O impasse para a não negociação do
governo com os professores deve-se também aos modelos e práticas
institucionais das representações sindicais do ANDES-SN e do PROIFES.
Há mais de dois meses o país vem
assistindo ao desenrolar de uma greve sem precedentes: a quase
totalidade dos professores da rede federal de ensino [1]
está em greve contra o governo Dilma Rousseff. A greve mobiliza-se em
defesa de uma reestruturação da carreira docente e por melhores
salários. Junto com os professores, também estão em greve os
funcionários técnico-administrativos da rede federal de ensino,
categoria funcional que, se comparada com as demais categorias, é a
portadora dos salários mais baixos do funcionalismo público federal. O
atual governo petista tem no seu comando um expressivo corpo de
tecnocratas com trajetórias políticas de esquerda, a começar
pela própria presidenta Dilma Roussef. Grande parte dessa tecnocracia
tem suas origens políticas junto a partidos socialdemocratas como o PT, o
PCdoB e o PDT, e a centrais sindicais como a CUT (Central Única dos
Trabalhadores). Como um governo com esse timbre deixa indefinidas por
tanto tempo as negociações com os professores federais em greve? Neste
artigo proponho uma sumária descrição da greve em desenvolvimento, e com
isso faço uma breve reflexão sobre o trabalho docente dentro das
universidades federais, especialmente o trabalho dos
professores-doutores.
Cenas de uma greve em andamento
No
dia 13 de julho de 2012, com quase dois meses de greve, o governo Dilma
reuniu-se pela primeira vez com os sindicatos dos professores, o
ANDES-SN (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino
Superior) e o PROIFES (Fórum dos Professores de Instituições Federais do
Ensino Superior), e nessa ocasião apresentou uma proposta de reajuste
salarial e reestruturação da carreira aos professores em greve [2].
A greve foi iniciada no dia 17 de maio de 2012 sob a liderança do
ANDES-SN, com a paralisação de 14 universidades; nas duas semanas
seguintes estavam paralisadas 40 universidades. Nessa ocasião, o PROIFES
era contrário à greve porque se convencia de estar em efetiva
interlocução com o Ministério da Educação (MEC) e com o Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG). No entanto, em 27 de maio, foi
deixado a falar sozinho pelos corredores ministeriais, porque os
negociadores do governo cancelaram a reunião sem dar explicação alguma.
Sem o seu costumeiro interlocutor e com uma greve em andamento, o
PROIFES tinha um sério problema a enfrentar: os próprios professores em
greve. O caso da ADUFG/PROIFES em Goiânia foi emblemático. No dia 06 de
junho, já com 40 universidades em greve, a ADUFG convocou uma assembleia
a realizar-se no auditório da Faculdade de Artes Visuais da
Universidade Federal de Goiás. Para surpresa do sindicato, às 14h30
estavam presentes mais de 400 professores. No dia 04 de junho, os
estudantes da UFG decretaram-se em greve. No dia da assembleia dos
professores muitos estudantes estavam nas imediações do auditório com um
“apitaço”, manifestando apoio à greve nacional dos professores.
Iniciados os trabalhos, a presidente da mesa procedeu a uma manobra
perigosíssima diante dos mais de 400 professores à sua frente: afirmou,
para espanto de todos, que só começaria a assembleia se todos os
filiados da ADUFG no auditório estivessem sentados “à frente”, para que
os mesmos pudessem manifestar visivelmente os seus votos “oficiais”. Com
essa exigência, a presidente da mesa (também presidente do sindicato)
cometeu o maior erro político da sua curta carreira como gestora do
sindicato dos professores da UFG. Os professores presentes no auditório
numa estrondosa vaia recusaram essa divisão protocolar de uma assembleia
apenas para filiados do sindicato, já que era uma assembleia dos
professores da universidade, e exigiam-lhe o início dos trabalhos.
Centenas de professores pediam o início da assembleia; e como a
presidente da mesa afirmasse que a assembleia seria apenas para os
filiados do sindicato, uma professora subiu ao palco para tentar fazer
uso do microfone, em protesto àquela situação. Desse gesto e da recusa
ao início dos trabalhos, seguiu-se um tumulto com alguns professores
para, logo a seguir, a presidente da mesa e do sindicato declarar a
assembleia encerrada por não oferecer condições de segurança aos membros
da mesa. Os representantes sindicais abandonaram os trabalhos levando
consigo microfones e caixas de som. Não conseguiram levar a mesa que
estava no meio do palco, porque, de fato, era uma mesa pesada. Algo de
extraordinário aconteceria logo a seguir: as centenas de professores ali
presentes, não abandonaram o auditório, a assembleia pode finalmente
começar e, duas horas depois, 400 professores declararam por unanimidade
a greve na UFG. Daquela extraordinária assembleia organizou-se o
Comando Local de Greve, composto por jovens professores, desconhecidos
entre si e da grande maioria dos presentes. São esses professores que há
mais de um mês organizam as assembleias e os trabalhos de divulgação da
greve em andamento. Para a maioria deles e para a maioria dos demais
professores da UFG, que estão paralisados, esta é a primeira greve de
suas vidas.
Nos
dias seguintes o sindicato tentou criminalizar o acontecido, mas nada
pode fazer diante do processo em curso. Numa prática habitual,
consultando por email os seus filiados, a ADUFG/PROIFES
decidiu-se pela greve no dia 15 de junho; nessa data a greve nacional já
paralisava mais de 80% das universidades e institutos federais. Nas
assembleias seguintes, os professores em greve na UFG puderam conhecer
efetivamente a realidade do seu sindicato. Quando a discussão para o
fundo de greve se fez presente, os professores descobriram esta
situação: o sindicato, com uma receita líquida mensal de 160 mil reais
(receita anual de quase 2 milhões de reais) obtida das mensalidades dos
seus filiados, veio a público para dizer que não tinha dinheiro
disponível para o fundo de greve porque comprometia parte significativa
da sua receita na construção de um prédio nos anexos da sede, e que,
quando muito, poderia dispor ao Comando Local de Greve algo em torno de
20 mil reais. Para justificar que não tinha dinheiro para o fundo de
greve, o sindicato mostrou à assembleia as planilhas das receitas e
gastos de manutenção, deixando claro a todos que ao funcionar como uma
empresa capitalista comprometia a integralidade da sua receita com uma
estrutura que só atendia as particularidades da sua dinâmica interna. Um
professor na assembleia sugeriu então que fosse vendido o luxuoso
automóvel que a diretoria do sindicato usa para se deslocar pelas ruas
de Goiânia e pelas estradas do estado e que, com o dinheiro da venda do
automóvel e mais os 20 mil inicialmente oferecidos, o Comando de Greve
poderia dispor de uma quantia razoável para os trabalhos de organização.
Diante dessa proposta e de outras mais, logo a seguir, o Sindicato
comunicou à Assembleia a disponibilização de 60 mil reais para o fundo
de greve, e que para isso interromperia as obras do novo prédio. O
automóvel não foi vendido.
Em suma, as assembleias dos professores
em greve na UFG mostraram aos mesmos que, além do governo, tinham também
outro inimigo político: o sindicato ADUFG/PROIFES. Ressalvar a questão
sindical parece-me fundamental porque o grande impasse para a não
negociação do governo com os professores deve-se também aos modelos e
práticas institucionais das representações sindicais do ANDES-SN e do
PROIFES. Não poderei aqui desenvolver em maior detalhe essa questão, o
farei noutro artigo, mas um fato já é evidente: o sindicato PROIFES será
o grande derrotado; em curto prazo ou se reformulará ou desaparecerá, o
que não quer dizer que o ANDES-SN possa vir a ser vitorioso. O
extraordinário processo de auto-organização dos professores, a sua
radicalidade na percepção do cenário político do capitalismo sindical
que a greve lhes apresenta, a afronta política que o governo lhes impõe,
esses inquestionavelmente serão os resultados mais significativos para
os professores federais em greve. Sairão derrotados o governo petista, o
sindicato PROIFES (CUT, PT, PCdoB e PSDB) e também o ANDES-SN
(CONLUTAS, PSol e PSTU). Desta greve, os únicos vitoriosos serão os
professores, mesmo que não tenham nenhuma de suas reivindicações
atendidas.
Impasses de uma negociação
Os ministérios responsáveis pelas
negociações com os professores em greve procrastinaram o diálogo até
limites de intransigência absurda, e somente quando a greve já atingia
56 das 59 universidades é que, no dia 13 de julho, apresentaram aos
docentes a sua proposta de reestruturação da carreira e aumento
salarial. Na semana seguinte, os professores de todas as universidades
em greve (no dia 23 de julho, das 59 universidades federais, apenas uma,
a Universidade Federal do Rio Grande do Norte [UFRN] não estava em
greve) rejeitavam unanimemente a proposta do governo.
O tão
anunciado aumento de “até” 45% que o governo Dilma apresentou aos
professores federais no dia 13 de Julho de 2012 atenderia apenas uma
minoria reduzidíssima dos Professores Titulares em final de carreira.
Consideremos aqui, para dar melhor sentido, o salário de um Professor
Doutor em início de carreira (70% dos professores federais são
doutores). Um professor doutor começa a sua carreira como Professor
Adjunto 01 e recebe atualmente 7.627,01 reais (valores de março de
2012). Com a proposta do governo, a partir de julho de 2013 (!) o valor
passaria a 8.580,00 reais (perceba o leitor: a primeira parcela do
“aumento” salarial proposta pelo governo seria paga daqui a um ano!); em
março de 2014 receberia a segunda fração do aumento, com o salário
passando a 9.300,00 reais; e em março de 2015 receberia exatos 10.007,24
reais. Isto é, neste exemplo, o governo propunha um aumento escalonado
até março de 2015 de 32% sobre o valor atual.
Conclua-se, portanto, que para a maioria do Magistério Superior federal,
se fosse aceito, o aumento proposto pelo governo a ser pago em parcelas
até 2015 para a grande maioria dos professores seria de 32%. E somente
em julho de 2013 (!) é que aconteceria o pagamento da primeira parcela.
Assim, daqui um ano o aumento salarial significaria apenas 12%
sobre o salário atual. Os propalados 45% de aumento são uma grande
farsa contábil, pois sequer atingiriam a grande maioria dos docentes do
Magistério Superior federal (os doutores-adjuntos); muito pelo
contrário, somente uma minoria do conjunto (algo próximo a 10%) seria
atendida com esse reajuste e ainda assim só em março de 2015 [3].
Contudo, os problemas da proposta do governo, rejeitada por unanimidade
pelos professores em greve, não se limitavam apenas às correções
salariais. Apresentaram-se ali aspectos a considerar ainda mais graves
do que esses e que cabe aqui destacar, porque tais problemas haverão de
permanecer no conjunto das negociações ainda em andamento do governo com
os grevistas.
A carreira de um professor doutor nas universidades federais
Atualmente, um professor com o título de
Doutor inicia a sua carreira no Magistério Superior federal como
Adjunto 01, e com interstícios de dois em dois anos pode progredir até
Adjunto 04. Além das oito horas-aula semanais mínimas exigidas, a
realização dos seus projetos de pesquisas e orientação de alunos na
graduação, especialmente em trabalhos de conclusão de curso, se estiver
trabalhando em algum curso de Pós-Graduação Stricto Sensu na sua
Universidade, terá direito de pleitear promoção para a categoria de
Professor Associado; para isso passará por avaliações de produção
(artigos e livros, etc.), deverá estar ministrando uma disciplina e ter
orientandos no Mestrado e/ou Doutorado. Se aprovado, segue evolução
escalonada de Associado 01 até Associado 04, passando também pelos
mesmos interstícios de dois anos para superar cada etapa. Um detalhe a
observar é que, nesse caso, a avaliação de progressão (de Adjunto para
Associado) será feita por uma comissão da Universidade externa à sua
Faculdade de origem. São processos que demoram vários meses para serem
concluídos. No fim da sua vida, e se houver alguma vaga na sua
Faculdade, esse professor Associado 04, se tiver paciência, coragem e
forças, poderá fazer um concurso público para Professor Titular. Nas
raríssimas oportunidades em que tais vagas se disponibilizam, quase
sempre esse professor enfrentará, no concurso, concorrentes da sua
própria Faculdade e concorrentes de outras Faculdades e Universidades,
porque se trata de um concurso público nacional. Nessas ocasiões a
Faculdade vive dias constrangedores de grande agitação estudantil, como
estão presentes interesses particulares em disputa, torcidas dos alunos
orientandos de cada professor em pugna manifestam-se pelos corredores,
além das costumeiras manifestações de vaidades enlouquecidas que fazem
tremer os bastidores das reuniões de colegiado; nessas reuniões quase
sempre se escutam frases assim: “a minha obra é muito mais importante do
que a sua!”. Enfim, depois de muitos anos nessa solitária trajetória,
se aprovado como Titular, esse professor finalmente chega ao ápice da
sua “excelência acadêmica”. Nessa altura da vida, o senhor Professor
Doutor Titular poderá respirar fundo e, muito orgulhoso de si mesmo,
abrirá um largo sorriso diante do espelho, “eu consegui!”, dirá ele para
si mesmo. Em carreiras assim apresentadas e assim escalonadas, é
impossível no cotidiano das universidades qualquer espaço para
solidariedades efetivas entre os professores. É por isso que as práticas
que a atual greve tem apresentado marcam-se como uma vitória
exponencial para os professores: na greve constroem-se práticas de
solidariedade orgânica, práticas impossíveis no dia a dia do trabalho
docente, esmagado por imposições de carreira que têm como resultado
cenas de selvageria explícita entre os professores, ainda que pelos
corredores todos sejam muito educados uns com os outros.
O ingresso por concurso público às
Universidades Federais é predominantemente feito por Doutores, e para o
cargo de Adjunto, mas ainda há muitos concursos para Professor
Assistente, principalmente para as Universidades de estados da federação
mais distantes do eixo Rio-São Paulo, que ainda é o eixo dominante da
excelência acadêmica nacional, e em menor escala, muito raros, os
concursos para Professor Auxiliar (professores apenas com a graduação).
Para um Professor Assistente exige-se o título de Mestre e atualmente a
sua progressão também segue os interstícios de dois anos (de Assistente
01 até Assistente 04); mas, neste caso, só passará a Adjunto se tiver o
título de Doutor (o mesmo vale para o professor Auxiliar; este só
passará a Assistente quando tiver o título de Mestre). Ainda há muitos
professores Assistentes no conjunto do Magistério Superior federal, mas o
predomínio, repito, é de Professores Doutores, professores Adjuntos [4],
mas poucos são Associados, isto porque para ser Professor Associado,
além do título de Doutor, como afirmei, esse professor precisa estar
vinculado a um Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu, e nem todas as
Universidades Federais têm Programas de Pós-Graduação disseminados; a
evidência maior dessa realidade acontece nas Universidades mais
“distantes” do eixo acadêmico hegemônico. É comum o argumento de que o
governo, na sua proposta de reorganização das carreiras, esteja a
estimular a criação desses ambientes institucionais de pós-graduação
fora do eixo dominante. Essa é uma “meia-mentira”. É importante
ressalvar que uma Pós-Graduação só começa a funcionar se aprovada pelo
CAPES/CNPq, agências de fomento controladas, evidentemente, por aqueles
professores originados desses centros dominantes de “excelência”
acadêmica. Para um Programa de Pós-Graduação ser aprovado, além dos
protocolos burocráticos formais, exige-se por parte dos proponentes um
substantivo capital acadêmico, isto é, que esses proponentes tenham boas
relações com os professores-gestores que controlam as diretrizes das
áreas do conhecimento dentro dessas agências de fomento; só com esse
tipo de relacionamento, comumente construído por relações de
orientadores e orientandos (doutores e doutorandos em formação), é que
se pode efetivamente aprovar o funcionamento de um Programa de
Pós-Graduação. Por exemplo, se um grupo de professores doutores dentro
de uma Universidade resolvesse criar um curso de Pós-Graduação porque
com o mesmo poderia melhor equacionar as realidades de pesquisa local
que lhe fossem demandadas, mesmo que viesse a cumprir todos os
protocolos burocráticos, só conseguiria ter algum sucesso com a demanda
se alguém desse grupo tivesse “bons contatos” institucionais e se as
ementas e diretrizes teóricas fossem ajustadas ao paradigma teórico em
vigência naquela semana da entrega da proposta. Demoram-se muitos anos
para que um Programa de Pós-Graduação seja aprovado e autorizado a
funcionar. Em suma, no quadro descrito do Magistério Superior federal
são raríssimos os Professores Titulares, são maioria absoluta os
Professores Adjuntos e, em menor proporção, o conjunto dos Professores
Assistentes, Associados e Auxiliares.
Atualmente um professor Doutor-Adjunto
ainda sem vínculos com a Pós-Graduação deve obrigatoriamente ministrar
um mínimo de oito horas-aula semanais em cursos de Graduação e ter
projeto de pesquisa cadastrado em realização, além das orientações
citadas anteriormente. Se esse professor passar a trabalhar em nível de
Pós-Graduação, e se ainda conseguir ser aprovado como Associado, deverá
ter as mesmas oito horas-aula mínimas, mas nesse caso pode dar quatro
dessas horas-aula na Pós-Graduação e as outras quatro horas-aula na
Graduação. Nesse momento da carreira, além das aulas e das orientações
(da graduação e da pós-graduação), esse professor tem que
obrigatoriamente escrever e publicar livros e artigos em revistas
especializadas ranqueadas pelas agências de fomento à pesquisa; esses
são os produtos das suas pesquisas cadastradas junto à sua unidade.
Dependendo da área de atuação desse professor-pesquisador, os resultados
da sua produção intelectual serão naturalmente circunstanciados pelo
tempo que os objetos de pesquisa podem exigir. Por exemplo, num
laboratório de análises clínicas pesquisas podem dar resultados quase
que imediatamente se o pesquisador estiver com os materiais em mãos e
muitas vezes esse é o seu principal problema, porque um laboratório tem
uma complexidade tecnológica de alto custo, com ferramentas muitas vezes
ausentes do mercado nacional. O tempo de pesquisa, em situação como
essa, em grande parte depende da capacidade produtiva do laboratório; já
um historiador ou um sociólogo tem que inevitavelmente “gastar” muito
mais tempo individual na construção dos resultados das suas indagações
(pesquisa documental em jornais antigos, por exemplo, reflexões
conceituais detalhadas frente à tradição do campo indagado) e, numa
comparação extremamente simplificada, os resultados do pesquisador no
laboratório podem ser apresentados num artigo de poucas páginas, mas os
resultados da pesquisa de um historiador nunca podem ser apresentados
num artigo de poucas páginas, exceto se for um artigo de revisão
bibliográfica; como consequência, esse pesquisador publicará menos
artigos ou livros se comparado com o pesquisador e sua equipe no
laboratório. A natureza produtiva das ciências define quantitativamente
os resultados da produção intelectual de cada um (os resultados
qualitativos só poderão ser aferidos por pares no mesmo campo
científico). Enfim, são professores-pesquisadores com trabalhos de
pesquisa resolvidos em tempos muito diferentes, produtos a mais ou a
menos em carreiras distintas, mas com a mesma
caracterização institucional: são professores doutores. O que sugeria a
proposta do governo? Aumentar a carga de horas-aula para cada professor,
das atuais oito horas para um mínimo de doze horas-aula. O que poderia
ser um detalhe é, na verdade, o ponto fulcral da questão, e o que me
parece ser o mais grave nesta proposta. Vejamos.
Disse acima que a maioria do corpo
docente do Magistério Superior federal é constituída por Professores
Doutores na categoria de Adjunto. Um professor-adjunto pode ou não dar
aulas na Pós-Graduação; contudo, se quiser avançar na sua carreira tem
que inexoravelmente orientar pós-graduandos, além de realizar suas
pesquisas para os seus artigos e livros. Sem estes, não conseguirá
manter-se como professor Associado e muito menos atrever-se ao pleito de
um concurso para professor Titular. Esse é o ponto chave que está em
jogo nesta greve. O aspecto central que os professores em greve devem
manter de modo intransigente frente à ameaça tecnocrática suicida do
governo é a preservação da disponibilidade de TEMPO para a pesquisa.
Com a obrigatoriedade das doze horas-aula presenciais em sala de aula, o
tempo de pesquisa é dramaticamente reduzido, já que quatro horas-aulas a
mais em sala de aula representam para o professor que as ministra uma
quantidade enorme de horas que terá que dispor para os alunos dessa
disciplina, para a preparação das aulas, para as provas e trabalhos a
corrigir, tempo, portanto, impedido à pesquisa. Mas, além, da
progressiva perda do controle do seu tempo produtivo, sofre outro acinte
administrativo por parte do Ministério de Educação.
Atualmente, com o título adquirido, se
for um Doutorado, por exemplo, um professor-mestre Assistente passa
automaticamente para Professor Doutor Adjunto 01. Na proposta de
reestruturação da carreira do governo (proposta que foi rejeitada
unanimemente pelas 58 universidades em greve, mas ainda não
reconsiderada pelo governo) esse direito pela titulação adquirida deixa
de valer, porque o MEC impõe, à sibilina, que o portador do novo título
acadêmico passe também por um processo que define como “de avaliação de
desempenho de acordo com diretrizes estabelecidas pelo MEC”. Não ficam
claras quais poderiam ser essas “diretrizes” do MEC. Enfim, o governo
Dilma impõe aos professores federais do Magistério Superior inúmeros
outros obstáculos à progressão da carreira docentes, e são todos de uma
obscuridade tecnocrática sem precedentes. Por fim, é de se ressalvar que
o ápice da carreira para o Magistério Superior, o acesso à condição de
Professor Titular, como determina a proposta do governo, estaria
disponibilizado para apenas 20% das vagas existentes na Unidade de
Ensino de origem dos possíveis candidatos. O cenário interno da guerra
de “todos contra todos” estaria assim institucionalizado. Note-se,
portanto, que a existência reduzidíssima de professores Titulares (os
que receberiam em janeiro de 2015 os tais “45%” de aumento) é, pela
documentação oficial da proposta, sentenciada de fato à condição de
fração “reduzidíssima” no cenário das promoções possíveis na carreira de
um docente do Magistério Superior federal.
A proposta do governo Dilma é humilhante
para com os professores e humilhante para com a carreira do Magistério
Superior federal. A tecnocracia dos ministérios da Educação e do
Planejamento, de um modo insidioso, vem a público afirmar um aumento de
45% de salário, quando de fato o que oferece é a obrigatoriedade de 50% de aumento de trabalho em sala de aula,
roubando uma quantidade de horas semanais que, com bastante
dificuldade, os professores tentam preservar para as suas pesquisas. Uma
proposta inaceitável e que por isso foi rejeitada de imediato por todos
os professores em greve.
A guerra que virá
É fato consensual que a tecnocracia de
“esquerda” do atual governo (como a do governo Lula) é uma das melhores
expressões institucionais na organização do capitalismo no Brasil na
última década. Mas, ao atingir diretamente os tempos produtivos do
trabalho dos professores-pesquisadores, portanto, de todos os
professores federais das universidades (é intrínseca à função desse
docente a obrigatoriedade da pesquisa), anulando a capacidade de
pesquisa a favor de uma maior intensificação do trabalho em sala de
aula, essa tecnocracia compromete o futuro da produção capitalista
nacional, impedindo o país de estruturar de modo irreversível, por
décadas futuras, os níveis produtivos de mais-valia relativa com alto
valor técnico científico agregado. Enganam-se aqueles que pensam que a
greve do Magistério Superior federal possa ser uma greve organizada por
princípios “esquerdistas” (ou que seja uma greve do ANDES-SN, por ser
este um órgão sindical de oposição à CUT e mesmo ao governo). Muito ao
contrário, sabe-se que há entre os grevistas muitos professores
“esquerdistas” (como também é verdade que vários desses “esquerdistas”,
muito espertamente, durante a greve ficam em casa escrevendo artigos e
livros para ampliar os currículos Lattes, e que da greve mesmo pouco
querem saber; afinal, têm uma carreira de sucesso a defender, e depois
sempre poderão se abanar com os livros publicados).
Esta é uma greve em defesa da qualidade
do ensino e da pesquisa nas Universidades federais de ensino, uma greve
que perspectiva, portanto, uma maior eficiência para essa que é uma das
instituições fundamentais do capitalismo. Só há capitalismo robusto com
universidades centradas em pesquisa e ensino de excelência. Esta é uma
greve que no seu limite institucional defende um capitalismo mais
eficiente para o país. Paradoxalmente, portanto, é uma greve que exige
uma melhor eficiência administrativa da tecnocracia de “esquerda” que
comanda hegemonicamente os destinos institucionais do capitalismo
brasileiro. Esta é uma greve de professores que, na sua imensa maioria,
sempre estiveram ao lado dos governos de “esquerda” (Lula e Dilma). Com
esta greve, um fato pedagógico de extrema importância apresenta-se aos
professores e à população em geral: a “esquerda” capitalista que
administra o país (PT e PCdoB) ao lado da principal central sindical
(CUT) é inquestionavelmente a grande inimiga dos trabalhadores. Os
gestores-tecnocratas da esquerda da mais-valia absoluta, ao assumirem a
direção do governo brasileiro, querem agora impor aos professores
federais o seu controle institucional dos tempos produtivos da
mais-valia relativa. São, portanto, os nossos grandes inimigos, são
inimigos dos trabalhadores. Hoje, os gestores como classe dominante
capitalista não são mais o inimigo oculto de antes. Esta greve
os coloca a nu diante dos olhos de todos nós. Contudo, não é uma greve
de classe. Os professores em greve querem melhores salários, querem uma
melhor carreira, os professores em greve querem que a eficiência do
projeto capitalista que o país vem desenvolvendo nos últimos anos sob a
administração tecnocrática da “esquerda” capitalista (PT e PCdoB) seja
mantida e que as universidades sejam sócias fundamentais nesse projeto.
Os professores hoje em greve sempre apoiaram com bastante entusiasmo o
governo Lula e o governo Dilma, mas agora a boa relação tenderá a
acabar, porque, diante das necessidades macroestruturais da economia
capitalista brasileira, a intensificação da exploração terá que se
generalizar em patamares nunca antes vistos neste país. O colossal
avanço do capitalismo brasileiro no mundo encontrou na “esquerda”
capitalista, já citada, o seu melhor corpo gestor; mas, para que tal
processo se mantenha, a Universidade brasileira terá que se enquadrar
definitivamente como parte fundamental da reprodução dessas condições de
produção. A Universidade brasileira, terá que deixar de ser um paraíso
de “belas almas” e fazer de todos nós proletários da mais-valia
relativa.
João Alberto da Costa Pinto [*]
Professor Adjunto 3 na Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás.
Notas
[1] Além de 59
universidades, a rede federal de ensino envolve também o Colégio Federal
Pedro II (na cidade do Rio Janeiro), que está em greve, e ainda 38
Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFECT), 34 deles
também em greve. Centenas de milhares de alunos da rede federal de
ensino estão sem aulas por causa da greve.
[3] Para encerrar a
descrição dos números apresentados pela única proposta do governo até
agora apresentada, peço ao leitor que note, numa comparação simples, um
exemplo das distorções salariais, por titulações similares, no atual
quadro do funcionalismo público federal. Para o concurso público (com
inscrições ainda em aberto) da Receita Federal, o salário inicial de um
candidato aprovado ao cargo de Analista Tributário, portador de um
diploma em qualquer graduação, isto é, um profissional graduado sem
especialização para a função que exercerá, o salário desse candidato
aprovado será de exatos R$ 7.996,07. Disse anteriormente que atualmente o
salário inicial de um professor concursado com o título de Doutor é de
R$ 7.627,01, mas, se comparada a titulação com este exemplo do analista
tributário percebe-se a grande distorção salarial que há entre a força
de trabalho de titulação idêntica, porque um professor nas Universidades
Federais, concursado e apenas com a graduação (na categoria de
Auxiliar), começa a carreira com R$ 3.244,88.
[4] No exemplo que
melhor conheço – o da Universidade Federal de Goiás (UFG), conforme um
relatório de 2010 com dados totalizados até 31 de dezembro de 2009 (o
único disponível com dados totalizados mais recentes), do total de 1800
professores, em exercício e afastados (para titulação), 1111 eram
Doutores (62%), 583 eram Mestres (32%), 64 eram Especialistas (4%) e 42
eram professores apenas com Graduação (2%).Notícia por email de Socorro Lima
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