Aconteceu neste final de semana um importante encontro
de líderes e cristãos de várias Igrejas em Caracas, capital da Venezuela. Esse
encontro não foi para falar de suas Igrejas e sim para refletir sobre o novo
caminho social e político que se fortalece em vários países da América Latina.
O objetivo foi aprofundar o compromisso espiritual dos cristãos em participar e
colaborar com esse processo.
O encontro sobre bolivarianismo e espiritualidade
cristã concluiu que, hoje, ser cristão, na América Latina, implica em
participar de todo processo social que rompa com a desigualdade social e vença
o estado crônico de injustiça em que vivem muitos de nossos países. Em 1968, na
famosa conferência do episcopado católico latino-americano em Medellín
(Colômbia), os bispos denominaram a realidade social e política do continente
como uma situação de injustiça estrutural. Ora, como afirmou Dietrich
Bonhoeffer, mártir do nazismo: "Não basta fugir do mal. A ética cristã nos
manda combatê-lo”.
Tanto os participantes da Venezuela, como pastores e
teólogos/as de outros países, colocaram em comum uma lúcida análise da
realidade social e política do continente. Analisaram profundamente o chamado
"processo bolivariano”. Chama-se assim porque se inspira no pensamento e ação
de Simon Bolívar, o libertador de vários países da América Latina no início do
século XIX. Constataram que se trata de um caminho de mudanças sociais e
políticas que parte da promoção humana dos empobrecidos, toma como prioridades
a educação e a saúde para todos e valoriza as culturas indígenas e negras ainda
marginalizadas em nosso continente.
A UNESCO reconheceu que a Venezuela, o Equador e a
Bolívia são países que superaram totalmente o analfabetismo, triplicaram o
número de jovens nas universidades gratuitas do Estado e estenderam a todo o
país o atendimento médico de família e um plano de habitação que inclui milhões
de pessoas. Concretamente, os cristãos -reunidos nesse final de semana em
Caracas- afirmaram ecumenicamente que as iniciativas de integração emergente em
vários países do continente são sinais da realização do projeto divino no
mundo. E não somente sinalizaram seu apoio a organismos comerciais e culturais
que unem nossos países. Reconheceram também que esse caminho de integração
entre os países e de diálogo entre as culturas desafia as Igrejas a
intensificar seu esforço pela unidade a serviço da paz e da justiça no mundo.
Muitas vezes, no passado, as Igrejas se posicionaram
contrárias a processos sociais e políticos de natureza transformadora. Parecia
que toda religião é por essência contrária às mudanças sociais transformadoras.
Entretanto, a partir da década de 60, muitos cristãos e ministros de Igrejas,
com fome e sede de justiça, se inseriram nos movimentos e grupos que lutavam
por mudanças sociais. Dessa prática surgiu a Teologia da Libertação que neste
ano completa 40 anos de serviço às melhores causas da humanidade. Sem dúvida, o
novo caminho bolivariano é expressão de muitas lutas e conquistas concretas dos
movimentos sociais. Mas nesse caminho foi também importante a participação
ativa e profunda de cristãos, assim como o apoio de ministros, tanto bispos e
padres católicos, como pastores e pastoras evangélicos. Essa abertura dos
cristãos ao processo revolucionário emergente no continente tem sido também um
caminho espiritual que tem feito bem à própria fé. Conforme a maioria das
tradições espirituais, a espiritualidade é um processo que deve ajudar a cada
pessoa evoluir do estágio de amor egocêntrico, para o etnocêntrico até atingir
uma capacidade de amorosidade aberta a todo ser humano e ao próprio universo. O
processo revolucionário se dá, então, no nível social e político, mas também no
plano pessoal. E quem tem fé reconhece Deus na origem e na condução desse processo.
O salmo nos faz orar: "Em ti, está o manancial da vida. Através da luz que vem
de ti, (luzes humanas), vemos a tua própria luz” (Sl. 36, 9).
Marcelo Barros
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