Orides Bernardino fala sobre sua obra ao CEBI
O autor destaca em seus escritos que Jesus fez de sua casa a casa de todos. Nesse sentido, Orides nos lança exatamente este desafio: permitir que outros olhem para nossa casa e se sintam com vontade de entrar e participar. Para tanto, o autor busca pelo perfil das casas na história, em especial na Palestina dos tempos bíblicos. O resultado a que chega é duplo: 1) o cristianismo herdou e reteve idéias do judaísmo bíblico e das concepções das casas no mundo greco-romano. 2) O evangelho, contudo, fez com que se redefinisse casa a partir das necessidades da solidariedade sem fronteiras pregadas por Cristo.
O autor também analisa a importância que teve a casa na pregação, nas ações e no ministério abrangente de Jesus, tendo como referencia o Evangelho de Lucas.
Acompanhe a entrevista.
CEBI - Por que escrever sobre esse assunto? Alguma preocupação com a situação das casas de nosso povo hoje?
ORIDES - O tema de casa é de grande atualidade para o cristianismo. Escrever sobre a casa é importante não somente por representar um resgate das origens do próprio cristianismo, mas em nosso contexto também por se inscrever no marco da resistência e da luta pelo prosseguimento daquilo que talvez tenha sido a mais original e importante contribuição do nosso continente para a eclesiologia cristã, que foi o movimento das Comunidades Eclesiais de Base, que configuram uma "releitura", uma tradução contextualizada, atual e coerente da proposta apresentada por Jesus e vivenciada nas primeiras comunidades cristãs espalhadas no império romano. É nos lembrar do valor perene das casas como veículo para uma existência pautada em novos valores e novas relações.
Tenho preocupação com a situação das casas de hoje. Não tenho preocupação com a arquitetura, como são construídas. Tenho preocupação que nossas casas estão deixando de ser espaço de acolhida, de comunhão, espaço de libertação e de inclusão. Nossas casas estão sendo ilhas solitárias na paisagem urbana. Vamos à casa para dormir e, algumas vezes, para nos alimentar, sendo que muitas vezes não conhecemos a nossa casa e até ficamos perdidos quando temos que ficar em casa.
No texto, você traça um perfil das casas na história, em especial na Palestina dos tempos bíblicos. O que você destaca da pesquisa?
A Casa é mais do que uma realidade física feita de quatro paredes, portas, janelas e telhado. A casa tem historicamente permitido uma variedade de imagens e significados, seja ela entendida como uma construção específica que serve de abrigo, seja como uma imagem de um espaço simbólico de pertencimento social, de intimidade e segurança. No antigo Israel, a vida estava organizada ao redor da casa. A casa era o vínculo principal da tradição, da sabedoria e da identidade do povo. Defender a casa, a comunidade, o clã, era o mesmo que defender a Aliança com Deus.
Com a monarquia as casas não desaparecem. As tribos perdem parte da sua autonomia. Pouco a pouco, o sistema tribal, centralizado na casa e na aldeia, foi submetido à corte e ao Templo, com a exploração por meio de tributos. Esta tendência aumentou com a dominação de outros impérios - Assíria, Babilônia e Pérsia -, especialmente dos gregos. Com eles implantou-se o helenismo, um sistema baseado na cidade. Mas muitas das práticas das instituições tribais seguem existindo. Cada família, clã, tribo, no seu dia-a-dia tem seus locais de culto, seus santuários tribais, a páscoa (memorial do Êxodo) é celebrada nas casas até a época de Josias. Só Josias destruirá os santuários tribais. Mesmo assim a espiritualidade, as leis da casa, das tribos permanecerão fortes em muitos lugares. Estes são os berços da profecia e mais tarde do próprio Jesus. A casa, seus valores e seus princípios - Deus do Êxodo, relações de solidariedade - continuarão sendo local básico da educação e da formação das pessoas.
Qual a contribuição do livro para nossas comunidades cristãs? De tipo de Igreja pode ser sentido ou proposto através do seu texto?
A casa é muito importante na vida das pessoas e na organização da sociedade. A casa não é só um abrigo para o ser humano, mas também um porto seguro para seus sonhos e devaneios, é onde ele se reencontra com sua intimidade, é o nosso canto do mundo, o nosso primeiro universo. Espaço onde a vida se desenrola, onde tudo se discute, onde a família e a comunidade se encontram.
Vivemos num sistema que nos cega e nos impede de observarmos a nossa própria casa, a nossa história e nos tornamos surdos para o convite: "Vem à minha Casa e repousa e refaz as forças e experimenta como é suave o meu amor." Acredito que a importância deste trabalho está em podermos entrar na casa, olhá-la de perto, tocá-la, sentir cada pedacinho de sua estrutura, entrar na sua intimidade e participar do diálogo, da festa e do banquete que acontece em seu interior.
Na casa está a pequena comunidade, a Igreja. A menção da casa manifesta que a Igreja está ligada a um espaço humano. Não precisamos criar espaços enormes, luxuosos. Precisamos descobrir Jesus na pequena, pobre e insignificante história dos homens e mulheres que nos rodeiam e que se nos aproximam.
4. Pode fazer um resumo de sua história pessoal?
Sou o Orides. Sou formado em História, licenciatura. Sou professor e, no momento, estou gerente em uma empresa pública ligada a Prefeitura do Município de Joinville. Ao meu lado caminham minha esposa, Neciolir e minha filha, Naiara.
Faço parte de uma comunidade cristã e acredito que "um outro mundo é possível", mas não de forma ilusória, ou seja, não que "esta globalização" vai ser substituída por "uma outra", paradisíaca. Pés no chão, caminhar pra frente e seguir lutando faz a diferença. Para "um outro mundo possível", creio que precisamos apagar duas palavras que estão encravadas em nossos corpos: a indiferença e a intolerância. Nestas palavras estão as enfermidades que leva o povo à miséria, à exclusão social, política, econômica e religiosa.
Sou CEBI! Sou apaixonado pela "leitura popular da Bíblia" e pelo jeito de educar do Mestre Paulo Freire. Tenho um sonho: "Que todos tenham vida em abundância". Digo todos: você e eu; nós.
Na verdade, não sei contar a minha história. Sou o que sou, simplesmente. Enquanto a vida segue!
Nenhum comentário:
Postar um comentário