Por Ivan Macedo Fraga
Um ensaio sobre a Teologia da LibertaçãoPor muitos séculos, os aspectos do cristianismo e da teologia Européia foram vistos como tradição normativa para diferentes continentes e culturas. Todos os países da América Latina, por exemplo, desenvolveram suas teologias a partir de uma matriz teológica Européia, tanto a teologia católica quanto a teologia protestante. A teologia da Europa, e mais tarde dos Estados Unidos, sempre representou um modelo de padrão para a construção teológica na América Latina, influencia que permanece até os dias de hoje em alguns seminários teológicos e igrejas do Brasil .
Contudo, essa “dominação” da tradição teológica Européia vem sendo questionada por alguns teólogos latino-americanos . Novas leituras e interpretações surgiram desenvolvendo uma hermenêutica de desconfiança para com a tradição Européia . Hoje se fala em uma teologia latino-americana “pura” com as características e demandas da realidade social e cultural dos países da America Latina .
Com este ímpeto teológico-libertário surgiram diferentes teologias abordando causas específicas como, por exemplo, a teologia da mulher, a teologia cosmológica, a teologia negra e a teologia indígena .
Cada uma dessas teologias procurou ao seu modo, responder, solucionar, corrigir ou mesmo preencher uma lacuna que havia sido ignorado pela teologia tradicional Ocidental.
Os pobres, os excluídos, os marginalizados, os oprimidos passaram a ocupar lugar especial no estudo da teologia latino-americana .
A Bíblia passou a ser lida considerando o contexto socioeconômico dos pobres . Era preciso fazer algo para mudar a situação dos povos e das classes oprimidas e marginalizadas .
O Concilio Vaticano II (1962-1965) e a Conferencia do Episcopado Latino-americana (CELAM II), realizada em 1968 em Medellin, na Colômbia, teve um papel importante na história da Teologia da Libertação .
Nesse período surgiu com muita força uma consciência de solidariedade para com os pobres articulando duas dimensões da realidade latino-americana até então pouco dialogantes na reflexão teológica: unidade histórica e dimensão política da fé.
Em 1971 o teólogo peruano Gustavo Gutiérrez publicou a obra ‘Teologia da Libertação’. Esta obra busca conciliar a salvação com o processo histórico de libertação. Gustavo Gutiérrez, comumente tido como o pai da Teologia da Libertação, apresentou um novo método que articula teologia com ciências sociais .
Entre os protestantes brasileiros, o principal nome de destaque foi o teólogo missionário norte-americano Millard Richard Shaull que chegou ao Brasil a partir da década de 1940.
Richard Shaull foi responsável por uma verdadeira revolução no ensino teológico e no movimento estudantil entre os jovens evangélicos no Brasil . Após sua experiência missionária em Bogotá na Colômbia, Richard Shaull passou a ver no marxismo elementos para a construção de uma ordem social mais justa. Há quem diga que no seu artigo, ‘A forma da Igreja na Antiga Diáspora’, foi o embrião da teologia da Libertação, que na época era conhecida como “teologia da revolução” .
Um dos principais discípulos de Richard Shaull foi o teólogo brasileiro Rubem Alves . Aluno de Richard Shaull no seminário teológico de Campinas (SP) , Rubem Alves, hoje afastado do labor teológico, foi um dos principais teólogos protestante publicando em 1968 a tese ‘Teologia da Libertação’.
O trabalho foi um marco- foi a primeira vez que a expressão libertação foi empregada em uma obra teológica .
Para os teólogos da libertação, a teologia não deve ficar presa apenas aos assuntos metafísicos, abstratos, mas antes devem dialogar com a realidade do povo. A teologia deve intervir na realidade social e econômica e promover mudanças.
A feitura de uma teologia exige que o teólogo esteja consciente das questões sócio-politicas. Neste caso, a teologia não é um sistema que ocupa o teólogo no processo repetitivo da sistematização e da argumentação apologética.
“A teologia é um exercício dinâmico continuo que envolvem percepções contemporâneas do conhecimento (a epistemologia), do homem (a antropologia) e da história (a análise social)” .
A Teologia da Libertação é hoje considerada uma das mais importantes teologias cristãs que surgiu fora do eixo Europa-EUA.
Contudo, embora a teologia da libertação tenha resgatado um aspecto fundamental da concepção de Reino de Deus a partir de um ideário libertário, ela vem sendo criticada por sua epistemologia. Seus críticos alegam que a teologia da Libertação se utiliza da ideologia marxista quando faz sua reflexão socioanalitica .
Entretanto, os proponentes da libertação explicam que ao usar esta mediação socioanalitica, a Teologia da Libertação tem por objetivo apenas compreender cientificamente as causas da opressão e da morte dos pobres, e as possibilidades de libertação .
A Teologia da Libertação não adere ao extremismo do materialismo dialético que absolutiza o materialismo e nega a necessidade do discurso religioso .
Ao longo dos seus 40 anos, a Teologia da Libertação vem sofrendo algumas mudanças. A crise do socialismo, marcada pela queda do muro de Berlim (1989), levou a Teologia da Libertação a rever suas críticas ao sistema capitalista e socialista .
Hoje, a Teologia da Libertação vem se permitindo passar por caminhos de resignificações. Partindo de sua raiz de luta pelos pobres, a Teologia da Libertação tem procurado abordar outros aspectos com o mesmo ideário libertador e orientador. Assim, temas como economia, política, ecologia, pluralismo religioso, racismo, entraram em pauta como objetos de estudo na Teologia da Libertação.
Mais do que fazer discussões isoladas sobre inúmeros temas, o desafio da Teologia da Libertação é convocar a igreja cristã a se manifestar-se contra todo tipo de opressão, seja de origem econômica, espiritual ou política .
Temas teológicos têm sido desenvolvidos no contexto latino-americano, servindo como modelo para outras teologias. Além da Teologia da libertação latino-americana, formas específicas de teologias desenvolveram-se em outros continentes nessa mesma perspectiva libertária, a saber: a teologia da libertação africana, a teologia da libertação negra nos Estados Unidos, a teologia da libertação na Ásia, a teologia minjung na Coréia do Sul e a teologia dalit na Índia .
Todas essas teologias citadas partem de um ideal libertário, considerando a situação do contexto social, econômico e político como linha importante para a construção da teologia. São teologias profundamente comprometidas com os povos oprimidos e principalmente com o Reino de Deus.
Entendem que o Reino de Deus foi inaugurado com Jesus Cristo e continua no momento em que homens e mulheres buscam viver essa justiça no dia-a-dia. “E, interrogado pelos fariseus sobre quando havia de vir o reino de Deus, Jesus respondeu-lhes e disse: o reino de Deus não vem com aparência exterior. Nem dirão: Ei-lo aqui, ou: Ei-lo ali; porque o reino de Deus está entre vós” (Lc 17:20-21)
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