terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Novo olhar sobre o universo

A visão que temos do mundo interfere em nossa visão de Deus, assim como o modo como entendemos Deus influi em nossa visão da vida e do mundo. Ao longo de 1.000 anos predominou, no Ocidente, a cosmovisão de Ptolomeu, que considerava a Terra centro do Universo. Isso favoreceu a hegemonia espiritual, cultural e econômica da Igreja, encarada pela fé como imagem da Jerusalém celestial.

Com o advento da Idade Moderna, graças à nova cosmovisão de Copérnico, logo completada por Galileu e Newton, constatou-se que a Terra é apenas um pequeno planeta. Qual mulata de escola de samba, dança em torno da própria cintura (24 horas, dia e noite) e do mestre-sala, o Sol (365 dias, um ano). O paradigma da fé deu lugar à razão, a religião à ciência, Deus ao ser humano. Passou-se da visão geocêntrica à heliocêntrica, da teocêntrica à antropocêntrica.

Agora, a modernidade cede lugar à pós-modernidade. Mais uma vez, a nossa visão do Universo sofre radicais mudanças. Newton cede lugar a Einstein, e o advento da astrofísica e da física quântica nos obrigam a encarar o Universo de modo diferente e, portanto, também a ideia de Deus.

Se na Idade Média Deus habitava “lá em cima” e, na Idade Moderna, “aqui embaixo”, dentro do coração humano, agora conhecemos melhor o que o apóstolo Paulo quis dizer ao afirmar: “Ele não está longe de cada um de nós, pois nele vivemos, nos movemos e existimos, como alguns dentre os poetas de vocês disseram: ‘Somos da raça do próprio Deus’” (Atos dos Apóstolos 17, 27-28).

A física quântica, que penetra a intimidade do átomo e descreve a dança das partículas subatômicas, nos ensina que toda a matéria, em todo o Universo, não passa de energia condensada. No interior do átomo, a nossa lógica cartesiana não funciona, pois ali predomina o princípio da indeterminação, ou seja, não se pode prever com exatidão o movimento das partículas subatômicas. Essa imprevisibilidade só predomina em duas instâncias do Universo: no interior do átomo e na liberdade humana.

Em que a física quântica modifica nossa visão do Universo? Ela nos livra dos conceitos de Newton, de que o Universo é um grande relógio montado pelo divino Relojoeiro e cujo funcionamento pode ser bem conhecido estudando cada uma de suas peças. A física quântica ensina que não há o sujeito observador (o ser humano) frente ao objeto observado (o Universo). Tudo está intimamente interligado. O bater de asas de uma borboleta no Japão desencadeia uma tempestade na América do Sul… Nosso modo de examinar as partículas que se movem no interior do átomo interfere no percurso delas…

Tudo que existe coexiste, subsiste, pré-existe, e há uma inseparável interação entre o ser humano e a natureza. O que fazemos à Terra provoca uma reação da parte dela. Não estamos acima dela, somos parte e resultado dela; ela é Pacha Mama ou, como diziam os antigos gregos, Gaia, um ser vivo. Deveríamos manter com ela uma relação inteligente de sustentabilidade.

Esse novo paradigma científico nos permite contemplar o Universo com novos olhos. Nem tudo é Deus, mas Deus se revela em tudo. Nossa visão religiosa é agora panenteísta. Não confundir com panteísta. O panteísmo diz que todas as coisas são Deus. O panenteísmo, que Deus está em todas as coisas. “Nele vivemos, nos movemos e existimos”, como disse Paulo. E Jesus nos ensina que Deus é amor, essa energia que atrai todas as coisas, desde as moléculas que estruturam uma pedra às pessoas que comungam um projeto de vida.

Como dizia Teilhard de Chardin, no amor tudo converge, de átomos, moléculas e células que formam os tecidos e órgãos do nosso corpo às galáxias que se aglomeram múltiplas nesta nossa Casa Comum que chamamos, não de Pluriverso, mas de Universo.


Frei Betto

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