quinta-feira, 7 de junho de 2012

O aburguesamento da fé


 Segundo alguns sociólogos e pensadores modernos, um dos fenômenos que surgiu após a segunda guerra mundial, foi o “aburguesamento dos despossuídos”, caracterizado pela substituição do “ser” pelo “ter”. Estabelecendo assim, como tendência cultural o endeusamento do mercado de consumo, onde, as pessoas teriam o poder de consumir, e cada vez menos a capacidade de se humanizar, contemplar e aprofundar na existência.
Uma vez que, todo homem é um ser cultural, quase sempre, de maneira normativa a vida passa pela concepção da cultura em desenvolvimento no tempo e espaço. É o chamado “movimento das massas”, que diretamente é afetada pelos meios formatadores de valores e significados relacionados à vida em sociedade.
São inúmeras as provas de que a percepção, significado, e motivação de um povo (incluindo a igreja) são afetadas e influenciadas diretamente pelo momento histórico. Por exemplo, a reforma protestante em síntese foi uma resposta ao sincretismo religioso e a desigualdade social que foram incentivadas pela igreja católica durante quinze séculos. Observe que, a influência cultural no período da segunda guerra mundial aumentou as pregações de natureza escatológica, ao mesmo tempo em que, o desenvolvimento e o sucesso da teologia da libertação na América Latina, aconteceu principalmente porque denunciava a corrupção e anunciava a necessidade da igualdade social, o que sempre foram problemas crônicos nos países latinos subdesenvolvidos.
È incrível como o cenário sociocultural pode alterar motivações, interesses e até mesmo a mensagem anunciada pela igreja (o que não deveria acontecer). De modo que, dentro do contexto religioso no Brasil, o protestantismo iniciou-se como um fenômeno missionário que objetivava o anúncio puro e simples do evangelho de Cristo Jesus. A realidade socioeconômica do Brasil no inicio do século 20 ( quando o protestantismo começou a crescer) era precária e subdesenvolvida, enquanto que, a mensagem da igreja era fundamentada na urgência da salvação da alma e da esperança eterna com Cristo.
A manutenção da visão missionária, como também da pregação simples do evangelho permaneceu latente no coração da igreja brasileira (tanto das igrejas tradicionais como pentecostais) até o inicio da década de 80, quando começou sutilmente o movimento neopentecostal, exatamente no período em que, terminava a ditadura militar, e o Brasil começava a respirar os novos ares da democracia (caracterizado principalmente pelo capitalismo e consumismo).
É interessante observar que, no mesmo berço sociopolítico que abriria as fronteiras do mercado, gerando aumento de capital e consumo, nasceu também o movimento religioso (neopentecostalismo) que afrouxaria os marcos doutrinários que sempre pautaram a vida da igreja.
A convergência de fenômenos como: o estimulo político ao capital e ao consumo, a abertura e flexibilização da mídia, aumento do poder de consumo, e o desejo coletivo em consumir, proporcionaram o cenário ideal para o crescimento da teologia da prosperidade no Brasil.
Sem que percebêssemos, mudanças radicais em relação à doutrina bíblica foram acontecendo, onde a espiritualidade para muitos evangélicos não estaria mais atrelada a piedade, santidade, amor e obediência, mas antes, ao poder de consumo, acumulo, e ostentação social.
Aos poucos o culto centralizado em Cristo, foi sendo substituído pelo culto a personalidade humana, onde o centro seria os problemas, urgências, mimos, e idiossincrasias de fieis alienados do evangelho, mas plugados na prosperidade material.
Na sutileza do tempo, lideranças que prontamente se posicionaram contra o movimento da teologia do consumo, foram sendo vencidos pela ideologia daquilo que “dá certo” e não mais no principio do que “é certo”.
De modo que, recentemente, estamos presenciando inúmeras igrejas históricas (tradicionais, como pentecostais) se prostrarem diante do altar da teologia da prosperidade, substituindo os cultos de oração, por culto da vitoria financeira, os encontros de ensino da palavra, por campanhas do consumo.
Infelizmente, o “aburguesamento da fé” é uma realidade na pós-modernidade, e pode ser percebido nas compulsões e fetiches de inúmeros evangélicos que substituíram a missão de ganhar almas para Cristo, para conquistar coisas temporais em nome da fé.
Outra vez, a história se repete, porém agora no contexto religioso, onde o aburguesamento acontece no campo do materialismo e imediatismo, ao mesmo tempo em que, o empobrecimento espiritual é exposto através da mediocridade em relação ao conhecimento e submissão a vontade divina revelada pelas escrituras sagradas.
Permanecendo inalterada uma das mais belas e significativas expressões bíblica que afirma: “Porque para mim tenho por certo que as aflições desse tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada.” Mateus 8:18
Samuel Torralbo

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