segunda-feira, 14 de maio de 2012

Encontro com Marcelo Barros - Conversa, sábado, 12 de maio de 2012

Conversa, sábado, 12 de maio de 2012

13 de maio
 
Nessa noite, véspera do 13 de maio, em todo o Brasil grupos de cultura afro realizam manifestações para dizer que as consequências da escravidão ainda continuam fortes e atuais: a discriminação social,  a marginalidade da maioria negra, etc... 
Lembro-me como se fosse hoje. Era a primeira vez que eu estava em Paris (1988). Henrienne de Chapponay era uma das coordenadoras do Comité Catholique contre la Faim (organismo social da Igreja Católica na França). Era uma pessoa muito engajada na solidariedade aos movimentos sociais latino-americanos e me convidou para cear em sua casa. Passou-me o endereço e, ao chegar na hora de ir, estranhei que a casa ficava no Quartier Latin, portanto do outro lado do rio, mas bem em frente à Catedral de Notre Dame. Era, portanto, um endereço muito privilegiado. Ao chegar lá, encontrei uma porta simples, uma escada cheia de livros amontoados em todos os degraus e um apartamento muito simples. Aqui no Brasil, seria apartamento de classe média pobre. Ela, sempre muito elegante, me acolheu muito gentilmente e me apresentou uma senhora idosa, dessas velhas bonitas e charmosas que me deu a mão para beijar e era toda cerimoniosa. Era uma senhora já de mais de 80 anos e se vestia com um longo preto e muito fino. Começamos a conversar. A ceia era constituída por pães maravilhosos (que eu adoro), queijos de todo tipo (que eu não adoro tanto) e vinho (não tinha nenhum hábito de tomar vinho). Mas, o bom era conversa. Falamos do Brasil, dos movimentos sociais, de muitas coisas. Falamos de Igreja e descobri que elas liam Leonardo Boff e a teologia da libertação. Fiquei muito à vontade. A um determinado ponto do papo, a senhora idosa me perguntou: 
- "Mon père", meu padre, o que você acha da princesa Isabel e dela ter assinado a lei da abolição. Foi realmente uma libertação para o povo negro?
Respondi sinceramente o que penso:
- Não, senhora. Absolutamente. Ela assinou porque foi obrigada. A crise era tal que ela quis salvar a monarquia e não conseguiu. Por outro lado, não deu aos negros nenhum direito e os jogou nas favelas, barracos e no desemprego, sem nenhuma lei que desse nenhuma garantia social. Pousou de libertadora, mas não libertou realmente ninguém... 
Ela fez uma pausa e simplesmente disse:
- A princesa Isabel era minha tia. 
Levei um susto e não tinha o que dizer de vergonha... 
Aí ela concluiu:
- Mas o senhor tem razão. Eu também penso assim e ainda ante-ontem aqui nessa mesa eu disse isso a Balduíno e Fabíola.... 
Na hora, eu não atinei. Depois, descobri que Balduíno e Fabíola eram o rei e a rainha da Bélgica, também sobrinhos da "Madame la Contesse de Chaponnay" que me recebia em casa, sem eu saber quem era. 
Quanto mais penso naquela noite e naquelas pessoas, mais me impressiono de ver aquelas duas pessoas (mãe e filha) tão comprometidas com os movimentos sociais na América Latina, pessoas nascidas em berço de ouro e que viviam naquele apartamento tão simples, por opção social... Muito diferente de outros familiares do Brasil, também herdeiros da família real que pertencem a grupos tradicionalistas e se isolam na nostalgia dos dias de glória. 
Há 20 anos, exatamente em 1992, decidi assumir uma comunhão maior com os grupos negros e viver minha negritude (que nem sei de onde vem nos meus ancestrais). Por isso, sempre que posso, uso o eketé (o gorro afro) e penso uma teologia que chamo de afro-latíndia (isso é, afro, latina e índia ao mesmo tempo). Tenho um livro sobre isso: O sabor da festa que renasce (ed. Paulinas). E me comovo e vibro ao participar de qualquer coisa ligada aos grupos e movimentos negros. Que essa libertação se complete e se amplie. Axé.

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