segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Ecos do Caldeirão do Beato Zé Lourenço

Caldeirão revisitado em nova publicação

Segunda edição do livro "CALDEIRÂO", de Regis LOPES É RELANÇADA

Propondo a valorização de um episódio marcante para a história local, o historiador Régis Lopes lança a segunda edição do livro Caldeirão, no Museu de Arte da UFC



Quando, há mais de 80 anos, o beato José Lourenço organizou um grupo de sertanejos na fazenda Caldeirão dos Jesuítas, no Crato, propôs um estilo de comunidade em que não havia dominantes e dominados. “Tudo era de todos e nada era de ninguém”, nas palavras do historiador Régis Lopes, que a princípio soam contraditórias, mas resumem com precisão o ideal que aquele pequeno povoado ousou tornar realidade durante dez anos, até serem expulsos pela artilharia pesada das forças oficiais. Mostrando que as cicatrizes daquela época ainda não sararam e que o Caldeirão precisa ser lembrado e discutido, Régis Lopes lança hoje, 30, a segunda edição do livro Caldeirão, no Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (Mauc).


Feito após convite do Instituto Frei Tito ao historiador, que também quis homenagear os 20 anos do primeiro lançamento, o livro é uma edição revista e ampliada da primeira versão, lançada em 1991 e esgotada em cerca de 15 dias. Régis diz que fez um “enxugamento” do texto, além de inserir um anexo com estudos mais recentes. A intenção foi tirar o tom essencialmente explicativo e reforçar a narrativa dos fatos. “O mérito não está na minha autoria, mas nos depoimentos das pessoas que sobreviveram”, explica o autor, referindo-se ao período em que realizou as pesquisas, entre 1986 e 1990. Na época, ele era estudante do curso de História, na UFC.


Régis diz algo que lhe chamou a atenção nos depoimentos das pessoas foi um misto entre a vontade de falar e o medo gerado pelos traumas da época do Caldeirão. O historiador exemplifica isso com o caso do Sr. Eleutério Tavares que, em frente ao túmulo do Beato José Lourenço, disse: “Relembrar o passado é sofrer duas vezes”. O pai de Eleutério morrera em um confronto com a polícia na Chapada do Araripe e coube ao filho encontrar enterrar o corpo do pai. Preferiu não colocar cruz sobre a cova, pelo medo de chamar a atenção da polícia.


O pesquisador diz que o que mais lhe impressionou, porém, foi a comparação que muitos dos sobreviventes faziam entre a vida no Caldeirão e a vida em espécies de campos de concentração. Estes eram lugares criados pelo governo da época para abrigar os flagelados da seca, na década de 1930. Os sertanejos viam no Caldeirão uma alternativa melhor do que os campos, chamados por eles de “currais do governo”. “O que me impressionou é que a mesma elite, da Igreja e do Estado, que tinha criado os campos de concentração é a elite que destruiu o Caldeirão e uma experiência fantástica do que hoje seria a reforma agrária”, destaca Régis.


Perguntado se existe certo dívida dos próprios historiadores em relação ao Caldeirão, Régis diz que sim e exemplifica: “Você pega um livro de História do Brasil e tem falando sobre Canudos (pouco, mas tem), mas não tem falando do Caldeirão, que foi uma experiência tão importante quanto a de Canudos”, diz o pesquisador, referindo-se ao movimento semelhante ocorrido na Bahia, no final do século XIX.


O autor busca ainda desfazer alguns mitos, arraigados no senso comum, como, por exemplo, dizer que o Caldeirão foi um movimento messiânico. “Não era messiânico, eles não estavam esperando o Messias. O que eles queriam era colocar em prática os ideais cristãos”, afirma Régis, apontando uma contradição entre o que a Igreja propunha e o que era de fato praticado. “No Caldeirão não tinha nada de novo, o que existia lá era o catolicismo que existia em todo canto, só que eles colocaram em prática, algo que a Igreja não consegue fazer porque tem alianças com a classe dominante.”


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