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Comissões da Verdade investigarão “acidente” do educador Anísio Teixeira
A Comissão Nacional da Verdade e a Comissão de Memória e
Verdade da UnB firmaram convênio para investigar os casos de
assassinato, tortura, morte e perseguição de membros da comunidade
acadêmica, durante a ditadura. O mais emblemático é o do ex-reitor da
instituição, Anísio Teixeira, cassado pelo golpe, cujo corpo foi
encontrado no fosso do elevador do prédio em que morava, em 1971. O
laudo oficial disse que foi “acidente”. A família contesta.
Brasília - A trágica morte do educador Anísio Teixeira, no auge
da ditadura militar, será alvo de investigações da Comissão Nacional da
Verdade (CNV) e da Comissão de Memória e Verdade da Universidade de
Brasília (UnB), que firmaram acordo de cooperação nesta terça (6).
Teixeira foi um dos idealizadores e reitor da UnB até o golpe de 1964,
quando teve seu cargo cassado pelo regime. O educador desapareceu sete
anos depois, no Rio de Janeiro. Seu corpo foi encontrado no fosso do
elevador do prédio onde morava e a causa da morte, apontada como
“acidente”.
O ex-deputado federal Haroldo Lima (PCdoB-BA),
sobrinho de Teixeira, afirma que a versão jamais convenceu os parentes e
amigos que acompanharam as investigações oficiais sobre a morte do tio.
“Não há comprovação técnica”, justifica. O médico Carlos Teixeira,
filho do educador, acrescenta que o corpo do pai foi retirado do fosso
sem a presença da perícia. “Eu não sou legista, mas sou médico. Sei que
um acidente naquele local e naquelas circunstâncias seria quase
impossível. E o corpo foi retirado do fosso sem perícia. E isso já
contaminou toda a investigação”, avalia.
Ambos assinam, ao lado
de outros familiares e pesquisadores, um dossiê sobre as circunstâncias
da morte de Teixeira e as perseguições que ele sofrera pelo regime,
entregue nesta terça às Comissões da Verdade. O documento pontua os
acontecimentos que precederam seu desaparecimento, com depoimentos
colhidos ao longo de 40 anos de investigações. “Precisamos afastar a
possibilidade de acidente e nos certificarmos de que foi uma morte
política”, defende o filho.
Carlos lembra que quando o pai
desapareceu, a família iniciou a busca tradicional em hospitais, IML,
até que foi informada pelo acadêmico Abgar Renault, que teria sabido
através do general Sizeno Sarmento, comandante do Exército, que Teixeira
fora preso pela Aeronáutica. “Renault disse que não tinha condições,
naquele momento, de dizer onde ele estava preso, mas que no outro dia
poderia informar. No outro dia, meu pai foi encontrado morto e levado
para o IML com a etiqueta em nome de um oficial da Marinha, que havia
cometido suicídio”, relembra o filho.
O filho relata que,
naquele momento específico, Teixeira não militava em nenhuma causa
específica que provocasse o regime. “O fato é que ele tinha uma
identidade muito forte. Era um homem de esquerda. Comunista para alguns,
não tão comunista para outros, mas sempre perigoso, porque tinha ideias
revolucionárias. Além disso, a candidatura dele à Academia Brasileira
de Letras era vista como uma afronta ao regime. E, de certa maneira, foi
formulada mesmo com este caráter. Não por ele, que não aceitava muito
bem esta coisa de Academia, mas por amigos acadêmicos como Jorge Amado,
José Honório, Afrânio Coutinho e todo um grupo que queria marcar uma
posição”, avaliou.
Carlos, que foi um quadro do Partido Comunista
do Brasil e teve que viver na clandestinidade para escapar da prisão,
conta que na época mais ferrenha de sua militância chegou a classificar o
pai como um “reacionário”, mas hoje faz outra leitura da personalidade
de Anísio. “Meu pai não tinha militância político-partidária. Mas era um
revolucionário por suas ideias, suas propostas para a educação
brasileira.”, esclarece.
Para Haroldo, o tio foi “uma figura
luminar na história do Brasil”, eterno defensor da educação pública de
qualidade para todos. Ele lembra que, em 1935, Teixeira criou, no Rio de
Janeiro, a Universidade do Distrito Federal, tido como de vanguarda por
ser a primeira a se estruturar por institutos, e não apenas congregar
várias faculdades isoladas. Entretanto, perseguido pelo Estado Novo,
precisou se refugiar no sertão da Bahia, sua terra natal, para escapar
da prisão.
Em 1946, assumiu o cargo de Conselheiro de Ensino
Superior da Unesco e, de volta ao Brasil, no ano seguinte, o de
secretário de Educação da Bahia. Foi neste cargo que desenvolveu e
aplicou o conceito de “escola-parque”, iniciativa inovadora de educação
integral, que concilia a grade convencional com atividades artísticas,
esportivas, socializantes e de preparação para o trabalho e a cidadania,
até hoje adotada na educação pública modelo de Brasília.
Na
década de 1950, voltou à esfera nacional. No Ministério da Educação
(MEC), criou a CAPES, dirigiu o INEP por 12 anos, foi presidente da SBPC
por dois mandatos, fez inúmeras palestras no exterior e editou seu
livro mais polêmico: “Educação não é privilégio”, de 1957. Também se
tornou professor universitário, à frente da cadeira de Administração
Escolar da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ).
“No início dos anos 1960, se uniu ao também
educador Darcy Ribeiro para idealizar a UnB, criada para atender aos
anseios inovadores da nova capital federal. Em 1963, assumiu a reitoria
da instituição, mas teve seu mandato cassado um ano depois, com o golpe
militar. Lecionou como professor visitante nos Estados Unidos, tornou-se
consultor da Fundação Getúlio Vargas e retomou as atividades de
tradutor e escritor na Editora Nacional, até sua morte.
Convênio CNV/UnB
Além
de reestabelecer a verdade histórica sobre a repressão da ditadura à
UnB, o convênio assinado nesta terça também é uma tentativa de
sensibilizar outras instituições a contribuírem com a pesquisa histórica
realizada pela CNV. Membro titular da comissão, o professor Paulo
Sérgio Pinheiro ressalta que já foram assinados vários outros acordos
com instituições diversas da sociedade. “Já temos comissões da verdade
em sete estados. Há comitês da verdade no mundo inteiro. A CNV não pode
trabalhar sozinha. Por isso este e outros convênios são tão
importantes”, explicou.
Para o reitor da UnB, José Geraldo de
Souza Junior, o convênio é um passo à frente na reconstrução da memória
do país e da própria instituição, que foi a universidade mais perseguida
pela ditadura militar. Dados históricos já levantados pelos
pesquisadores da instituição indicam que, até um ano após o golpe, 200
professores foram cassados ou levados a se demitirem do quadro de
funcionários. Nos anos seguintes, funcionários e estudantes foram
mortos, torturados e sequestrados.
Para o reitor, o
levantamento histórico que está sendo feito pela CNV é também uma
oportunidade de reeducação das instituições brasileiras, para que a
defesa dos direitos e da dignidade humana se torne um valor maior a ser
preservado sob quaisquer conjunturas. “Tortura não tem perdão. Pode-se
até anistiar o que foi anistiado, pode-se não punir em função da Lei da
Anistia, mas não se pode esquecer”, afirmou.
O professor Paulo
Sérgio Pinheiro acrescentou que a CNV é resultado de um amplo processo
de luta social, iniciado nos anos 1980, que já nasceu com “imensos
poderes”. “Podemos convocar qualquer pessoa. Também temos acesso
irrestrito a todos os arquivos do país”, esclareceu. Pinheiro também
calou as críticas dos que não acreditam em punição para os agentes da
ditadura. “Não sejamos céticos: quando este relatório for publicado,
haverá consequências”, explicou.
O presidente da Comissão de
Memória e Verdade da UnB, professor Roberto Aguiar, avaliou que o
momento exige que todos mantenham a indignação com as injustiças
praticadas pelo regime. “Tem gente que anda pela UnB sem saber que esse
campus foi palco de mortes, torturas, desaparecimentos. Que todos nós
acordemos e que nunca coloquemos a cabeça no travesseiro tranquilos. O
esquecimento é o pior dos inimigos que nós temos”, afirmou.
Najla Passos
Carta Maior
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