domingo, 9 de janeiro de 2011

A missão da Pastoral Social

  1. Retomando a caminhada

As pastorais sociais nasceram na década de 70 do século passado, para dar conta, na época, dos novos problemas que atingiam amplos setores da sociedade. A maior parte das ações de pastorais sociais se restringia às pessoas muito empobrecidas ou a trabalhos de promoção humana. A partir de 76 surgiu pastoral que se propuseram ser parteira do protagonismo destas pessoas e classes com direito e exigências negados, apostando na força de sua organização e luta política e na existência histórica da ressurreição. Os membros das pastorais sociais atuaram movidos pela fé e em nome do Evangelho.
Os maiores desafios: - a situação geral dos indígenas, - os negros que sofrem pelo preconceito, - os diferenciados tipos de camponeses, - os migrantes de todas as regiões, - os desempregados, - os encarcerados, - as exploradas pela prostituição, - as famílias reduzidas à pobreza e a miséria, - os pescadores sem peixes pra pescar, - os aidéticos, - os dependentes químicos, - os deficientes, - e etc...
O fim da ditadura não significou o fim dos problemas sociais. A humanidade continua dominada e explorada pelo sistema capitalista, principalmente depois da globalização, assentando-se na ideologia neoliberal. Houve um aprofundamento da desigualdade social e da desvalorização do trabalho. Não existe mais ditadura militar, mas pode se afirmar que existe democracia? Na realidade, vive-se uma mudança de época, onde se aprofunda a consciência e crescem as iniciativas em favor de um mundo diferente; baseado na cultura da solidariedade e da cooperação entre todas as formas de vida.
Por isso o grande desafio para as pastorais sociais no mundo de hoje está na definição do que significa e de como ser pastorais libertadoras.
Como, então, ser pastorais que ajudem a avançar na consciência de que uma sociedade democrática cabe ao povo o poder e a responsabilidade de governar?
Como se manter fiel à consciência formada a partir do seguimento de Jesus, em comunidades que não têm esta mesma compreensão?

  1. Identidade e missão da Pastoral Social

As Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora apresentam a Palavra, os Sacramentos e a Caridade como fontes da vida da igreja. Destacam que a caridade é “ o centro da vida cristã”. A Pastoral Social deve amar como Jesus amou e pautar seu testemunho através da sensibilidade, da solidariedade, do profetismo e de uma espiritualidade e mística libertadora. Ela é chamada a ser pastora junto à humanidade de hoje, que caminha, cansada e abatida como um rebanho de ovelhas sem pastor. Cabe realizar ações concretas enfrentando as situações em que a vida se encontra ameaçada pela falta de solidariedade, em que a dignidade é negada, as competências públicas não atuam e a esperança para muitos parece não mais existir. Quando afirmamos que a Pastoral Social faz uma opção pelos pobres e marginalizados, precisamos ter clareza de qual pobreza e marginalização estamos falando.Falamos de pessoas que têm rosto, e que vivem na pobreza real, material, em condição “desumana”, “antievangélica”. Este é um desafio à consciência humana e cristã. A via de Jesus está pautada na lógica do amor gratuito. Ele quer restaurar a vida das pessoas que estão condicionadas por estruturas de morte.
Entre as Pastorais Sociais, o conflito não pode ser negado; deve ser vivido evangelicamente, sem posturas neutras, agressivas e violentas, e sem posturas passivas, triunfalistas, em que a paz literalmente resume aa ausência de “guerras”.Todas as relações devem ser permeadas no amor. Muitas pessoas assumiram um posicionamento profético que colocou em prática as opções pastorais de Medellín e Puebla, impulsionando e apoiando a Pastoral Social. E muitos deles pagaram com a própria vida pela busca da fidelidade a Jesus e ao povo.
As Pastorais Sociais cresceram, sobretudo nos anos 80 e no início do 90. Mas tomaram um rumo cuja prioridade pastoral privilegiava o Ministério da Palavra, depois da Conferência de Santo Domingo, em 92, mais orientada para a catequese e a vida interna da igreja, e menos voltada para a missão e o diálogo com o mundo. Aparecida estimulou a todos a organizarem pastorais sociais criativas e dinâmicas, valorizando-as como parte essencial da evangelização.
O Episcopado mostra o desejo de que se articulem e se fortaleçam mutuamente e se mantenham unidas para atuar com maior eficácia no enfrentamento de situações que levam as pessoas ao sofrimento, à marginalização, à exclusão social.
Em defesa da vida, Jesus denuncia aqueles que ameaçam o rebanho: ladrões e mercenários. Oferece um lugar aos que não têm lugar para viver, acolhe os que não foram acolhidos, recebe aqueles que sofrem até mesmo a exclusão religiosa. Jesus anuncia o Reino a partir dos excluídos.
A missão da Pastoral Social se coloca nas fronteiras da evangelização no mundo dos pobres e marginalizados, que tem sua origem no amor de Deus, porque Deus é amor e estende seu amor à humanidade através de seu Filho e do Espírito Santo.. Esta vocação de fronteira aparece nas pastorais voltadas para as novas camadas marginalizadas do mundo urbano.
A ação evangelizadora da pastoral social considera: - o evangelho, como lugar de encontro nas comunidades; - os empobrecidos como sujeitos prioritários de sua ação; - a comunidade como lugar da partilha; - a atualização da metodologia e pedagogia de Jesus; - a mística e a espiritualidade da partilha; - uma formação permanente; - a escuta às diferentes expressões teológicas, refletindo o projeto de Deus; - e uma nova relação com o mundo, articulando com os oprimidos.
Os sujeitos prioritários da ação pastoral social carregam em si estigmas e tesouros. Todos eles hoje sofrem sua exclusão sob o peso da globalização, que só vai ser transformada quando a humanidade voltar seu olhar para as vítimas que hoje a convocam à verdade, à solidariedade e aa civilização da vida.
É responsabilidade da igreja local a definição da forma concreta de realizar a mesma missão hoje, encarnando o Evangelho nas potencialidades e contradições da realidade do mundo atual. A Galiléia = é o lugar onde moravam os mais pobres. É aí que Jesus marca presença; no mundo da rua, das situações de abandono, das prisões, das vielas e becos das favelas, das casas de prostituição, etc... Cujos nomes não estão escritos nos registros de batismo de nossas paróquias, mas estão gravados no coração de Deus pela dor inocente que acaba com suas vidas e pisoteia sua dignidade. O Deserto = É o lugar onde Jesus se dirigia para estar com o Pai. É a etapa do silêncio, do contato íntimo com Deus, do discernimento, do enfrentamento das tentações. O deserto é o lugar da escuta amorosa e obediente, do diálogo com Deus. Um Deus que nos incomoda e nos dinamiza, nos lança nos constantes apelos e desafios: manifestar este Deus, justiça, alegria e vida que caminha com sue povo; e nos impulsiona a comprometer-nos sempre mais com a luta de libertação do povo e com a recuperação da dignidade humana. A Samaria = Era a região central da Palestina, na região de montanhas, entre a Galiléia e Jerusalém. Os samaritanos constituíam um povo com uma grande mistura de crenças religiosas. Chamar alguém de samaritano era um dos piores insultos. O diálogo de Jesus com a samaritana deixa claro que a sua missão é abrir poços, muitas vezes proibidos pelas conveniências sociais, pela lei, pelos muros da exclusão social. É preciso pôr-se a caminho e, no caminho, abrir poços. Ir à favela, ao lixão, aos alojamentos de trabalhadores, aos assentamentos dos sem-terra. Cabe a nós abris esses poços difíceis e muitas vezes conflituosos. Jerusalém = Jerusalém é o centro do poder religioso, econômico e político. Toda a missão de Jesus é um caminhar rumo a Jerusalém. Se há pobres é porque há também os que traem o evangelho e se calam diante dos crimes cometidos contra uma grande parcela da humanidade. Esta é a parte mais difícil da missão: o confronto. Mas não há verdadeira missão sem confronto com tudo aquilo que vai contra a proposta de Jesus.
Há quem permaneça no “deserto” e não se transfira para os lugares da missão. Quem vai somente a Galiléia e não coloca em discussão os mecanismos geradores da opressão, limitando-se ao assistencialismo. Há os que vão à Galiléia e a Jerusalém e não param na Samaria para beber a água da vida, tornando-se pastores de si mesmos e contribuindo para a dispersão do povo. Para quem faz a experiência da missão, também o deserto adquire novo valor, o valor da recuperação das energias e do encontro verdadeiro com Deus Salvador. Há também aqueles que vão a Galiléia, a Jerusalém e a Samaria e esquecem de parar no deserto, deixando se arrastar pelo entusiasmo, mas caem diante das primeiras dificuldades por não contar com o alimento de uma forte espiritualidade. Quem vai enfim somente a Jerusalém sem ter no coração a situação da Galiléia, sema lição da Samaria, de abrir novos poços e sem passar pelo deserto, arrisca-se a cair nas amarras do poder.
É na compaixão de Jesus, que está a raiz da missão dos discípulos. Partir em missão é preciso, caminhar, deixar tudo, sair de si, quebrar a crosta do egoísmo que nos fecha em nós mesmos, até os confins do mundo.

  1. Espiritualidade para uma ação transformadora

Muitas vezes se ouvem acusações de que essas pastorais sociais se confundem com política, com partidos e com movimentos sociais, e diversas vezes são acusadas de não cultivarem a espiritualidade. Estas incompreensões surgem por parte dos próprios irmãos de comunidade. O cultivo da mística e da espiritualidade, individual e comunitária, nos desperta e nos mantém no serviço da caridade.
Quando se fala em espiritualidade pretende-se tratar daquilo que sustenta agentes e lideranças que assumem a tarefa de agir em nome da igreja em ações que recuperem e devolvam a vida e a esperança àqueles que se encontram na sombra da morte. A mística é a opção fundamental, a decisão que cada um toma a favor de quê e de quem gastar a própria vida. A espiritualidade é o que sustenta esta decisão, o que alimenta, não deixa esmorecer aquela atitude fundamental, que é viver segundo o Espírito. Ou seja: a mística é a defesa e o cuidado da vida, nas várias áreas onde ela é ameaçada, e a espiritualidade é a energia que brota do encontro pessoal com Jesus.
A convivência e a amizade com as pessoas que vivem em situação de pobreza, marginalização e exclusão são capazes de estabelecer relações novas, que fazem dos excluídos sujeitos de libertação. O agente está junto, incentiva, colabora, e ao mesmo tempo aprende, humaniza-se e experimenta a presença amorosa de Deus, que acompanha e sustenta o povo.
A palavra de Deus não é somente lida no livro, ela é consultada no coração. É ali, guardada com afeto, tornada vida, que ela é capaz de orientar e ajudar nas decisões. A proximidade da palavra permite aos agentes de pastoral fazer a experiência de Deus, tendo um olho na Bíblia e um olho na vida do povo. Celebrando o sacramento da eucaristia na comunidade cria-se a dinâmica que dá sentido e conteúdo a Eucaristia, pois se ela não for precedida do serviço concreto aos pobres e sofredores, ela é vazia e inútil.
O caminho indicado aos pastores pode ser assumido pelas lideranças comprometidas na animação das diversas pastorais. A espiritualidade cultivada leva à esperança que, mesmo nas dificuldades, nos desertos, nos silêncios de Deus, mantêm o olhar no horizonte, na promessa, na palavra daquele que não decepciona. A ação pastoral sem o calor e a luz mística não é capaz de realizar todo o seu potencial. Ser pastor é articular contemplação e compaixão, ou seja, é ser cristão. Este itinerário proposto aos pastores é a proposta para todos aqueles que assumem sua fé em Jesus Cristo. A contemplação abre horizontes, amplia o olhar e o purifica. Mas essa contemplação não é alienada, é comprometida. Por outro lado, o pastor e todas as pastorais, não se contentam com a contemplação. Não é espiritualidade cristã a que se limita à adoração, ao louvor, à prece fervorosa. O pastor transforma a contemplação em compaixão, isto é, em serviço que, a partir do sofrimento, da dor, da dificuldade daquele que sofre. A prática ou o compromisso é o selo de qualidade da espiritualidade do cristão. A vida de oração e a prática da caridade não são momentos independentes ou separados. Eles se nutrem e se complementam.
Nosso testemunho deve falar ao coração das pessoas, deve permitir que nos aproximemos dos excluídos. Que testemunhamos com humildade, aquela compaixão proposta por Jesus na parábola do “bom samaritano”. Grandes místicos narraram suas batalhas espirituais, pois é na oração que travamos os embates mais fortes na perspectiva da fidelidade ao Reino. É na hora do conflito, da presença obscura da morte, que Jesus se retira em oração, é a hora de comprovar a fidelidade ou abandonar o projeto de Deus.

  1. Metodologia: um jeito de ser e de agir

Jesus falava com autoridade. Esta é a primeira qualidade do discípulo: a coerência entre o modo de ser e de agir. Sem o ser, manifestado por uma adesão profunda e pela motivação que marca o espírito, o agir é vazio, oco. Sem que o agir revele o ser, contudo, de pouco ou nada servirão as palavras, por mais lindas que sejam. Nossa reflexão precisará levar em conta que as condições de hoje são diferentes das encontradas por Jesus, e que, por isso, a vivência da fé pode expressar-se em outros tipos de obras. Hoje o amor não pode limitar-se a ações de socorro: distribuir comida, arranjar alojamento, criar obras de assistência, etc..
As ações de socorro são necessárias e válidas, mas precisam criar um processo educativo de consciência, vontade e condições de ação das próprias pessoas que se encontram em necessidade para exigir seus direitos. Por isso, são necessárias implementações de ações que ajudem as pessoas a superarem limites que são frutos da marginalização e da exclusão que atingiram sua existência. O importante é lembrar, sempre que se implementam ações de “promoção humana”, seu valor deverá ser mantido também pelo avanço na consciência e na capacidade de iniciativas para fazer valer seus direitos.
A metodologia a ser utilizada em todo esse conjunto de ações de promoção humana precisa ter presente que o melhor é as pessoas crescerem em todas as dimensões de sua vida, tendo em vista a transformação das estruturas sociais, políticas, econômicas e culturais.
A missão de Jesus estava ligada à superação da opressão e a construção de um tempo em que Deus se sente bem junto com seu povo por ser povo que vive como ele deseja. Isso, evidentemente, exigia e exige mudanças profundas nas estruturas da sociedade. É um projeto participativo que envolve as pessoas, despertando para o desejo e o prazer de participar, de ter parte, de fazer parte. Que avance na teoria, na explicação da realidade, na compreensão das estruturas sócio-políticas, na crítica da economia de mercado capitalista e da ideologia que o justifica através da reflexão sobre as contradições presentes nas lutas concretas. Quanto maior e mais direta a participação, maior a possibilidade de transformar as estruturas, as bases da vida social, incluindo as estruturas da economia. Nada é “natural” e imutável. Tudo é construção humana, teve um começo; pode, por isso, ser mudado.
A diferenciação entre as três dimensões da metodologia – assistência aos necessitados, promoção humana e educação libertadora – é importante, mas não diz tudo. O importante é não se contentar e não se limitar às duas primeiras. O que deve ser perspectiva comum e permanente é a dimensão de cidadania, possibilitando as pessoas a serem protagonistas de sua própria história.
Este processo de educação para a ação cidadã assenta-se na melhor contribuição que cada participante é capaz de dar, assumindo responsabilidades cada vez maiores de coordenação, de animação cultural e espiritual, de sistematização... Para isto é fundamental a capacitação para os diferentes serviços que a organização popular necessita, para aprender com a prática, repartindo responsabilidades em todas as iniciativas, em equipes, de preferência, com lideranças partilhadas, base indispensável para o avanço da democratização.
Nosso compromisso envolve toda a humanidade, por isso, a nossa participação e sensibilização das comunidades e dos cristãos e toda a sociedade a respeito das grandes questões de justiça internacional.

  1. Ação transformadora e diálogo com a sociedade

As pastorais sociais têm um lugar e um papel centrais na obra de evangelização da igreja. Elas são também a voz do povo na igreja, já que está presente em muitos setores da sociedade. Às vezes são mais conhecidas e reconhecidas pelo povo do que por setores da igreja, que as vêem com reservas. Na sua obra de evangelização, a igreja, por meio das pastorais sociais mexe e questiona as estruturas sociais e a sua própria organização. Uma igreja sem uma pastoral social viva é uma igreja que se fecha sobre si mesma, que se fecha aos pobres, à boa nova do Evangelho e ao mistério da encarnação de Jesus.
As pastorais sociais estão atentas às evoluções e transformações da sociedade, e tentam entender o seu funcionamento, pelo menos a maioria. A partir dos sofrimentos que seus membros padecem, as pastorais sociais denunciam os imensos déficits sociais que afligem o povo, que na sua maioria não tem acesso aos direitos básicos.
Os membros das pastorais sociais, situados em suas comunidades de fé, questionam a sociedade a partir das sofridas condições de vida do povo. Questionam também, a vida da própria igreja. Existem dioceses em que elas são reconhecidas e acolhidas, onde têm espaço e expressão, voz e vez, onde se define a pastoral de conjunto.
Em alguns lugares, “despolitizadas” e sem a perspectiva da construção do Reino, também algumas pastorais sociais tornaram-se mais assistencialistas do que proféticas. No entanto, bem enraizadas na fé e no povo, em muitos lugares as CEBs e as Pastorais Sociais mantiveram-se firmes no meio de ondas pouco favoráveis. Espera-se que a renovada opção pelos pobres no documento de Aparecida, abra novos horizontes traduzindo concretamente em renovadas pastorais sociais em todas as dioceses, paróquias e comunidades.
A participação das pastorais e movimentos populares é uma grande riqueza para a igreja. Com eles, a igreja se abre aos gritos dos mais abandonados e redescobre continuamente a missão de defender a vida e dignidade dos pequenos. São os pobres, presentes nas CEBs, nas pastorais sociais e organismos, que ajudam a igreja a redescobrir sem cessar a força libertadora do evangelho.
As pastorais sociais estão fundamentadas na figura de Jesus que viveu pobre, lutou contra o poder opressor, foi condenado e entregue à morte violenta. O povo reconhece a semelhança entre a vida de Jesus e sua própria vida. É grande também a devoção do povo a Maria, mãe que, como muitas mães do povo, sofreu, ela também, a Paixão, acompanhando a crucificação de seu próprio filho. Na tradição da igreja e nos padres que pregam e/ ou administram recursos da igreja em atenção dos pobres, viúvas, órfãos, velhos, doentes e crianças.
São Thomas sintetizou a organização privada da propriedade: o necessário – é o que cada um precisa para viver humanamente; o conveniente – é o de que se precisa para estar bem; o supérfluo – é o que excede, o que não se precisa (essa definição já é uma crítica ao consumismo). Quem não tem o necessário tem direito ao supérfluo do rico. Isto, por justiça. A caridade começa quando se partilha o conveniente. O Ensino Social da Igreja é um grande tesouro. Os papas elaboram documentos sobre a situação social, para ajudar os cristãos a atuarem na transformação da sociedade na busca de mais justiça, solidariedade e fraternidade. O Ensino Social da Igreja representa um riquíssimo arquivo de lições éticas e morais, e é de certa maneira, uma formulação cristã dos direitos humanos civis políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais. A contribuição de cada papa foi bem diversa, desde 1891.
No documento de Aparecida a pastoral social é plenamente reconhecida e encorajada, há uma parte inteira sobre a pastoral social: “uma renovada pastoral social para uma promoção humana integral”.
Os bispos renovam com força seu compromisso pelos pobres. Reconhecem que todo o processo evangelizador envolve a promoção humana e a autêntica libertação, e ainda que, para a igreja, o serviço da caridade é expressão irrenunciável da sua própria essência. Portanto, Aparecida quer estimular o Evangelho da vida e da solidariedade nos planos pastorais. “As igrejas locais têm a missão de promover renovados esforços para fortalecer uma pastoral social estruturada, orgânica e integral”. A diretriz é clara e firme. “Na atividade a favor da vida, a igreja quer se juntar com outras comunidades cristãs”. O documento apregoa também uma permanente leitura cristã e uma aproximação pastoral à realidade de nosso continente, que pode levar a uma pastoral social para o conjunto da região.
Seguindo as orientações de Aparecida, espera-se que as pastorais sociais sejam encorajadas e apoiadas em todas as igrejas locais – também com recursos financeiros – para que o grito dos pobres e marginalizados seja ouvido e encontre nas comunidades resposta de justiça e solidariedade concretas.

  1. Organização e sustentabilidade

É impensável desenvolver ações que tenham como seu motor o improviso. Daí ser pertinente que toda a pastoral tenha, por compromisso com a própria história, uma organização conjugada com a sustentabilidade, dirigindo suas ações para tudo o que se apresente como relevante em seu compromisso como igreja que está a serviço dos excluídos.
O agente da pastoral é o que dá vida às pastorais sociais. É ele quem acolhe a pessoa em suas necessidades; sabe escutar a voz de Deus; sabe amar as outras pessoas sem preconceitos; coloca-se a serviço da vida, assumindo efetivamente seu compromisso cristão, defendendo, promovendo, cultivando e celebrando os valores presentes na vida dos empobrecidos. Por isso toda a pessoa é convocada a responsavelmente cuidar de si, dos outros, do meio social em que vive, da natureza que a acolhe e sustenta. Saber cuidar bem é saber viver bem. Portanto os cuidadores, os agentes de pastorais, devem ser cuidados, ou seja, serem constantemente alimentados pela mística evangélica.
A organização é um meio importante e seu objetivo principal é promover a sustentabilidade da pastoral. Para isso, os seguintes cuidados: - implantar uma infra-estrutura adequada, - promover um planejamento participativo, - garantir o direito de pessoas e comunidades, - firmar convênios ou parcerias com entidades e organismos, - apoiar e garantir o processo de formalização institucional, - apoiar e garantir a inclusão produtiva com a participação de tecnologias sustentáveis.
As pastorais sociais terão sustentabilidade se sua presença e ação, motivadas pelo Evangelho, forem reconhecidas como válidas e necessárias para enfrentar os desafios do tempo atual e para construir um futuro melhor. Não há outro caminho, ou se conquista credibilidade, ou a ação não se sustentará.
Para trabalhos como o das pastorais sociais, não serve o marketing mercantil, já que ele está centrado na criação de desejos por mercadorias. Seu esforço de comunicação deve ter a marca sugerida por Jesus: voltem e contem a João tudo que viram e ouviram. O reconhecimento será fruto da comunicação do que está sendo feito e dos frutos alcançados. Sem ilusões, contudo.
Uma das características da sustentabilidade das pastorais sociais é conseguir, através da qualidade da organização, do testemunho e do trabalho, bem como através da comunicação, reconhecimento e apoio amplo dos setores sociais populares, incluindo os profissionais liberais e pequenos empresários com senso crítico, para que, juntos com eles, seja possível conseguir também algum reconhecimento de instituições públicas e de alguma iniciativa privada aberta à necessidade de avanços na justiça social.
Quem tem uma visão dualista que separa e opõe o material do espiritual, o corpo e a alma, verá com preconceito ações da pastoral social. Por isso, a busca da sustentabilidade implica planejar a busca de comunicação, sempre verdadeira, mas com linguagem adequada, com as comunidades eclesiais, dando prioridade às de base, sem deixar de lado as mediações que as articulam com o todo.
As ações e atividades deverão ocorrer de forma integrada, coordenada e sistemática, observando alguns critérios: - o princípio da subsidiariedade, que propõe que todas as instituições devem se pôr em atitude de respeito e ajuda; - o princípio da solidariedade que realça a intrínseca sociabilidade da pessoa humana e a igualdade de todos; - a procura constante da melhoria da qualidade de vida das pessoas e das comunidades; - o respeito, o reconhecimento e a valorização da diversidade sócio-ambiental e cultural dos povos; - a articulação e a integração com as pastorais afins, testemunhando a positividade das ações desenvolvidas; - A garantia da manutenção financeira das ações, projetos, eventos emergenciais; - e a erradicação de todas as formas de discriminação.
Numa sociedade marcada por profundas desigualdades sociais, as pastorais sociais devem seguir os passos de Jesus e de sua igreja que, em todas as épocas, em meio a luzes e sombras, sempre contou com forças que primaram pelo amor gratuito e incondicional à pessoa humana e pela defesa de sua dignidade. Portanto toda e qualquer ação das pastorais deverá visar à dignidade da pessoa humana e à transformação da sociedade, a fim de que este mundo possa ser, cada vez mais a casa de todos os filhos de Deus.

  1. Desafios e novas perspectivas

Fora da água, o peixe morre; fora do povo, as pastorais sociais morrem também; perdem sua identidade e função. O desafio é crescer no compromisso em favor das lutas pela vida, justiça e fraternidade.
A articulação e colaboração das pastorais e movimentos sociais são cruciais para o fortalecimento da identidade comum. Caminhar junto aumenta a colaboração e articulação; porém ainda falta muito para uma perfeita comunhão. Falta muitas vezes, um acompanhamento aos que assumem responsabilidades políticas. É parte da vocação das pastorais sociais ajudar aos seus membros a responder a essa missão.
Uma firme intenção das pastorais sociais é existir, organizar e aumentar em todas as dioceses. O serviço da caridade é uma dimensão essencial da fidelidade da igreja à sua missão. Mas isto ainda depende muito, da boa disposição dos padres para que possam existir. Por outro lado cresce a consciência de leigos de que a prática organizada da caridade faz parte de sua missão.
A formação é a dimensão central da vida e é essencial, pois é a partir da prática e da experiência que se organiza e constrói a formação do agente. As necessidades de cursos e subsídios são imensas. E eles existem escritos e audiovisuais, e são muito bons. Não se trata de uma formação acadêmica, mas de uma formação a partir da vida, na partilha das experiências. O educando é o principal ator da sua educação. Uma metodologia democrática, onde se desenvolve uma pedagogia ativa, participativa, de expressão livre de todos, como em organizações sociais e governamentais. Por isso, a promoção de uma participação sempre maior de todas as pessoas continua sendo uma meta.
Já chegou o tempo de semear e fazer frutificar em nossas vidas e em toda a sociedade a Ética do Cuidado, que defende e protege todas as formas de vida. Um grande desafio está ligado à participação criativa das pastorais sociais na promoção do espírito e das iniciativas do Fórum Social Mundial. Pode-se e deve-se avançar, com grande criatividade e esperança, na descoberta de novas formas de ser, pelo testemunho e através de iniciativas, um fermento na construção de um “outro mundo” possível e necessário, assentado na solidariedade, na cooperação, no reconhecimento, na promoção e garantia dos valores humanos dos diferentes povos e grupos sociais, e na convivência respeitosa e cuidadosa do meio ambiente.
Por isso fica a pergunta: que Brasil nós queremos, hoje e amanhã, para nós e para os nossos filhos?
Para que a igreja não fique à margem dos debates mais urgentes e importantes da história humana, levemos essa, e outras perguntas e experiências para “dentro” da igreja.

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