do censo demográfico que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) fez no ano passado. O governo decidiu que pobreza extrema no Brasil significa ter no máximo R$ 70 reais mensais. Pelo censo, há 16,2 milhões de pessoas nesta situação. “Com uma linha de corte muito baixa, é mais difícil ter resultados. Se fossem 22 milhões, por exemplo, seria melhor para mostrar resultados”, afirmou Souza.

Diretor de Estudos e Políticas Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Jorge Abrahão de Castro concorda que “focar nos que precisam mais é extremamente complicado”. Para ele, o grande desafio será fazer com que as ações oficiais cheguem de fato até àa 16,2 milhões de pessoas.

O IBGE ajudou a identificar o contingente de miseráveis, mas não relevou – nem poderia, por razões legais – nome, sobrenome e endereço deles. O governo espera encontrá-los no cadastro de 20 milhões de famílias do ministério do Desenvolvimento Social que serve, por exemplo, para pagar os benefícios do bolsa família, que vai compor o tripé do programa em elaboração.

O plano pretende combinar o pagamento da bolsa com ações que levem bens e serviços (sobretudo de infra-estrutura) aos pobres e de “inclusão produtiva”, que ajudem a pessoa a ter condições de viver por si só.

Segundo Rômulo de Souza, o governo ainda discute o orçamento do plano. Pode ou não haver acréscimo de dinheiro tanto no bolsa família, que recebe cerca de R$ 16 bilhões anuais, quanto em outras oito áreas que farão parte do programa. “Como já temos uma proteção social considerável, a pedra de toque do plano é a articulação de políticas”, afirmou o secretário-executivo, minimizando a importância das cifras.

Para Jorge Abrahão, sem dinheiro sobrando e tendo de focar o trabalho num determinado grupo, é “impossível” erradicar a pobreza extrema. “Nunca vamos ter 'zero pobres'. A renda das pessoas é volátil, as pessoas ficam circulando entre pobreza e pobreza extrema, e a pesquisa [do IBGE] foi feita num determinado momento”, disse o especialista. Os resultados do futuro plano, afirmou, deveriam ser vistos como o desemprego no mercado de trabalho, em que taxa de 3% é considerada “pleno emprego”.

“Não vai zerar mesmo, porque nenhum fenômeno social zera, só zera com a extinção física das pessoas”, disse Rômulo de Souza, que, junto com Jorge Abrahão, participou nesta sexta-feira (20/05) de seminário sobre pobreza extrema promovido em Brasília pelo Ipea.


Fonte: Carta Maior

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