sábado, 5 de fevereiro de 2011

Com a beatificação de João Paulo II, o que faz um santo ‘a jato’?

Os casos mais rápidos de canonização têm cinco características em comum


Fiéis de luto seguram faixas com os dizeres “santo já” durante a Missa no funeral do Papa João Paulo II, na praça de São Pedro, Vaticano, 9 de abril de 2005 (CNS foto/Reuters)

Fiéis de luto seguram faixas com os dizeres “santo já” durante a Missa no funeral do Papa João Paulo II, na praça de São Pedro, Vaticano, 9 de abril de 2005 (CNS foto/Reuters)

Quando João Paulo II for declarado “beato”, em 1º de maio, esse evento representará a mais rápida beatificação dos tempos modernos, superando por pouco Madre Teresa. Ambos, é claro, foram celebridades globais, cujas mortes movimentaram campanhas populares para canonização imediata e permanecem os únicos dois casos recentes em que o período normal de espera para iniciar uma causa foi dispensado.

À luz da rapidez com que a beatificação de João Paulo II se desenrolou, alguns se questionam por que a máquina está demorando mais para funcionar para outros aspirantes a santos: o fundador do movimento Operário Católico, por exemplo, ou o Arcebispo salvadorenho Oscar Romero, ou mesmo o pontífice do tempo da guerra Pio XII.

Com efeito, isso levanta a questão: O que faz um santo “a jato”?

Em 1983, João Paulo II revisou o processo de canonização a fim de torná-lo mais rápido, barato e menos acusatorial [“adversarial”, no sentido das partes envolvidas apresentarem evidências de suas posições, confrontando-se], em parte porque queria exaltar os modelos contemporâneos de santidade. O resultado é bem conhecido: João Paulo II presidiu mais beatificações (1338) e canonizações (482) que todos os Papas anteriores juntos.

Desde essas reformas, ao menos 20 beatificações, o passo anterior à canonização, podem ser definidas como “a jato”, ocorrendo dentro de aproximadamente 30 anos após a morte da pessoa. Esse privilegiado grupo inclui uma mescla dos famosos (Padre Pio e o fundador do Opus Dei Josemaría Escrivá) e os relativamente desconhecidos (Anuarite Nengapeta, uma mártir congolesa, e Chiara Badano, uma leiga dos Focolares). Inclui homens e mulheres, clérigos e leigos, tanto do mundo em desenvolvimento como do desenvolvido.

À parte da reputação de santidade pessoal e relatos de milagres, há cinco características que a maioria destes casos a jato compartilha.

Primeiro, a maioria tem uma organização por detrás completamente comprometida com a causa, tanto com recursos como com habilidade política para fazer o processo caminhar.

O Opus Dei, por exemplo, ostenta uma lista de canonistas qualificados e investiu recursos significativos na causa de seu fundador. Um porta-voz do Opus Dei estimou que o custo total para ver Escrivá declarado santo, incluindo a preparação de duas grandiosas cerimônias em Roma – beatificação em 1992 e canonização em 2002 – foi de aproximadamente 1 milhão de dólares.

Este fator sozinho ajuda a explicar por que outras causas podem definhar. No caso de Dorothy Day, por exemplo, há ambigüidade nos círculos do movimento Católico Operário. Alguns questionam se Day teria desejado ser canonizado, e outros se perguntam se os recursos não seriam melhor investidos ajudando os pobres.

Segundo, vários dos casos a jato envolvem um “primeiro”, comumente para reconhecer tanto uma região geográfica específica como um grupo de pessoas pouco representado.

A leiga italiana Maria Corsini foi beatificada em 2001, apenas 35 anos após sua morte, juntamente com seu marido Luigi Beltrame Quattrocchi, o primeiro casal a ser declarado “beato”. A salesiana nicaragüense Ir. Maria Romero Meneses foi beatificada em 2002, 25 anos após sua morte, como a primeira beata da América Central.

Também chama a atenção o fato de que dos 20 casos a jato, 12 foram mulheres. Pode-se argumentar tratar-se de um esforço das autoridades para reagir à idéia de que a Igreja Católica é hostil às mulheres.

Terceiro, há por vezes uma questão política ou cultural simbolizada por esses candidatos que proporcionam um sentido perceptível de urgência.

Por exemplo, a leiga italiana Gianna Beretta Molla foi beatificada em 1994, 32 anos após sua morte, em 1962 (Molla foi canonizada em 2004). Ela é famosa por recusar tanto o aborto como a histerectomia que resultariam na morte de seu bebê não nascido.

Em outros casos, o assunto em mente poderia ser de dentro da Igreja. Maria de La Purísima, uma Irmã da Cruz espanhola, foi beatificada em 2010, apenas 12 anos após sua morte em 1998. Oficiais do Vaticano a louvaram como modelo de preservação das tradições da vida religiosa em um período de “confusão ideológica” posterior ao Concílio Vaticano II (1962-1965).

A ligação entre um candidato e um tema também pode ajudar a explicar por que as coisas diminuem de velocidade. A cautela ao redor de Pio XII é obviamente relacionada às tensões das relações católicos/judeus.

Quarto, as causas por vezes fazem um caminho mais rápido porque o Papa da época sente um investimento pessoal.

Por exemplo, dois padres poloneses caminhavam rapidamente pelo processo sob João Paulo II: Jerzy Popieluszko, um líder do sindicato Solidariedade, assassinado pelos comunistas poloneses, e Michal Sopocko, o confessor de Santa Faustina Kowalska, uma mística e iniciadora da devoção da Divina Misericórdia, com a qual João Paulo II tinha um forte compromisso pessoal. (A data da cerimônia de beatificação de João Paulo II, 1º de maio, é observada desde 2000 como “Domingo da Divina Misericórdia”).

Quinto, as causas a jato geralmente gozam de decisivo apoio da hierarquia, tanto dos bispos da região como de Roma.

Badano, beatificada apenas 20 anos depois de sua morte em 1990, é a primeira beata Focolare. O movimento é admirado por sua espiritualidade de unidade e seus esforços ecumênicos e inter-religiosos, sem mencionar sua lealdade aos bispos e ao Papa.

O aspecto do apoio hierárquico também pode ajudar a explicar por que a causa de Romero não anda com a mesma velocidade. Por conta de sua associação com a teologia da libertação, Romero foi uma figura polarizadora entre seus irmãos bispos da América Latina, dos quais alguns ainda estão na ativa.

Todas as cinco características estão amplamente presentes na causa de João Paulo II, o que pode pressagiar um curtíssimo intervalo antes de ser formalmente declarado santo. Padre Pio oferece um prazo para comparação – apenas três anos se passaram entre sua beatificação em 1999 e canonização em 2002.

Em certa medda, a agilidade do andamento do processo poderá depender da questão associada à causa de João Paulo afetar o mundo e seu carisma pessoal ou se o seu legado confuso quanto à crise de abusos sexuais emergir mais ainda à medida que o tempo passar.

Alguns argumentaram que o estudo da vida e do legado de João Paulo II como parte do processo de canonização não deu importância suficiente a seu direcionamento da crise de abusos sexuais, tal como o caso do fundador dos Legionários de Cristo, o mexicano Pe. Marcial Maciel Degollado. Predileto de longa data durante o papado de João Paulo II, Maciel caiu em desgraça posteriormente quando os Legionários reconheceram sua culpa em várias formas de má conduta sexual.

A Rede de Sobreviventes dos abusados por padres publicou uma declaração afirmando que a hierarquia está “esfregando mais sal nas feridas” das vítimas com uma “manobra rápida para conferir a canonização” a João Paulo II.

Neste meio tempo, duas notas:

  • O processo de João Paulo II sequer chega perto de ser o mais rápido já registrado. Tal distinção pertence a Santo Antonio de Pádua, que morreu em junho de 1231 e foi canonizado menos de um ano depois pelo Papa Gregório IX. Antonio superou mesmo seu mestre, São Francisco de Assis, canonizado 18 meses após falecer em outubro de 1226.
  • Apesar de impressões de que o Papa Bento XVI diminuiu a velocidade da fábrica de santos, na realidade, ele está produzindo novos “beatos” mais rapidamente. João Paulo II aprovou 1338 beatificações em 26 anos, uma média de 51 por ano; Bento XVI assinou 789 beatificações, ou 131 por ano.
  • Todavia, Bento XVI não está canonizando pessoas com o mesmo frenesi; As 482 canonizações de João Paulo II calculavam 18 por ano, enquanto as 34 de Bento XVI até aqui representam uma média anual abaixo de sete.
  • Essa discrepância poderia sugerir que mesmo João Paulo II possa ter que aguardar, ao menos um pouco, antes de ser formalmente instalado com uma auréola.
Fonte: John L. Alle Jr
National Catholic Report

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