Na volta da guerra, uma comunidade de El Salvador com um forte senso de coletividade mostra o caminho de um projeto alternativo
Celebração no Templo dos Mártires e Heróis, na comunidade de
Segundos Montes - Foto: Voices from CSM
|
A
região norte de Morazán, no leste de El Salvador foi o berço das
Comunidades Eclesiais de Base e de um importante setor da guerrilha
salvadorenha nos anos 1970.
Esquecida pelos governos militares e as
oligarquias ao longo da sua historia, hoje em dia esta região montanhosa
se caracteriza por ser um reduto onde os níveis de violência são
visivelmente baixos.
Em um país no qual as mortes violentas tornaram-se
cotidianas, a taxa de homicídios de Morazán se contrapõe à de San
Salvador, a capital: 18,9 contra 78 homicídios por cada 100 mil
habitantes, respectivamente.
No município de
Meanguera, onde se assenta a Comunidade Segundo Montes, as extorsões que
afetam a economia dos pequenos e medianos comércios no restante do país
são inexistentes. As gangues também. A Segundo Montes contrasta com o
resto das comunidades rurais do país não somente nos baixos níveis de
violência, mas também na presença de diversas instituições cuja origem
se remonta aos inícios da guerra, quando milhares de pessoas tiveram que
se exilar no vizinho departamento de Colomoncagua em Honduras para
fugir dos massacres perpetrados pelos militares nos anos oitenta.
No
acampamento, os refugiados, na sua maioria mulheres, crianças e
anciãos, começaram um dinâmico processo de autoeducação: formaram seus
próprios educadores populares para alfabetizar adultos e crianças, se
organizaram para proteger e garantir a sobrevivência dos mais
vulneráveis, e com ajuda da cooperação internacional, instalaram
diversas oficinas onde aprenderam metalurgia, costura, sapataria,
artesanato, mecânica e se tornaram a base social da guerrilha
fornecendo-lhe roupa, sapatos e comida.
De lá,
voltaram no meio da guerra com um forte senso de coletividade e com o
objetivo de estabelecer indústrias baseadas nos ofícios aprendidos no
refugio. Buscavam a autossustentabilidade da comunidade e a manutenção
das diversas instituições de proteção social, mas o retorno a um El
Salvador neoliberal, o descaso dos governos de direita e a sabotagem de
alguns comandantes de médio escalão da própria guerrilha levaram as
fábricas à falência.
Apesar do prejuízo
econômico, o cenário da Segundo Montes é único no país: uma rede de
instituições que garantem o desenvolvimento da comunidade, duas
bibliotecas, um centro de anciãos, creches, centros de reabilitação para
ex-combatentes, escola de música, centros e organizações de jovens. No
entanto, a comunidade não está fora do contexto generalizado de
desemprego estrutural e ameaças a soberania alimentar causados pela
forte abertura comercial de 20 anos de neoliberalismo e muitas das suas
instituições dependem da cooperação internacional, que começou a se
reduzir com a crise europeia.
Os habitantes da
Segundo Montes e da região norte de Morazán se encontram em uma situação
de vulnerabilidade social e alimentar. Muitos participam dos programas
sociais criados pelo governo da Frente Farabundo Martí para La
Liberación Nacional, ex-guerrilha que em 2009 assume o poder executivo
após 17 anos de legalidade. Oito são os programas sociais que o governo
de Mauricio Funes, atual presidente da república, focalizou na população
mais desfavorecida e que de forma imediatista, atenuam os impactos da
abertura comercial.
Os problemas estruturais da
economia salvadorenha não têm sido encarados frontalmente pelo governo
da FMLN. A cesta básica, os serviços de água, energia e gás continuam a
aumentar enquanto se deterioram os salários e diminui a oferta de
empregos de qualidade, jogando milhares de pessoas na informalidade. Ao
invés de promover uma mudança na política fiscal que permita a
arrecadação de impostos das classes dominantes, cujos lucros permanecem
intocáveis, o governo da FMLN optou pela via que sempre criticou
enquanto partido de oposição: o endividamento externo para manter os
programas sociais e subsídios. A dívida externa teve um aumento de 2,5
milhões de dólares, com relação ao que herdou do governo anterior, de
direita, e chega a 13 bilhões de dólares.
Perante
a insustentável situação limite na qual o país se encontra, a
experiência histórica da Comunidade Segundo Montes aponta para uma
alternativa ao horizonte colocado pelo sistema do capital. Apesar de que
muito se perdeu no pós-guerra, elementos para a construção de uma
sociabilidade que supere os defeitos estruturais do capital, como a
eliminação de hierarquias, o trabalho coletivo e a autogestão, se
encontram ainda latentes na comunidade.
María Gabriela Guillén é
doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia, da FCLar/Unesp.
Nenhum comentário:
Postar um comentário