No dia 18 de abril/12 escrevi o artigo
“Irmã Katherine: uma santa dos nossos dias”, fazendo a memória da vida
da religiosa missionária (falecida no dia 9 do mesmo mês na Santa Casa
de Misericórdia de Goiânia), e destacando o seu compromisso com as
Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e com a Saúde Pública (SUS).
Leia o
artigo em:
http://www.dmdigital.com.br/novo/#!/view?e=20120420&p=26ou em:
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&langref=PT&cod=66247
Por ter conhecido e convivido com a Irmã
Katherine, é com muita dor no coração que faço agora publicamente uma
denúncia: a Irmã Katherine, chamada -por sua dedicação à saúde pública-
“Irmã do SUS”, foi vítima da negligência e do descaso do próprio SUS. A
denúncia é baseada no dossiê “Relatório e Depoimentos relacionados à
Internação e Óbito de Ir. Katherine na Santa Casa de Misericórdia de
Goiânia – Goiás, de 4 a 9 de abril de 2012”, organizado pela Irmã Joana
Dalva Alves Mendes, Coordenadora Regional das Irmãs de São José de
Rochester – ISJR, família religiosa à qual a Irmã pertencia. O dossiê
-diz a Carta de apresentação- “tem como objetivo fazer um alerta sobre
as condições de atendimento aos pacientes, que se internam em hospitais
da rede pública e/ou conveniados de Goiânia e de outras regiões do
país”.
“Irmã Katherine Marie Popowich teve um
histórico de AVC, em setembro de 2011, o qual a levou a ser
hospitalizada na UTI do Hospital São Francisco de Assis em Goiânia e,
logo que saiu da UTI, foi transferida para a Santa Casa de Misericórdia,
após ter passado pela Unidade de Saúde da Família do Parque Tremendão
(Região Noroeste de Goiânia), realizado diversos exames, inclusive uma
tomografia do crânio no Hospital de Urgências de Goiânia (HUGO). O
encaminhamento da internação no dia 4 de abril/12 relatava outra
ocorrência de AVC como hipótese diagnóstica. Irmã Katherine, que desde o
dia 1º de abril/12 estava sentindo pouca energia, muita sonolência e
episódios de confusão mental, no momento da internação (4 de abril/12),
relatava não sentir dor, mas sonolência e só queria dormir o tempo
todo”.
Segundo o dossiê, “a atenção básica
oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS), na Unidade de Saúde de seu
bairro, Parque Tremendão, foi exemplar. Correspondeu ao que a Irmã
Katherine acreditava e defendia o que deve ser o SUS”.
Infelizmente, porém, o atendimento que a
religiosa recebeu na Santa Casa de Misericórdia – que é também o
Hospital-Escola da PUC-GO – foi bem diferente (muito precário). “Mesmo
sendo uma pessoa conhecida por seu trabalho e dedicação em defesa do
SUS, ironicamente, Irmã Katherine foi vítima da negligência dos
prestadores de serviços de saúde, trabalhadores do SUS”.
Eis alguns fatos que falam por si mesmos:
1- A demora no atendimento para a
internação. A religiosa foi internada por volta das 10h do dia 4 de
abril/12, acompanhada por duas Irmãs e a Agente de Saúde da Família do
Parque Tremendão. Permaneceu sentada numa cadeira de rodas por duas
horas. Levada para o quarto, não havia roupas de cama para preparar a
cama dela. Trouxeram um lençol e disseram que só no final da tarde teria
outras roupas de cama.
2- A demora no atendimento médico. Só às
15h recebeu a visita do Dr. Roberto Pedrosa e, mais tarde, do Dr. José
Alvarenga com a equipe de quatro residentes.
3- A demora na avaliação dos exames
realizados nos dias 2 e 3 de abril. No dia 9 de abril (reparem: cinco
dias depois da internação) o Dr. Alvarenga visitou a paciente e disse à
Irmã Ellen que tinha acabado de ver o laudo da tomografia (realizada no
dia três e entregue pela acompanhante no dia 4), que constava uma
trombose cerebral grande e uma infecção pulmonar. No mesmo dia, às 17h, a
paciente foi transferida para a UTI.
4- A falta de comunicação entre os
médicos. Na hora em que a Irmã Katherine foi transferida para a UTI,
três Irmãs encontraram com o Dr. Pedrosa, que ainda não sabia do
resultado da tomografia, porque não tinha recebido comunicação do Dr.
Alvarenga.
5- A falta de atendimento humanizado
(sobretudo, por se tratar de pessoa idosa). No sábado, dia 7 de abril,
às 7h, o Dr. Pedrosa visitou a Irmã Katherine. A religiosa acompanhante,
vendo a fraqueza da Irmã, perguntou ao médico: O que é que está
causando tanta fraqueza na Irmã Katherine? Ele respondeu: a idade. A
religiosa disse ao médico que não podia ser só isso, porque a Irmã
Katherine, poucos dias antes, estava muito ativa, indo a reuniões e
andando sozinha. Diante do que a religiosa falou, o médico, numa atitude
de desrespeito, não disse mais nada e saiu do quarto, voltando somente
50 horas depois, no dia 9 (segunda feira), às 9h.
6- A falta de informações à família
religiosa da Irmã Katherine: A equipe de profissionais da saúde, que
atendeu a Irmã Katherine, não se preocupou em oferecer as informações
necessárias à família religiosa da Irmã.
Todo esse descaso no atendimento à Irmã
Katherine na Santa Casa de Misericórdia de Goiânia foi vivenciado pelas
religiosas que, com muita dedicação e carinho, acompanharam e cuidaram
da Irmã até o seu falecimento.
A Irmã Joana, Coordenadora Regional das
Irmãs de S. José de Rochester e Organizadora do Dossiê, afirma: “O que
mais me preocupou foi a falta de humanização que encontramos por parte
de profissionais que estão lidando com a vida e com a morte das pessoas.
O desrespeito ao direito de a pessoa receber cuidados de qualidade foi
gritante”.
Diz ainda a Irmã Joana: “Deixando a
intervenção para após o agravamento da situação, causaram à paciente
danos que a levaram à UTI e posteriormente ao óbito. Na qualidade de
família da Irmã Katherine, fomos desrespeitadas no direito à informação
sobre sua saúde. Os profissionais foram omissos quanto à divulgação de
informações em relação às necessidades da paciente, que talvez a família
pudesse atender, como é o caso de um exame solicitado e não realizado,
por não estar autorizado pelo SUS. Não nos informaram. A falta de
profissionalismo e de respeito a princípios éticos, estabelecidos
inclusive pelo Código de Ética médica, levaram-na ao óbito”. Que
irresponsabilidade!
Ora, se houve descaso e negligência com a
Irmã Katherine -pessoa muito conhecida pela sua atuação em defesa do
SUS- imaginem o que deve acontecer com as outras pessoas que dependem do
SUS! Como exemplo, cito o caso recente de Dona Fiuca, 77 anos, da
Comunidade Jesus de Nazaré do Jardim Curitiba II, que contava sempre com
a presença da Irmã Katherine. Dona Fiuca, antes de conseguir uma vaga
na UTI do Hospital Monte Sinai, esperou 4 dias no Cais do Jardim
Curitiba II e uma tarde e uma noite no Cais do Novo Horizonte.
Finalmente -depois dessa via sacra- foi internada às 4h e às 05h30minh
veio a falecer. Que crime! Quem vai responder por ele e por muitos
outros crimes na saúde pública?
Conclui a Irmã Joana: “Esperamos que a
Irmã Katherine, tendo em vida se dedicado à defesa do atendimento
humanizado e de qualidade, na sua morte seja semente de mudança na forma
com que a saúde é tratada. Que sua morte leve servidores do SUS e
profissionais da saúde a se tornarem mais humanos e respeitosos do
direito à vida em todas as suas fases. Que as pessoas não sejam
‘descartadas’ por serem idosas. Que a saúde não seja tratada como
mercadoria, que dá direito ao atendimento de qualidade somente a quem
pode pagar”.
A Irmã Katherine, foi uma verdadeira
seguidora de Jesus de Nazaré, amou os pobres e foi solidária com eles
até o fim. Na fé, posso dizer: Santa Katherine, roga por nós!
Goiânia, 30 de maio de 2012.
Fr. Marcos Sassatelli
Frade Dominicano - Doutor em Filosofia e
em Teologia Moral. Prof. na Pós-Graduação em DD.HH. (Comissão
Dominicana Justiça e Paz do Brasil/PUC-GO). Vigário Episcopal do
Vicariato Oeste da Arq. de Goiânia. Admin. Paroq. da Paróquia N. Sra. da
Terra
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