Francesco Scribano, conhecido como Paco, é espanhol, jornalista, e esteve no Brasil primeiramente em 1985 para fazer uma reportagem. Encantou-se pela luta de um bispo, seu conterrâneo, e agarrou a missão de contar sua história. Em 1985, foi quando Scribano conheceu Dom PedroCasaldáliga, bispo emérito da prelazia de São Félix do Araguaia, que chegou ao Brasil em 1968 e nunca mais retornou à sua terra, a Catalunha, na Espanha. Sua história já rodou o mundo, mas não tanto quanto deveria.
Em 2012, foi quando conheci Francesco Scribano. Viajei a São Félix para entrevistar Dom Pedro e cheguei lá em meio às filmagens de “Descalço sobre a terra vermelha”, filme de ficção em que atores interpretam uma história real, baseada em livro homônimo de Scribano sobre a vida e as causas de Casaldáliga. Scribano é também coprodutor do filme.
“Quando cheguei ao Brasil (pela primeira vez, em 1985), logo me falaram de um bispo catalão que estava ameaçado de morte no Mato Grosso, então tive que vir para cá. A ditadura militar tinha acabado de terminar, mas ainda a situação era complicada. Toda a maquinaria da repressão ainda estava muito presente”, contou-me Francesco Scribano em entrevista exclusiva e até agora inédita, concedida em São Félix.
“Um homem religioso que se converte à terra”
“Fiquei muito impressionado com a figura de Dom Pedro. Com o jeito como ele lutava e defendia as causas dos menos favorecidos. E o jeito como ele vivia. Vivia mesmo como viviam os posseiros. Então, fiz uma reportagem (em 1985), que ficou muito boa e fiquei com muita vontade de voltar”, lembrou o jornalista espanhol.
A partir daí, ele voltou, voltou, voltou… Inicialmente, para fazer um documentário, depois para escrever um livro, até que em 2012 voltou para participar da produção do filme de ficção que é adaptação do seu livro, no qual biografa o bispo. Mas, ao contrário do livro, o filme não cobre a vida toda de Casaldáliga.
O foco é na chegada do bispo a São Félix, que Scribano descreve como “a chegada de um homem religioso que se converte à terra. É essa terra, essa gente, que converte ele. E não ele que converte a terra. Um processo que a Teologia da Libertação tem praticado muito na América Latina”.
O filme
O foco é na chegada do bispo a São Félix, que Scribano descreve como “a chegada de um homem religioso que se converte à terra. É essa terra, essa gente, que converte ele. E não ele que converte a terra. Um processo que a Teologia da Libertação tem praticado muito na América Latina”.
O filme
Realizado em conjunto entre a televisão espanhola TVE, a catalã TVC e a TV Brasil, “Descalço sobre a terra vermelha” será lançado em português pela emissora brasileira, dividido em três partes, nos dias 13, 20 e 27 de dezembro, sempre às 22h30min.
E por que vale um filme? “Porque esse processo é cinematográfico. Porque a história de Dom Pedro é universal”, respondeu Scribano, enfatizando: “Embora ele seja catalão, espanhol, a história dele é muito latino-americana. Universal. Nos toca a todos. E não deve ser esquecida. Eu falava com Pedro (é simplesmente assim que o bispo gosta de ser chamado) e ele me falava que a memória é importante”.
“Para que não se esqueça, o que é preciso? Que alguém conte a história! Ora, sou jornalista e digo que quando você pega uma boa história você tem que contá-la. E quando é muito… muito boa… a história… aí não tem que parar de contar. Então, isso é o que estou fazendo”, explicou Scribano.
“Dom Hélder sem mídia”
“Dom Hélder sem mídia”
Conversando com moradores de São Félix, ouvi de alguém, que infelizmente não guardei o nome, que Dom Pedro Casaldáliga seria uma espécie de “Dom Hélder sem mídia”. Perguntei a Scribano o que ele achava disso e o porquê disso. Ele foi taxativo.
“Porque Dom Pedro está aqui (em São Félix do Araguaia). E isso é fim de linha. Para chegar aqui não é fácil. Ele poderia ter uma atitude de se movimentar mais por aí, mas não faz. Por isso não ficou tão público como poderia ter sido”.
“Mas, ao mesmo tempo, nos anos 70, quando estava mais duro o confronto com a ditadura, ele teve muita mídia, porque denunciou o trabalho escravo. Quer dizer, quando ele tinha que utilizar a mídia ele utilizou. Mas agora que talvez a utilizasse para o seu ego ele não utiliza”.
“Uma das coisas que Dom Pedro tem é a coerência extrema. E o radicalismo extremo. A coerência quer dizer: se estou com os pobres, sou pobre. Isso é muito fácil de dizer, mas é difícil de fazer. E ele leva isso até o final”.
Prefere “perder o tempo a perder o povo”
Prefere “perder o tempo a perder o povo”
Scribano está coberto de razão. Dom Pedro leva suas convicções até as últimas consequências. Quando tive a oportunidade, honra e privilégio, de estar com o bispo, disse a ele que havia ido a São Félix de ônibus, no que ele respondeu que hoje anda de avião por impossibilidade física, mas que durante toda sua vida andou de ônibus.
“Porque se os pobres não podem pagar avião, eu também não posso”, me disse Dom Pedro. Eu, então, disse ao bispo que muitas pessoas ricas devem achar que andar de ônibus é perda de tempo. E Dom Pedro foi categórico: “Mas eu prefiro perder o tempo a perder o povo”.
Scribano comentou que esse tipo de postura é muito difícil de encontrar. “Se ele (Dom Pedro) quisesse fazer outro tipo de carreira, ele teria saído daqui de São Félix. Porque aqui ele fez o que teve que fazer – e isso teve uma repercussão mundial. Depois poderia ter ido para outro lugar. Mas não. Ele ficou aqui. Para ser mais um entre o povo. Isso é que fica difícil de entender para muita gente. E o que marca essa diferença é que quem vai à casa dele percebe que o que ele diz é o que ele faz”.
“Se é verdade que ele não teve tanto marketing como deveria, ora, nós estamos aqui. E estamos aqui porque essa história precisa ser contada”, concluiu Francesco Scribano.
Ana Helena Tavares, jornalista, conhecida por seu site de jornalismo político Quem tem medo da democracia?, com artigos publicados no Observatório da Imprensa e na extinta revista eletrônica Médio Paraíba. Foi assessora de imprensa e repórter dos Sindicatos dos Policiais Civis e dos Vigilantes. Universitária, entrevistou numerosas pessoas que resistiram à ditadura e seus relatos (alguns reproduzidos na Carta Capital e Brasil de Fato) serão publicados brevemente num livro.
Direto da Redação é um fórum de debates, editado pelo jornalista Rui Martins.
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