“Oikos”, em grego, significa “casa”. E casa é remanso, espaço, segurança. Na casa moramos, a casa nos protege, em casa nos juntamos à família e aos amigos, conversamos, festejamos. Por isso, a morada é uma das principais referências da vida humana.
Exatamente dessa raiz grega descende a palavra “ecumênico”. O que resulta que toda ação ecumênica visa incentivar o respeito e a cordialidade entre pessoas que seguem tradições espirituais diferentes. Num mundo onde a competição e o antagonismo são tão estimulados, inclusive na esfera religiosa, o ecumenismo é cada vez mais valioso, como fomentador da cultura de paz.
Também no Acre, muitas pessoas estão despertando para essa realidade. Juntos, evangélicos, umbandistas, católicos, candomblecistas, budistas, ayahuasqueiros, kardecistas e indivíduos de outras tradições religiosas têm se reunido para ir além das diferenças e realizar ações que beneficiem a coletividade. Sob a liderança de Manoel Pacífico da Costa, o “Pacífico”, coordenador da área ecumênica da Diocese de Rio Branco, eles integram, desde 2007, o Instituto Ecumênico Fé e Política (IEFP), que promoveu, com o respaldo da Secretaria de Estado de Educação, no final de novembro, a I Conferência Estadual da Diversidade Religiosa.
O evento durou três dias e reuniu 350 pessoas, entre lideranças religiosas, fiéis, educadores e representantes de todos os municípios do Acre. Ao longo do encontro, foi possível ver, lado a lado, dialogando, bispo católico, pastores evangélicos, sacerdotes de religiões de matriz africana e outros. Um dos pontos altos da Conferência foi o lançamento da cartilha “Muitos são os caminhos de Deus”, preparada por 40 representantes das seis correntes religiosas de maior adesão no estado, para orientar professores da rede pública no ensino religioso ecumênico e não proselitista.
Pacífico, talvez o maior entusiasta do movimento ecumênico no Acre, é filósofo e teólogo. Estudava na Universidade Gregoriana de Roma na década de 60, quando a Igreja Católica viveu um período de grande abertura, com o Concílio Vaticano II, e a Europa começou a fervilhar com os movimentos estudantis. “Sou filho dessa época”, esclarece.
Voltou ao Brasil nos anos 70, quando, na condição de padre, atuou com Dom Moacyr Grechi na criação das Comunidades Eclesiais de Base, decisivas na emancipação política do povo do Acre. Deixou o sacerdócio em 75 e, dois anos depois, casou-se. Tem três filhos. Participou, também, do movimento de professores e, em 82, elegeu-se deputado estadual.
Percorreu diversas grades temáticas em sua atuação social, como reforma agrária, questões indígenas, urbanização desordenada, posse de terras, geração de emprego e movimento de hansenianos. O que torna possível constatar, em toda sua biografia, o fio condutor de sua atividade pública, que pode ser simbolizado por uma única palavra: inclusão. No pulso esquerdo, Pacífico traz uma pulseira de artesanato indígena, que lhe foi presenteada por Letícia Yawanawá, e atesta o diálogo que costuma estabelecer com a diversidade.
Quem tem oportunidade de observá-lo em pleno exercício de ecumenismo pode testemunhar uma capacidade incomum – e encantadora, pela nobreza: ele sabe adentrar os mais diversos espaços de prática espiritual com humildade, despojado de julgamento, aberto para a compreensão, para a experiência proporcionada pela circunstância e, enfim, para a confraternização. “A intolerância é fruto do desconhecimento. Eu me sinto fraternalmente ligado a cada grupo. Sinto que estou dentro da experiência do sagrado”, diz.
Sua feição adquire expressão de satisfação e enlevo quando narra os resultados que a proposta ecumênica proporciona. Conta, por exemplo, o caso de uma iyalorixá de Xapuri que se hospedou num hotel em Capixaba. O dono do estabelecimento, que estivera fora e era sacerdote de outro seguimento religioso, ao saber de sua presença, expulsou-a e a insultou, considerando-a indigna de permanecer entre os demais hóspedes devido ao seu credo. Não bastasse o cometimento de ato criminoso, por ter incorrido em discriminação religiosa e injúria, houve um agravante: a mulher estava – visivelmente – grávida. Intransigente, o homem pôs a gestante no olho da rua, durante a noite.
Posteriormente, o fato foi denunciado pela ONG Ser Negro na imprensa em Rio Branco e numa reunião do IEFP. Ao ouvir todo o relato, outro sacerdote da mesma denominação religiosa daquele que praticou o gesto preconceituoso pediu perdão pelo constrangimento causado. A queixa repercutiu em Capixaba, e o superior do sacerdote dono da pousada reprovou-lhe a atitude, perguntando: “Onde você me viu ensinando o ódio?”
Acontecimentos como esse geram grande comoção entre os envolvidos e também entre os que os presenciam. Sentimentos como identificação de ameaça, ofensa, rejeição e condenação, contrapostos a oportunidades de alívio de tensões históricas, a situações de perdão, de integração e de afirmação da confiança e amizade têm grande capacidade de curar conflitos individuais e sociais.
E é precisamente nessas situações de grande resgate moral entre seres humanos que Pacífico parece mais apreciar a manifestação da divindade, superior a todas as diferenças. “Estou convencido de que o ecumenismo é uma ação do espírito e faz parte do nosso desenvolvimento”. A compreensão de Pacífico é simples, profunda e surpreendente, tanto pelo valor lógico como místico: “quando nos consideramos verdadeiramente irmãos, tornamo-nos verdadeiramente filhos de Deus. Portanto, o ecumenismo é o nosso nascimento espiritual.”
Fonte: Notícias do Acre
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