Vida nenhuma, desde que narrada por bons roteiristas e diretores, talvez caiba satisfatoriamente em um filme de duas horas. O que dizer, então, daqueles que "compuseram as vidas mais extraordinárias e belas de que tenho notícia", como Darcy Ribeiro se refere aos irmãos Villas-Bôas em uma das quatro apresentações de "A Marcha para o Oeste", livro de Orlando (1914-2002) e Cláudio (1916-1998) sobre a expedição Roncador-Xingu?
Em outra das generosas apresentações ao livro, Antonio Houaiss considera que a devoção dos Villas-Bôas à "causa da redenção dos índios e do desenvolvimento do nosso Oeste" constituiria "matéria que deve perdurar no nosso imaginário coletivo". Como se já não bastasse o colorido impressionante das respectivas biografias, é também esse "imaginário coletivo" - associado a um país que se modernizava enquanto resolvia o que fazer com o Brasil do descobrimento - que confere aos nossos mais conhecidos sertanistas uma aura de personagens quase míticos.
"Xingu", que entrará em cartaz nesta sexta-feira, precisou lidar com isso tudo - e não é pouco dizer que enfrenta dignamente, em escala de superprodução para consumo doméstico e também para circulação internacional, os seus principais desafios. O da concisão, por exemplo: no recorte do diretor e corroteirista Cao Hamburger ("O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias"), são cobertas apenas duas décadas na trajetória dos Villas-Bôas, como se elas fossem a parte mais representativa do todo.
A trama parte do ingresso de Orlando, Cláudio e do caçula Leonardo (1918-1961) na Roncador-Xingu, em 1943, e chega à criação do Parque Nacional do Xingu, em 1961. Informações breves permitem entender de onde eles vieram, e imagens documentais, ao final, ajudam a lembrar que a saga continuou. Na primeira metade do filme, os paulistas aventureiros se iniciam no contato com os índios; na segunda, de carga dramática superior, eles constatam que a jornada será ainda mais difícil do que imaginavam.
Outro desafio, o da humanização de figuras que às vezes soam como super-heróis de um encontro pacífico entre a civilização branca invasora e a indígena nativa, tem na excelente interpretação de João Miguel ("Cinema, Aspirinas e Urubus", "Estômago") seu ponto mais forte. No papel de Cláudio, ele contribui para que a epopeia dos irmãos seja traduzida também em forma de dor, angústia, raiva e dúvidas, inclusive em relação a Leonardo (Caio Blat), primeiro, e depois a Orlando (Felipe Camargo). A devoção a causas costuma ter um preço, e "Xingu" não maqueia o quanto foi cobrado dos Villas-Bôas.
Sergio Rizzo
Fonte: O Valor
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