Boatos em Brasília sobre reforma ministerial jogam Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) para dentro de um grande ministério dos Direitos Humanos, mas Dilma Rousseff aproveita abertura da III Conferência Nacional das Mulheres para desmentir. Única a atrair Dilma, Conferência debaterá temas como aborto, empoderamento feminino e lei Maria da Penha.
BRASÍLIA - A fila é enorme, e as mulheres já estão um pouco impacientes. Reclamam da longa viagem até Brasília e da fome – eram 19h e algumas ainda não tinham almoçado por conta de um sério problema de organização do evento. Mas também parecem felizes, satisfeitas. A espera para passar pelo rígido esquema de segurança armado no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, no coração da capital federal, é um sinal de que a presidenta Dilma Rousseff aparecerá por lá.
“Ouvi dizer que ela não participou de nenhuma outra Conferência esse ano, só a das Mulheres”, diz uma garota.
“Também, só faltava não vir! Logo para essa!”, retruca outra.
O auditório lota rapidamente, acomodando as diferentes etnias, formas, idades e origens das quase três mil pessoas que participam da abertura da III Conferência Nacional de Políticas para Mulheres, nesta segunda-feira (12).
A expectativa se cumpre e, algum tempo depois, surge a presidenta, anunciada pela atriz global Dira Paes, cujo personagem na novela das 21h é de uma mulher que sofre violência doméstica. E é ovacionada: “olé, olé, olé, olá, Dilma, Dilma”, cantarolava boa parte das delegadas e observadoras.
Quando o coro se acalma, Dilma agradeca: “obrigado”. “Obrigadááá”, corrige uma participante assentada no fundo do plenário.
A presidenta inicia o discurso dizendo que aquela era uma das conferências mais importantes para ela “porque traz uma representação das mulheres desse país, demonstrando sua capacidade de agir, de participar, de se empoderar”.
Dilma lembra da posse, onde se comprometeu a representar dignamente todas as mulheres brasileiras. E continua: “Este é mais um passo na nossa luta. Somos mais da metade da população e temos uma imensa força porque somos capazes de gerar vida, somos responsáveis pela criação dos homens e mulheres desse país”.
Silêncio no auditório, poucas aplaudem. Talvez não fosse o lugar para louvar a maternidade como característica mais importante da mulher.
Dilma toca então em um dos pontos mais sensíveis do encontro: a boataria que toma conta dos meios de comunicação em Brasília, no contexto de uma reforma ministerial, segundo a qual a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), que hoje tem status de ministério, seria dissolvida em um futuro ministério dos Direitos Humanos, perdendo autonomia.
“Não há a menor veracidade nisso”, afirma a presidenta. “Nessas notícias não há verdade porque vamos continuar avançando e não vamos avançar sozinhas, mas junto com a secretaria, que defende a igualdade de gênero e é um instrumento fundamental para o governo”.
Na terceira fileira, algumas participantes guardam cartazes com dizeres a favor da manutenção da secretaria. Avaliam que o protesto não será mais necessário.
“Os debates aqui feitos subsidiarão o Plano Nacional de Mulheres”, lembra a presidenta, antes de encerrar elogiando o governo Lula e programas como o Bolsa Família, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf)-Mulher e a Rede Cegonha. Muitos aplausos.
Temas polêmicos
A palavra escolhida por Dilma, “subsídio”, é importante para evitar o comprometimento em uma Conferência onde temas polêmicos como a legalização do aborto podem ser aprovados.
“Vamos fortemente pela legalização do aborto, reafirmando a decisão das conferências anteriores”, garante Sônia Coelho, militante da Marcha Mundial de Mulheres e representante de São Paulo. “Também esperamos avançar nas questões das políticas econômicas e de saúde da mulher e também esperamos que a secretaria saia fortalecida desse processo, como um ministério, o que é fundamental para a construção da autonomia das mulheres, ter mais recursos”.
Para Maria Fontoura, da Articulação de Mulheres Negras Brasileiras, “a expectativa é que avance a construção de políticas para o empoderamento das mulheres, em especial das mulheres negas, que são as pessoas em maior situação de miserabilidade na sociedade brasileira”.
Maria Fontoura, que vem do Rio Grande do Sul, reforça também algumas propostas concretas. “Queremos que a Lei Maria da Penha entre de fato em vigor, que a educação valorize mulheres de todas as etnias e que o trabalho e a renda chegue a um número maior de mulheres”.
Já Mara Araújo, de Porto Velho, de Rondonia, lembra a necessidade de pautar “a diversidade das mulheres pescadoras, ribeirinhas das negras e indígenas, para que elas tenham um espaço de poder”. Ela afirma que é preciso garantir oportunidades de emprego, via políticas públicas, para que essas mulheres possam trabalhar nas suas comunidades. “E acabar com a violência contra a mulher”.
Em entrevista à Carta Maior, Benedita da Silva, ex-governadora do Rio de Janeiro, se soma à defesa da Lei Maria da Penha. “Precisamos de mais equidade e de uma referência política onde as mulheres possam estar bem situadas. É isso que eu espero da Conferência”.
Muitos temas e demandas. Até quinta-feira (15), quando terminará o encontro, esses e outros assuntos, como autonomia econômica, política e social, mulheres jovens e idosas, gestão pública e enfrentamento a lesbofobia serão pautados por conferências, painéis e grupos de trabalho. Da plenária final sairão as diretrizes que vão pautar as políticas para as mulheres nos próximos anos.
Fonte: Carta Maior
Nenhum comentário:
Postar um comentário