segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

O SACRAMENTO DA CANECA



Há uma caneca de alumínio. Daquele antigo, bom e brilhante. O cabo é roto. Mas lhe confere um ar de antiguidade. Nela beberam os 11 filhos de pequenos a grandes. Ela acompanhou a família nas muitas mudanças. Da roça para a vila. Da vila para a cidade. Da cidade para a metrópole. Houve nascimentos. Houve mortes. Ela participou de tudo. Veio sempre junto. É a continuidade do mistério da vida na diferença de situações vitais e mortais. Ela permanece. Sempre brilhante e antiga. Creio que quando entrou em casa já devia ser velha. Dessa velhice que é mocidade porque gera é dá vida. Peça central da cozinha.
Sempre que se bebe nela não se bebe água. Mas o frescor, a doçura, a familiaridade, a história familiar, a reminiscência da crianã sôfrega que sacia a sede. Pode ser qualquer água. Nesta caneca, ela é sempre fresca e boa. Na casa de todos que matam a sede bebem desta cxaneca. Como num rito todos exclamam: Como é bom beber desta caneca! Como a água aqui é boa! E trata-se da água que, pelos jornais, vem mal tratada. Vem do rio imundo da cidade. Cheia de cloro. Mas por causa da caneca a água se torna boa, saudável, fresca e doce.
O filho regressa. Percorrei o mundo. Estudou. Chega. Beija a mãe. Abraça os irmãos. Matam-se saudades sofridas. As palavras são poucas. Os olhares longos e minuciosos. É preciso antes beber o outro para amá-lo. Os olhos que bebem falam a linguagem do coração. Só depois do olhar, a boca fala das superficialidades: Como você ficou gordo! Você ainda é bonito! Como ficou adulto! O olhar não fala nada disso. Ele fala o inefável do amor. Só a luz entende. “Mamãe, estou com sede! Quero beber da velha caneca!”
E o filho tomou de tantas águas. A acqua di San Pellegrino. As águas da Alemanha, da Inglaterra, da França, a boa água da Grécia. Água das fontes cristalinas dos Alpes, do Tirol, das fontes romanas, a água de S. Francisco. Água de Ouro-Fino, de Teresópolis, de Petrópolis. Tantas águas… Mas nenhuma é como essa. Bebe uma caneca. Não para matar a sede do corpo. Esta as tantas águas matam. Mas a sede do arquétipo familiar, a sede dos penates paternos, a sede fraternal, arqueológica, das raízes donde vem a seiva da vida humana. Esta sede só a caneca pode matar. Bebe uma primeira caneca. Sofregamente. Terminou com um suspiro longo, como quem mergulhou e veio à tona. Depois bebe outra. Lentamente. É para degustar o mistério que a caneca contém e significa.
Por que a água da caneca é boa e doce, saudável e fresca? Porque a caneca é um sacramento. A caneca-sacramento confere à água da bondade, doçura, frescor e saúde.

Por Leonardo Boff em Os Sacramentos da vida e a vida dos sacramentos.
FONTE: BLOG A VISÃO DE UM SEMINARISTA

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