POR THAMIRIS MAGALHÃES
INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS
Gustavo Gutiérrez inicia a teleconferência dizendo que não há apenas uma teologia latino-americana. “As pessoas afrodescendentes de uma igreja nos EUA quiseram dizer ‘nós existimos’. Ocorre isso também entre nós. Os anos de 1960 foram de muita efervescência, de povos afrodescendentes, amazônicos, mulheres. Eram pequenos movimentos, mas o fato histórico da emancipação do pobre se mantém até hoje”, constata.
“Esse fato deixou claro que a pobreza e a insignificância social não é uma desgraça”, continua, afirmar que a pobreza é uma injustiça. “Não é uma fatalidade, é uma condição. É resultado de mãos humanas, que podem também terminar com essa situação anti-humana e antievangélica, usando palavras de Puebla.” Para Gutiérrez, não há ninguém insignificante para Deus, mas para a nossa sociedade.
“As pessoas podem ser insignificantes por motivos socioeconômicos, mas também raciais, sociais, religiosos etc. A ilusão do pobre constituiu uma nova presença que continua e vem em ondas. Essas ondas chegam com sua pobreza nas costas. A pobreza nos revela a profundeza de injustiça. Essa nova presença dos insignificantes dos pobres nos levou a ver elementos mais profundos na vida dessas pessoas e perceber que eles não são apenas sujeitos sociais, mas seres humanos que têm direito à felicidade”, explica. Para ele, há um ponto importante em Aparecida que diz que não devemos deixar de lado esses sofrimentos.
Pobrezas ocultas
“Sabemos que há muitas pobrezas ocultas”, avalia o Prof. Dr. Gustavo Gutiérrez. E continua: “Nos envergonha falar de certas vergonhas domésticas, entre outras.” Segundo o autor de O Deus da Vida, “do ponto de vista latino-americano, Medellín foi a primeira e de certa forma a única recepção continental do Concílio Vaticano II”, acrescenta.
A famosa frase de João XXIII “A igreja dos pobres”, segundo Gutiérrez, não foi bem compreendida no início, “mas depois o tema foi retomado, da seguinte forma: a questão da pobreza no mundo e do evangelho para os pobres deve ser o tema do Concílio e não um tema”.
Concílio Vaticano II
Falar do tema da pobreza, ainda de acordo com Gustavo Gutiérrez, e da evangelização dos pobres, leva-nos ao papel da igreja. “O tema da igreja dos pobres não foi levantado no Concílio Vaticano II, mas marcou o acontecimento conciliar; a igreja dos pobres como sinal e sacramento no Concílio da unidade dos seres humanos.”
Outra questão lembrada por Gustavo Gutiérrez, do ponto de vista latino-americano, foi a Escritura. “O Concílio nos fala da Escritura como a alma da teologia”. Segundo ele, “o Vaticano II fez um trabalho notável, mas não falou tudo”.
O Concílio Vaticano II abriu portas, muitas, mas ao mesmo tempo essa abertura significa que é necessário atravessar essas portas, ir em frente através delas. “A realidade do Vaticano dizia isso. Ambas as motivações, a realidade da América Latina, a pobreza, injustiça, sofrimento, as portas abertas do Concílio motivaram experiências e motivações”, lembra Gustavo Gutiérrez, ao questionar: “Que linguagem é necessária para aqueles que não são considerados seres humanos, pessoas, que são filhos de Deus? Essas perguntas superam nossa capacidade de respostas, mas não podemos evitá-las, é uma questão vigente ainda hoje”.
Espiritualidade
“A espiritualidade, viver a fé, é um estilo de vida. É uma maneira de ser ser humano e cristão. Com a espiritualidade estou no terreno da prática”, diz. E acrescenta: “A pobreza e insignificância social é um verdadeiro desafio à vivencia da fé. Custou muito fazer com que várias pessoas entendam isso na igreja, que veem a pobreza colocada como extermínio social, quando na verdade é uma questão humana global; quando na verdade a pobreza é morte física e de alguma maneira cultural”.
Para Gustavo Gutiérrez, quando desprezamos uma cultura, de alguma maneira desprezamos os que pertencem a ela. “Como cristãos, estamos chamados a ser testemunhos da ressurreição, ou seja, da vitória sobre a morte. A criação é dom da vida. E a teologia desde o início foi coletiva e ecumênica.”
“Gostaria de relembrar que esta teologia tentou se definir como reflexão crítica sobre a prática à luz da fé. Reflexão crítica quer dizer que somos conscientes da necessidade de um rigor no pensamento e na reflexão. Com humildade, mas com convicção, a melhor resposta que podemos ser capazes de dar para dizer ao povo que Deus o ama, mesmo na situação que ele vive, é na solidariedade com o pobre e rejeição à opressão.” E completa: “A Teologia da Libertação, que é o que denominamos de opção preferencial pelo pobre, é importante para lembrar que a igreja é de todos, mas principalmente dos pobres”.
Perspectivas
Gustavo Gutiérrez acredita que hoje, não apenas na América Latina, os cristãos no mundo estão confrontados a grandes desafios e no interior de cada um deles muitos outros. “Não há desafio que não nos ofereça um novo campo hermenêutico para que possamos entender a fé e alimentar sua vivência.” E continua: “Acredito que a pobreza é um desafio à vivência da fé, porque nos leva a repensar a mensagem cristã e a colocá-la a novas bases - diferentes”.
Gutiérrez acredita ainda que há um critério para sabermos se estamos perto de Deus, “e esse critério é saber se estamos perto dos pobres”. Segundo ele, devemos saber de que Deus falamos. “Como falar aos pobres que Deus o ama?”, questiona. E completa: “Devemos compreender de qual Deus precisamos falar”.
Pluralidade religiosa
“Acredito que a pluralidade é essencial. A pluralidade das religiões coloca grandes desafios e acredito que oferece também minas de desafios que nos levam a pensar de inúmeras maneiras a mensagem cristã.”
Para Gustavo Gutiérrez, a teologia é e deve ser sempre uma hermenêutica quando falamos as razões da nossa esperança. “Talvez esses nossos esforços possam parecer utópicos para nós. O futuro vem da convicção pelo sofrimento e isso é o que nos leva a continuar tendo esperança.”
Por fim, Gutiérrez termina a teleconferência com a seguinte frase: “Os jovens teólogos devem estar perto da sociedade, do povo, estudar com vigor e levar a sério o desafio”.
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