Resgatando  a origem religiosa do Natal podemos perceber que esta data encerra algo  mais do que vemos na sociedade atual. Visitando alguns presépios  podemos constatar certa originalidade em quase todos eles. O pinheiro, a  vela, as estrelas, a bolas coloridas e resplandecentes, os efeitos de  luzes multicores, o Menino Jesus, a Virgem Mãe, o bom José, o boi, o  asno, ovelhas, camelos, os reis Magos e até papai Noel (Epa! o que ele  está fazendo aqui?).
O  Presépio é o grande cenário onde estão presentes os elementos da  unidade cósmica: Deus, na pessoa do Menino Jesus; os homens  representados por Maria, o bom José, os Pastores – estes representando  os marginalizados, a quem Deus visitou de modo especial –; os Magos do  Oriente – aqui simbolizando a universalidade das raças –; a estrela,  sinalizando o universo presente no acontecimento natalino; o boi, o asno  e a palha – elementos que simbolizam a natureza. Portanto, o Natal é a  celebração do grande pacto ecológico porque o Deus aí revelado é um Deus  que encarna todo o universo e não somente o Homem.
Paralelo  à singeleza e a grandeza desse cenário do presépio havia outra  realidade. A Bíblia diz que o povo que vivia na cidade de Belém – na  expectativa da vinda do Messias – estava ocupado com seus afazeres  cotidianos. A cidade estava tomada por gente de todos os cantos que ali  se encontrava por determinação do Imperador de Roma – o governo da terra  – para o recenseamento. O Império que queria saber quantas pessoas  existia no seu território, não porque estivesse interessado por essa  gente, mas porque queria saber se os impostos arrecadados correspondiam  ao número de súditos.
Com  o recenseamento, Belém estava cheia. O comércio fervendo. Não havia  lugar nas hospedarias para uma mulher grávida e acompanhada do tal José  que se dizia da linhagem de Davi e não tinha dinheiro para pagar a  hospedagem. Também não havia lugar no coração daquela gente para um  gesto de caridade: acolher uma família pobre que precisava de um lugar  para que viesse à luz uma criança.
Muita  gente, na pacata cidade de Belém de Judá, não percebeu a passagem de  José e Maria. E aqueles que os viram – inclusive a procura de uma  hospedagem – os ignoraram. Todos estavam ocupados com aquele  acontecimento social e aproveitavam a oportunidade para ganhar um pouco  mais com suas atividades. Hoje não é muito diferente.
Pelas  ruas e avenidas das cidades vemos luzes e balões coloridos dando um  aspecto multicor à ocasião. As cantigas natalinas – muitas das que foram  feitas com o verdadeiro espírito do Natal – anunciam o advento de um  velho tempo em que a lógica perversa do mercado dita o comportamento  daqueles que podem presentear os seus; e que se danem os deserdados e os  sem salários, a escória da humanidade que habita o submundo da miséria,  os geograficamente confinados nos morros e favelas, às margens da  sociedade próspera!
Nos  grandes centros comerciais, principalmente nos shoppings – o grande  templo onde se cultuam o deus mercado e namoramos as vitrines  alimentando o desejo de ter – as pessoas se acotovelam num frenesi  incansável nas compras das futilidades que a sociedade de consumo  oferece com sinônimo de felicidade. Papai Noel, protótipo profanizado de  uma figura lendária européia, transformou-se no “bom velhinho” que  serve para incentivar o comércio, aliciando as crianças e adultos a  exigirem presentes e mais presentes. Tudo em nome da lógica do mercado  que a cada ano precisa superar o ano que passou vendendo mais.
Os  símbolos do Natal não carregam mais o significado do maior  acontecimento da História: a encarnação de Deus. O menino frágil,  envolto em panos e deitado sobre as palhas de uma manjedoura, cercado de  animais e figuras desprezíveis – como eram os pastores na ocasião, os  destinatários de uma alvissareira notícia – não passam de símbolos de  uma poesia sentimentalista, capturados pela ideologia mercadológica a  serviço da lucratividade comercial.
Perdemos o referencial da sacralidade do Natal onde Deus e o homem, o humano e o divino se encontram na pessoa do Menino Jesus. Mergulhamos na profanização da existência, materializamos o Sagrado.
Perdemos o referencial da sacralidade do Natal onde Deus e o homem, o humano e o divino se encontram na pessoa do Menino Jesus. Mergulhamos na profanização da existência, materializamos o Sagrado.
Esquecemos  – e muitos nunca o souberam – que Natal é um tempo especial que nos  propicia fazer uma reflexão a respeito do grande mistério da vida, a  encarnação de Deus. A fé cristã e a doutrina dela oriunda nos ensinam  que a encarnação – o Verbo se fez carne e habitou entre nós – significa  que Deus se fez homem e o homem foi divinizado. Tudo isso na pessoa  frágil do Menino deitado no Presépio. Deus, na pessoa de Jesus de  Nazaré, abraçou a humanidade. Ninguém, nem nada ficaram fora da  abrangência do Criador quando se fez criatura na noite do Natal.
Hoje,  muito tempo depois do primeiro Natal, é imperioso indagarmos onde  estamos. Estamos no Presépio vivenciando tudo aquilo que ele encerra: a  encarnação de nosso Deus; ou estamos nas cidades – com estavam em Belém  seus moradores ocupados com o recenseamento do Imperador –, todos,  perdidos no vai-e-vem dessa gente ocupada com seus compromissos  mundanos, indiferentes ao Deus que passa e pede uma hospedagem?
Disse Angelus Silesius, místico e poeta de outros tempos: “Nasça Cristo Mil vezes em Belém e não nasça em teu coração: estás perdido para o além, nasceste em vão”.
           
ANTONIO SALUSTIANO FILHOadvogado, ambientalista
 
 
 

 
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