Sabe-se que a escassez de água é um problema no Médio Oriente, uma realidade que, aliada a casos de desigualdade de distribuição e à reconhecida situação de avanço da desertificação decorrente do aquecimento global, agrava o potencial de conflito na região.
O que se conhece pouco, apesar de existir documentação sobre o assunto tão vasta como ostensivamente ignorada pelos grandes meios de comunicação, é o modo como a água é gerida como apetrecho militar ou, escrevendo de outra forma, a maneira como a sede é uma arma de guerra.
Um relatório apresentado recentemente na Comissão de Assuntos Externos da Assembleia Nacional Francesa, assinado pelo deputado socialista Jean Glovany, trouxe o problema à tona agitando de tal modo as águas das relações entre Paris e Telavive que o assunto teve de ser falado, pelo menos, em alguns jornais da Europa. Glovany esteve durante alguns dias no terreno a estudar a questão da água em Israel, Jordânia, Líbano e territórios palestinianos, juntamente com outros companheiros de Parlamento, e não teve dúvidas em usar sobre o assunto uma palavra que muito incomoda Israel: “apartheid”.
Glovany considera que a água é parte da política de “apartheid” utilizada por Israel, sobretudo em relação aos palestinos e às reacções iradas da diplomacia israelita respondeu que as palavras existem para ser usadas e à força de não se querer irritar se vai “deixando passar as coisas”.
As coisas que se vão passando são graves. A água é um bem escasso na região e quem o controla tem um poder reforçado, o de tornar cada vez mais impossível a vida quotidiana dos que pretende derrotar.
O relatório Glovany e alguns artigos publicados a propósito da sua divulgação reúnem fatos objectivos – não conjecturas ou deduções preconceituosas – sobre a utilização da água na fase atual do conflito israel-palestino. Revelam, por exemplo, que 450 mil colonos israelitas na Cisjordânia gastam mais água anualmente do que 2,3 milhões de palestinos, cinco vezes mais pessoas. Enquanto os palestinos consomem 70 milhões de metros cúbicos, a colonização gasta 222 milhões, ou seja, se cada palestiniano usa o equivalente a 30 mil litros de água por ano, um colono israelita consome – e em grande parte esbanja – 493 mil litros, 16,5 vezes mais. E a utilização da palavra “esbanja” é muito objectiva neste caso porque enquanto o Exército israelita arrasa os poços palestinos considerados “clandestinos”, perfurados para consumo e agricultura, os colonatos não se privam de usar água para piscinas e regar os jardins.
Em Gaza, embora a situação seja diferente, o problema é igualmente grave. Os palestinos podem abrir os poços mas nas zonas israelitas a montante a escavação processa-se a ritmo muito mais elevado, restringindo o fluxo para a superlotada faixa.
Resultado: a água para consumo nestas regiões está a salinizar-se a grande velocidade e, segundo informação do Banco Mundial, apenas 5 a 10 por cento obedece aos padrões de consumo sem riscos. Mas se Israel tem recursos económicos para dessalinizar água do Mediterrâneo, as autoridades palestinas não o podem fazer.
O “problema da água é revelador de um novo apartheid no Médio Oriente”, escreveu o deputado francês Jean Glovany, recorrendo, segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel, a “terminologia extremista” e “propaganda viciosa”.
Enquanto a batalha diplomática e verbal entre Paris e Telavive se trava com a certeza de apaziguamento a curto prazo, colonos israelitas continuam e hão-de continuar a banhar-se nas piscinas ou a regar os jardins na Cisjordânia e e os palestinos continuam e vão continuar a procurar abastecer-se com baldes em fontes e poços, cuja existência está submetida à arbitrariedade do Exército de ocupação.
Porque, para que não haja ideias que escapem ao poder de quem manda na região, as autoridades israelitas consideram a água um assunto da “esfera militar”. Assim se confirmando que é uma arma de guerra.
José Goulão
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