segunda-feira, 14 de novembro de 2011

“Não esperem que os partidos façam algo para enfrentar o poder da mídia”

No seminário realizado na Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) contou um pouco de sua luta solitária na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara em defesa da proposta de um marco regulatório para a mídia. “Não esperem que os partidos políticos façam algo para enfrentar o atual esquema de poder da mídia. Só com pressão social. Sou uma voz isolada na Comissão. Tento apenas incomodar um pouco"


Porto Alegre - Como é de seu estilo, a deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP) não colocou panos quentes ao falar sobre a relação entre a mídia e os políticos brasileiros, ou a imensa maioria deles, ao menos. “Não esperem que os partidos políticos façam algo para enfrentar o atual esquema de poder da mídia. Só com pressão social”, disse Erundina no debate sobre a democratização da mídia promovido, quinta-feira, na capital gaúcha, pela Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores de Comunicação (Altercom) e Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

“A sociedade”, acrescentou Erundina, “não é ouvida em questões estratégicas relacionadas à comunicação social”. “Há muita omissão no Congresso Nacional sobre esse tema”, garantiu a deputada que integra a Comissão de Ciência e Tecnologia, onde a proposta do marco regulatório está em debate.

Debate talvez seja uma palavra exagerada para definir o que está ocorrendo na Câmara, a julgar pelo relato da deputada Erundina. Segundo ela, os parlamentares que integram a Comissão não estão muito interessados em debater a sério o tema da regulação da comunicação social. A omissão que ela aponta manifesta-se em outras atividades parlamentares também. “Muitas vezes, os deputados avaliam pedidos de renovação de concessões de rádio e televisão no escuro, sem dispor de dados objetivos para tomar uma decisão”.

Essa situação não é causada simplesmente por desinteresse. Pelo contrário, há muitos interesses em jogo. Segundo cadastro atualizado pelo Ministério das Comunicações, 56 deputados e senadores aparecem como sócios ou têm parentes no controle de emissoras de rádio e TV no Brasil.

“Sou uma voz isolada na Comissão de Ciência e Tecnologia, que discute o marco regulatório da mídia. Tento apenas incomodar um pouco”, admitiu Erundina, que lamentou o baixo número de parlamentares que se dedicam ao tema, inclusive na comissão que o discute. Essa omissão, para a deputada, prejudica a sociedade como um todo. “Não é que precisamos de um novo marco regulatório. Não temos um marco regulatório da comunicação social no Brasil. A democratização da mídia é mais importante hoje que a reforma agrária para o avanço da democracia no Brasil”, defendeu Erundina. A justificativa é simples: os principais adversários e obstáculos da reforma agrária encontram, nos grandes meios de comunicação, generosos espaços para propagandear suas ideias e atacar os defensores da reforma agrária, procedimento que se repete em torno de outras demandas sociais também.

Plataforma para marco regulatório da mídia



Na mesma linha da deputada Erundina, a jornalista Bia Barbosa, integrante do Conselho Diretor do Intervozes, manifestou pessimismo quanto à possibilidade desse debate avançar no Congresso Nacional. Ela lembrou o caso da Argentina, onde a “Ley de Medios” saiu com muita pressão popular. “Aqui tem que ocorrer o mesmo”, resumiu. Bia Barbosa defendeu a necessidade de discutir inclusive questões relativas a conteúdos, lembrando o caso recente de uma TV na Paraíba que exibiu, ao meio dia, cenas de um estupro de uma criança. “Não defendemos censura prévia para evitar casos como este, mas tem que haver responsabilização para esse tipo de prática. Achei lamentável a declaração da presidente Dilma de que o único controle que interessa é o controle remoto”, disse ainda a jornalista.

O principal temor das entidades da sociedade civil interessadas neste debate, assinalou a representante do Intervozes, é que o processo do marco regulatório seja prorrogado ad infinitum. Bia Barbosa divulgou o endereço www.comunicacaodemocratica.org.br que traz a plataforma da sociedade civil para o marco regulatório da comunicação.

O texto é fruto de debates acumulados ao longo das últimas décadas, em especial na primeira Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada no final do ano passado, em Brasília. Esses debates foram sistematizados no seminário Marco Regulatório – Propostas para uma Comunicação Democrática, realizado pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), com a participação de outras entidades regionais e nacionais, em maio deste ano, no Rio de Janeiro. A primeira versão do documento foi colocada em consulta pública aberta, recebendo mais de 200 contribuições, que foram analisadas e parcialmente incorporadas no texto.

A Plataforma da Sociedade Civil apresenta quatro razões em defesa de um novo marco regulatório para as comunicações no Brasil: (i) a ausência de pluralidade e diversidade na mídia atual, que estaria esvaziando a dimensão pública dos meios de comunicação; (ii) a legislação brasileira no setor é arcaica e defasada, não estando adequada aos padrões internacionais de liberdade de expressão e não contemplando questões atuais, como as inovações tecnológicas e a convergência de mídias; (iii) a fragmentação da legislação atual, composta por várias leis que não dialogam umas com as outras nem guardam coerência entre si; e (iv) a Constituição Federal de 1988 continua carecendo da regulamentação da maioria dos artigos relacionados à comunicação (220, 221 e 223), deixando temas importantes como a restrição aos monopólios sem nenhuma referência legal, mesmo após 23 anos de aprovação.


O Código Brasileiro de Telecomunicações é de 1962, quando a televisão estava engatinhando no Brasil, lembrou Venício Lima, sociólogo, jornalista e professor da Universidade de Brasília (UnB). As mudanças tecnológicas, observou, são uma das razões para justificar um novo marco regulatório da mídia. Outra muito importante, disse Venício Lima, é dar voz a quem hoje não tem direito a ela. “Só há liberdade de imprensa com muitas vozes, sem monopólio e com a máxima dispersão de propriedade”, defendeu.

O professor da UnB também criticou a confusão deliberada feita entre os conceitos de liberdade de imprensa e liberdade de expressão. “Uma coisa é a liberdade individual de expressão, outra é a transformação da imprensa em grandes corporações”.

E a liberdade de expressão, acrescentou Venício Lima, é incompatível com o monopólio no setor. “A propriedade cruzada dos meios de comunicação consolidou grupos empresariais que são proibidos pela Constituição. O mercado de comunicação precisa ter regulação, entre outras razões, para que haja competição entre as empresas e não monopólio”.

Paradoxo aparente, a defesa da regulação anda de mãos dadas com um princípio que, em tese, é fundador do capitalismo: a competição. Pela resistência que vem opondo ao debate sobre a regulação, as grandes empresas de mídia parecem ter rompido definitivamente com esse princípio.

Fonte: Carta Maior

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