quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Alba dos caminhos espirituais

Aconteceu neste final de semana um importante encontro de líderes e cristãos de várias Igrejas em Caracas, capital da Venezuela. Esse encontro não foi para falar de suas Igrejas e sim para refletir sobre o novo caminho social e político que se fortalece em vários países da América Latina. O objetivo foi aprofundar o compromisso espiritual dos cristãos em participar e colaborar com esse processo.
O encontro sobre bolivarianismo e espiritualidade cristã concluiu que, hoje, ser cristão, na América Latina, implica em participar de todo processo social que rompa com a desigualdade social e vença o estado crônico de injustiça em que vivem muitos de nossos países. Em 1968, na famosa conferência do episcopado católico latino-americano em Medellín (Colômbia), os bispos denominaram a realidade social e política do continente como uma situação de injustiça estrutural. Ora, como afirmou Dietrich Bonhoeffer, mártir do nazismo: "Não basta fugir do mal. A ética cristã nos manda combatê-lo”.
Tanto os participantes da Venezuela, como pastores e teólogos/as de outros países, colocaram em comum uma lúcida análise da realidade social e política do continente. Analisaram profundamente o chamado "processo bolivariano”. Chama-se assim porque se inspira no pensamento e ação de Simon Bolívar, o libertador de vários países da América Latina no início do século XIX. Constataram que se trata de um caminho de mudanças sociais e políticas que parte da promoção humana dos empobrecidos, toma como prioridades a educação e a saúde para todos e valoriza as culturas indígenas e negras ainda marginalizadas em nosso continente.
A UNESCO reconheceu que a Venezuela, o Equador e a Bolívia são países que superaram totalmente o analfabetismo, triplicaram o número de jovens nas universidades gratuitas do Estado e estenderam a todo o país o atendimento médico de família e um plano de habitação que inclui milhões de pessoas. Concretamente, os cristãos -reunidos nesse final de semana em Caracas- afirmaram ecumenicamente que as iniciativas de integração emergente em vários países do continente são sinais da realização do projeto divino no mundo. E não somente sinalizaram seu apoio a organismos comerciais e culturais que unem nossos países. Reconheceram também que esse caminho de integração entre os países e de diálogo entre as culturas desafia as Igrejas a intensificar seu esforço pela unidade a serviço da paz e da justiça no mundo.
Muitas vezes, no passado, as Igrejas se posicionaram contrárias a processos sociais e políticos de natureza transformadora. Parecia que toda religião é por essência contrária às mudanças sociais transformadoras. Entretanto, a partir da década de 60, muitos cristãos e ministros de Igrejas, com fome e sede de justiça, se inseriram nos movimentos e grupos que lutavam por mudanças sociais. Dessa prática surgiu a Teologia da Libertação que neste ano completa 40 anos de serviço às melhores causas da humanidade. Sem dúvida, o novo caminho bolivariano é expressão de muitas lutas e conquistas concretas dos movimentos sociais. Mas nesse caminho foi também importante a participação ativa e profunda de cristãos, assim como o apoio de ministros, tanto bispos e padres católicos, como pastores e pastoras evangélicos. Essa abertura dos cristãos ao processo revolucionário emergente no continente tem sido também um caminho espiritual que tem feito bem à própria fé. Conforme a maioria das tradições espirituais, a espiritualidade é um processo que deve ajudar a cada pessoa evoluir do estágio de amor egocêntrico, para o etnocêntrico até atingir uma capacidade de amorosidade aberta a todo ser humano e ao próprio universo. O processo revolucionário se dá, então, no nível social e político, mas também no plano pessoal. E quem tem fé reconhece Deus na origem e na condução desse processo. O salmo nos faz orar: "Em ti, está o manancial da vida. Através da luz que vem de ti, (luzes humanas), vemos a tua própria luz” (Sl. 36, 9).

Marcelo Barros

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