DESAFIOS E PROPOSTAS
No dia 28 de janeiro de 2011, estive presente na Ampliada das CEBs reunida no Centro de Expansão da Diocese de Crato, Ceará, para organizar os passos rumo ao 13º Intereclesial planejado para acontecer, em janeiro de 2014, em Crato e Juazeiro. Fui convidado pelo Secretariado do 13º, para uma tarefa bem específica: motivar a discussão sobre a importância de um Projeto de Arte na Caminhada das CEBs, tema sentido, como urgente, por muitos de nós, principalmente da área artística e sempre recorrente por ocasião dos grandes eventos.
Durante pouco mais de uma hora, conduzimos nossa conversa, temperada com músicas e testemunhos em três níveis:
- Nossa percepção do que é a Arte para nós;
- Memória e Missão da Arte na Caminhada das Comunidades;
- Projeto de Arte na Caminhada – desafios e possibilidades.
Iniciei com um breve testemunho, em que compartilhei com as pessoas da Ampliada, um pouco de minha história, desde os primeiros passos na comunidade onde nasci, o Sítio Aroeiras, município de Orós/CE, bebendo nas tradições das novenas e benditos de Mãe Suzana e, quando na década de 1970, criamos o primeiro Grupo do Dia do Senhor, para celebrações da Palavra aos domingos, já recorrendo à arte,através das dramatizações do evangelho, histórias populares e músicas, passando pelo período em que morei na cidade de Iguatu, onde fundamos o TAI (Teatro de Amadores de Iguatu), ensaiando os primeiros passos com a literatura de Cordel.
Contei do tempo em que morei em Crateús e Estudei Teologia em Recife, quando entrei no campo das composições musicais (entre 1981 a 1990).
Neste ano de 2011, estou celebrando os 30 anos da primeira música: “Povo Novo”, espalhada pela PJMP (Pastoral da Juventude do Meio Popular). Atualmente, além das viagens, temos o Projeto Sertão Vivo, na roça de Orós, que por quase 15 anos apostamos na arte, nos cuidados com a saúde e na sensibilização e educação ambiental.
Após esse relato, perguntei para as pessoas presentes o que é arte, nas suas experiências de vida e missão. “Beleza, encanto, mística, inspiração da alma, força de animação das lutas, cultura, dança, pintura, poesia, alegria, expressão de nossa identidade...” foram algumas das palavras vindas dos corações presentes.
Seguindo a reflexão, procurei resumir minha percepção e experiência com arte em suas dimensões:
a) Arte-educação – quantas belas experiências existem por aí, sensibilizando e capacitando pessoas para um olhar contemplativo e de encanto sobre o mundo e a história, para a criação da beleza, para novos comportamentos proféticos, abertos ao diálogo e convívio nas diferenças, para construção de Culturas de Vida e Paz;
b) Arte-profissão – quando em 1988, fiz a opção de sobreviver da música e da poesia, não foi fácil, não era conhecido e fui alertado, por Dom Fragoso, então bispo de Crateús, com quem convivia e trabalhava, de que poderia enfrentar dificuldades. Fui descobrindo que o artista pode sim, viver do suor de sua arte. Aqui relembro uma frase do poeta nicaragüense, Carlos Fonseca, impressa numa nota de dinheiro: “não somos peixes para viver da água, não somos aves para viver no ar, somos homens para viver da terra”, aqui vale a adaptação: “somos artistas, para vivermos da arte”.
Na época em que criamos o MARCA – Movimento de Artistas da Caminhada, um desafio pouco trabalhado foi exatamente a diferença entre artistas de profissão e artistas com outras profissões. Chamávamos de “artistas militantes” e “militantes artistas”. Hoje é possível e necessária uma melhor abordagem, incluindo aí nas leituras de conjunturas e estudos, o tema das produções e do mercado de arte, em todos os campos: música, moda, culinária, feiras, festas, produções visuais etc.
Como esse tema se faz presente na chamada Economia Solidária? Temos lamentado, quando nos reunimos, sobre as dificuldades encontradas; não raras vezes, quando acontece algum convite para criarmos ou apresentarmos nossas artes em Igrejas ou outros espaços coordenados por pessoas vindas das Comunidades e Movimentos Populares, que tudo parece mais exigente e difícil. Há situações em que nos pedem para atuar voluntariamente, em eventos beneficentes, mas nos mesmos eventos, contratam artistas ou bandas comerciais e pagam seus cachês.
Há situações mais graves em que pagamos pra trabalhar, pois nem somos perguntados(as) se tivemos alguma despesa de viagem. Vale fazermos uma alusão ao descaso com a memória dos nomes e dos direitos autorais, nas obras postas e circuladas entre nós. Não será essa uma questão de justiça, importante e em sintonia com tema do próximo Intereclesial a estarmos atentos?
c) Arte-terapia – muitas experiências, em muitos lugares, nesse campo do cuidado e até da cura de graves problemas de saúde, através da arte que desperta, motiva, eleva o ser humano, para a sua vocação e missão holística! Tais experiências – dança,teatro,hip-hop,pintura... estão notadamente nas periferias das cidades, onde a arte está oferecendo alternativas de vida e saúde humana para as crianças e jovens em situação de risco, pelo tráfico de drogas e a cultura da violência.
d) Arte-sacra, celebrativa –está presente com todas as suas linguagens, desde os tempos mais remotos, nos templos e nos mais diferentes rituais. Quantos(as) artistas e movimentos, existiram, que mesmo tendo que sobreviver com as chamadas encomendas e censuras, deixaram as suas marcas proféticas na Caminhada da humanidade.
Hoje, nas celebrações populares, romarias, liturgias, como estamos percebendo e refletindo sobre o papel das artes e seus (as) artistas?
Como encaramos a dicotomia imposta pelos setores mais reacionários entre o que classificam como “arte sacra”, aquela criada e usada dentro das Igrejas, versus “Arte mundana ou, profana”,a que circula no âmbito da sociedade civil?
Como estamos percebendo os movimentos do mercado crescente e lucrativo nesse campo da arte sacra? Assim como existe hoje o agro-hidro-negócio, estamos vendo crescer também o “sacro-negócio”. Temos estudado muito pouco o fenômeno dos padres cantores e outras expressões, infladas pela grande mídia.
As CEBs, a meu ver, vem mantendo certo retraimento sobre construção de um projeto de arte, não ocupando um espaço importante, para trazermos a discussão sobre os conteúdos, a nossa relação com Teologia da Libertação, com as Culturas atuais e com as categorias artísticas.
Com apoio de Batista, do secretariado do Intereclesial e de Marcos, artista plástico e padre em Valença-RJ, trouxemos uma rápida memória da arte na Caminhada das CEBs, em especial nos grandes encontros, iniciando pela apresentação dos cartazes de todos os Intereclesiais; tecendo alguns comentários emocionados de pessoas presentes que viveram aqueles momentos marcantes. Temperamos com cantos criados naqueles tempos favoráveis. Lembramos nomes de quem contribuiu com criações artísticas significativas – Patrício, o cego poeta do Maranhão, Pe. Leôncio Asfuri, do Acre, Zé Germano, o violeiro do Ceará, Dona Rosa Dias do DF, Zé Martins, companheiro cantor, falecido em 2009, Cerezo Barredo, Domingos Sávio, Adélia Carvalho, Anderson Augusto e Elda Broilo nas artes plásticas, só para lembrarmos alguns, entre tantos nomes.
Vimos alguns caminhos seguidos nos campos das produções.
O primeiro e muito eficaz, tem sido esse do cuidado e das publicações locais. A primeira gravadora precisa ser sempre o coração da Comunidade. Da fitas k-7, aos CDs artesanais, das camisetas aos DVDs, criados nos fundos de quintais.
Outro caminho aberto, se deu no âmbito das Editoras mais conhecidas: Paulinas, com a coleção “Canto das Comunidades” em discos (LPs),depois em CDs e livros. A Paulus, em primeiro tempo, nas áreas dos livros e depois em CDs, VERBO FILMES, com todo o acervo de filmes históricos, como “Pé-Fé na Caminhada” entre outros e o antológico Disco “Caminhada dos Mártires”, feito com orientação de D. Pedro Casaldáliga.
O CEBI, com vasta produção popular sobre a leitura popular da Bíblia e o CD “Em nome do primeiro amor” (Paulus). Nos últimos Inter-eclesiais, Zé Martins e Angela, através do CENOR (criado por ele), coordenou a produção musical, voltada exclusivamente para as celebrações e animação da caminhada interna das CEBs. Tem também várias produções chamadas “independentes” circulando e motivando a nossa caminhada.
Foram vários os comentários, sobre os conteúdos e os símbolos presentes nos cartazes e outras criações artísticas – a Bíblia, o mapa da América Latina, a cruz, o anel de tucum, o caminho,o trem... - a proposta eclesial e política presentes em nossa vasta criação artística, o espaço Memória e Caminhada, cuidado pelo Irmão Renato em Brasília, apresentado por Sérgio Coutinho e Pe. Nelito, já tem um acervo importante.
Parece urgente, a pesquisa mais apurada e a criação de espaços e eventos para possibilitarmos uma maior visibilidade de nossa memória artística, com a devida referência e reverência a quem cria e acredita na arte, como uma fonte viva que anima e alimenta as profundas razões de vida e organizações populares.
PROJETO DE ARTE NA CAMINHADA DAS CEBs – DESAFIOS E POSSIBILDADES
Temos consciência do potencial artístico presente na Caminhada das CEBs e Movimentos Populares?
Está claro, para nós artistas da Caminhada, agentes pastorais, assessores,bispos e padres que acompanhamos essa Caminhada, que a arte pode ser considerada como Ministério importante a serviço da vida comunitária e da missão na construção de outro mundo possível, segunda a mística do Reino do Divino Artista da Vida?
A meu ver parece claro que temos dedicado pouca atenção a esse tema, e vamos reproduzindo a cultura de mercado, que sobrevive de encomendas, para seus eventos de impacto passageiro e que precisa sempre de outro evento para passar novo produto, sua marca. Nesse sentido lembrei na Ampliada de Crato, que não tenho usado tanto a expressão CEBs, nas músicas que componho, mas espero não deixar dúvidas quanto às bandeiras e causas cantadas, como sendo da Caminhada das Comunidades Eclesiais de Base; mas também estão nas mãos e corações das Pastorais Sociais e Vários Movimentos Populares. No nosso caso, não me sinto tranquilo, quanto ao destaque absoluto da marca “CEBs”. Penso que poderíamos repensá-la, procurando evidenciar mais as grandes causas as quais estamos assumindo. Poderemos ter nas CEBs uma boa marca, estilo etiqueta do Reino, mais discreta, evidenciando os grandes conteúdos que assumimos.
No curto espaço de tempo, dedicado ao assunto, apenas levantamos alguns desafios e possíveis ações a trilharmos, considerando a importância de construirmos um Projeto de Arte mais em longo prazo, assumindo alguns bons desafios, tais como:
· Mapeamento do que existe de artes na caminhada, criadores(ras) e produtores(ras), contemplando a diversidade de crenças e culturas existentes hoje;
· Criarmos um programa destinado à capacitação de artistas, promotores de eventos e vendedores, seguindo a dinâmica da Economia Solidária;
· Motivar algumas pessoas responsáveis pelas assessorias, para que pesquisem e escrevam sobre esse tema “arte” na Caminhada das CEBs. Na ocasião, lembramos ao Manfredo Oliveira, Benedito Ferraro e outros homens e mulheres que nos acompanham sempre, solicitando mais atenção sobre esse assunto;
· Na perspectiva do 13º Intereclesial, já estão marcados alguns eventos, como o Seminário com artistas, a produção de algum subsídio musical,mas aberto,para os meios de comunicação etc. Que rumo queremos imprimir a esses eventos? Como organizar melhor a nossa missão nessa área artística, nos vários campos – música, artes plásticas, moda alternativa, culinária, artesanato etc.?
· Ver como planejar melhor e preparar mais a presença de artistas das comunidades e regionais nas delegações que virão para as Ampliadas e ao intereclesial.
· É urgente pensarmos na criação de um Setor, com estrutura mínima e recursos, para esse serviço, mais em longo prazo. Penso que esta não é mais uma tarefa só de uma pessoa, nem de uma equipe localizada, mas é uma responsabilidade do conjunto das CEBs, através de suas instâncias representativas.
· Estudar mais profundamente a relação arte e liturgia nas CEBs.
· Lembramos que a CNBB, oferece o prêmio “Margarida de Prata”, a filmes brasileiros que tratam de temas coerentes com as causas defendidas pela Igreja, não seria interessante abrir para outras linguagens de artes, que brotam na Caminhada?
Agradecido pela atenção e carinho com quem a turma da Ampliada Nacional, acolheu e entrou na reflexão e a sinalização para trilharmos juntos, abrindo novos caminhos para a Arte na Caminhada.
Zé Vicente – poeta-cantor
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