terça-feira, 31 de julho de 2012

A teologia, a ortodoxia e a democracia




A questão mais debatida na América Latina nas últimas semanas é o impeachment do presidente Fernando Lugo, que pode ser considerado um golpe de estado, apesar de o governo “golpista” negar e afirmar que executou tudo dentro das normas constitucionais. O fato é que a democracia na América Latina mais uma vez foi ferida.
 
Semelhante ao que aconteceu com João Goulart no Brasil, em 1964, os ”golpistas” aproveitaram uma viagem do presidente, neste caso a participação de Fernando Lugo na Rio+20, realizada no Brasil, para, através da câmara dos deputados, abrirem o processo que levaria a cassação do presidente paraguaio. Lugo teve 24 horas para preparar uma defesa que teria de ser feita em duas horas. Héctor Timerman, chanceler argentino, em entrevista ao jornal Página 12, também argentino, denunciou o golpe: “Praticaram uma execução sumária. Darem duas horas de defesa a um presidente democraticamente eleito - um tempo menor que o que se concede a quem recorre de uma multa por avançar um sinal vermelho”.
 
Ataques à democracia à parte, um fator interessante do pós-impeachment no Paraguai foi o posicionamento do Vaticano, que reconheceu quase que instantaneamente o novo governo liderado por Federico Franco. Não é segredo que
Fernando Lugo - aposentado, em 2004, pela igreja católica da função de bispo, sem razões divulgadas e recebendo a denominação de bispo emérito - é adepto da teologia da libertação, um movimento cristão de abordagem política que promove a justiça social, em defesa dos pobres e oprimidos; utilizando, para isso, as orientações do Concílio Vaticano II (1962-65), que tem como intuito a opção preferencial pelos pobres. É caracterizada por alguns autores como um marxismo cristianizado.
 
O Vaticano julga a abordagem marxista da teologia da libertação equivocada, por considerá-la herética, já que faz uma leitura materialista e ateia dos acontecimentos espirituais e também por considerar a aceitação de ideologias políticas como incompatível com a doutrina católica.
 
A aposentadoria de Fernando Lugo da função de bispo, para muitos, deve-se à sua militância política e ligação com a teologia da libertação, já que é sabido que o ex-presidente paraguaio é profundo admirador e próximo de alguns expoentes da teologia da libertação, como Leonidas Proaño e os brasileiros Frei Betto, Leonardo Boff e Hélder Câmara. Em 2008, para concorrer à presidência, Lugo abandonou a batina definitivamente, já que a lei paraguaia exige a renúncia da vida religiosa para a participação em eleições.
 
Bento 16, assim como foi seu antecessor, João Paulo 2º, é um grande defensor da ortodoxia católica e combate veementemente à rebeldia dos integrantes da igreja que tentam fugir da doutrina católica tradicional. Não é interessante ao Vaticano que um ex-bispo adepto da teologia da libertação lidere um país católico e conservador.
 
Em um período no qual a teologia da libertação está em declínio, o Vaticano acredita ter vencido mais uma batalha para acabar com os defensores do movimento. Mas Fernando Lugo não se dá por vencido e já formou um governo paralelo ao de Federico Franco. Movimentos sociais e apoiadores de Lugo protestam e lutam pelo restabelecimento da ordem democrática no Paraguai. Mais um capítulo da história da América Latina está sendo escrito e promete muitos parágrafos até o último ponto final.

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