Algumas reflexões sobre as comunidades de base.
Durante 30 primeiros anos da experiência das CEBs, estas foram apresentadas como um modelo de Igreja que supera o modelo de cristandade (aliança entre a Igreja e o Estado e a elite da sociedade) e propostas como "um novo modo de toda Igreja (deveria) ser”. Eu penso que as principais características das CEBs , que as diferenciava do modelo "tradicional” da igreja católica eram:
a) relações interpessoais e comunitárias entre seus membros, possibilitadas pelo número menor de membros e pelo incentivo de participação e diálogo;
b) rompimento do clericalismo e a vivência de uma igreja "povo de Deus”, onde o padre não era alguém especial, sagrado, mas todos eram cristãos pelo batismo e padre (ou pastor, porque mesmo em menor número houve experiência semelhante no mundo protestante) tinha uma função especial;
c) a centralidade da Bíblia, substituindo o "catecismo” como o meio principal de formação e de argumentação religiosa;
d) abertura aos problemas concretos da vida social, que trazia para dentro da cebs e da discussão religioso-teológica temas econômico-social-político;
e) a opção pelos pobres e articulação entre práticas pastorais e movimentos populares e sociais como resultado da nova compreensão da missão: "construir” o Reino de Deus e não mais aumentar o número de batizados e catequizados.
Tudo isso era resumido no próprio nome: comunidade (diferente de grandes e, muitas vezes, frias paróquias) eclesial (centrada na Bíblia e na consciência da missão cristã) de base (formada por pessoas da base da sociedade e da igreja lutando pela vida das pessoas que vivem na "base” da sociedade).
Passadas dezenas de anos após o fervor, tanto dentro quanto fora das igrejas, em torno das CEBs,devemos reconhecer: foi uma novidade "revolucionária” na Igreja e também na sociedade. Apesar das grandes conquistas, muitos de nós ficamos frustrados ao olhar por essa caminhada e ver hoje que o "fogo” passou e parece que o velho modelo conservador venceu. Eu penso que uma boa parte desta percepção se deve à metáfora do Êxodo.
Tendo como pano de fundo a expectativa da "passagem plena” de um modelo tradicional, vertical, sufocante e desvinculado dos problemas reais da vida para uma Igreja que seria CEBs, é claro que o resultado final é decepcionante. Mas, se julgarmos os resultados a partir de uma outra metáfora, a do "sal da terra (igreja)”, podemos ver que conseguimos muitas coisas, o jeito de a Igreja ser mudou. Até mesmo a reação mais conservadora do interior da Igreja também teve que se adaptar e assumir certas novidades das CEBs .
Além disso, o enfraquecimento é também devido ao seu sucesso. Na medida em que as CEBs fazem diferença positiva na vida local, elas crescem e com o número maior de pessoas, as relações interpessoais e comunitárias se enfraquecem. Mais, comunidades maiores "atraem” párocos, enviados por bispos mais preocupados com o crescimento da igreja do que com RD. Párocos pensam a partir do modelo de paróquia, (que não é problema quando só expressa o tamanho da comunidade) que reintroduz o clericalismo, a diferença qualitativa (e não só de ministério) entre padre e o leigo.
As CEBs, como sal, deram mais sabor à vida de muitas pessoas na sociedade e nas igrejas, mas, como sal, também se modificam e são modificados na realização da sua missão. É preciso deixar um pouco de lado o saudosismo e pensar em novos modelos que possam hoje fazer o papel do "sal da terra”. Novos modelos que mantenha o espírito de relações comunitárias, a centralidade da Bíblia (e não a doutrina ou catecismo), inserção na vida social e a opção pelos pobres, dentro de um novo marco de organização e funcionamento.
Comblim, na conferência publicada na Adital, sobre evangelho e a atual situação da Igreja Católica, pensava que o futuro da Igreja Católica está ligado aos leigos. E diante de bispos e padres que não lhes permitem atuação relevante na sociedade em nome da fé, ele propõe que leigos/as procurem formar "um sistema de comunicação, um sistema de espiritualidade, um sistema de organização de presença na vida pública, na vida política, na vida social” que seja autônomo. Acho que vale a pena pensar com profundidade esta sabedoria do nosso saudoso padre Comblin.
Jung Mo Sung Coord. Pós-Graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo
Fonte: Adital
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