Em debate na Câmara dos Deputados sobre liberdade de expressão, militantes de novas mídias criticam autoritarismo de veículos tradicionais de imprensa, que reagiriam apelando para censura de que se sentem ameaçados. Aprovação de marco civil da internet e de novo marco regulatório para radiodifusão é considerada fundamental para garantir pluralidade.
Najla Passos
BRASÍLIA - No Brasil, a exemplo do que  ocorre na economia e no social, o cenário é desigual também no campo das  comunicações. De um lado, os veículos tradicionais da imprensa,  comandados por uma meia dúzia de famílias, se armam de todos os meios  possíveis para manter o controle exclusivo e absoluto da agenda pública.  E, para isso, cometem os mais variados excessos, incluindo aí alguns  crimes, como destruir a reputação de pessoas sem provas ou sequer  indícios.
De outro, cidadãos comuns que só recentemente, com a  popularização das novas mídias, alçaram o status de produtores de  conteúdo, lutam para consolidarem o legítimo direito à manifestação de  opinião e pensamento, a despeito das investidas conservadoras que impõem  multas milionárias a blogueiros, tuiteiros e demais internautas  produtores de conteúdo mais progressista e irreverente.
“Há uma  luta política em andamento entre as velhas mídias e as novas mídias. As  velhas mídias, que também se utilizam das novas e estabelecem a  propriedade cruzada em tudo, estão profundamente incomodadas com essas  últimas”, disse o membro da coordenação da Frente Parlamentar em Defesa  da Liberdade de Expressão e Democratização da Comunicação, o jornalista e  deputado Emiliano José (PT-BA).
Ele foi um dos participantes,  nesta quarta (9), da audiência pública convocada pela Comissão de  Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados para debater as  decisões e disputas judiciais que afetam a liberdade de expressão,  especialmente dos comunicadores que atuam nas novas mídias. As velhas  mídias são os meios tradicionais, como os jornais, revistas, TVs e  rádios. As novas são as que nasceram no bojo da internet: sites, blogs e  microblogs, dentre outras.
O professor da Universidade Federal  de Minas Gerais Túlio Vianna, iniciou a discussão lembrando aos  presentes que não existe direito absoluto. “O modelo brasileiro tende a  tolerar opiniões divergentes, mas impõe limites. Não há liberdade plena  de informação”, explicou.
Entretanto, segundo ele, o que a  prática vem demonstrando é a utilização de leis criadas para outros fins  para penalizar cidadãos comuns que estão apenas exercendo seu legítimo  direito à opinião. Exemplo é o processo contra os dois jornalistas que  criaram o site de sátira ao jornal Folha de S. Paulo, chamado “Falha de  S. Paulo”.
A Folha acionou judicialmente esses internautas, com  base na Lei de Patentes, que deveria servir para a defesa da propriedade  intelectual. “Essa lei não foi criada para impedir a liberdade de  expressão, muito menos a paródia, a sátira, a crítica, mas foi acatada  para penalizar os jornalistas”, critica o professor.
Outro  exemplo, segundo ele, é a lei de apologia ao crime, utilizada para  criminalizar os defensores da legalização da maconha que, além de uma  marcha, na cidade de São Paulo, matinham um site da campanha.  “Reivindicar a modificação de uma lei não é incitação ao crime, mas nem  sempre a Justiça entende isso corretamente”.
A jornalista e  secretária-geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de  Itararé, Renata Vicentini Mielli, afirmou que as novas tecnologias de  comunicação criaram um novo paradigma na sociedade atual. “Até bem pouco  tempo atrás, o agente social responsável por fazer a mediação da agenda  pública eram os grandes meios de comunicação. Agora, um novo agente  entrou em jogo. As novas mídias permitiram mais pluralidade, mais  diversidade na discussão da esfera pública”, diz.
São blogs,  microblogs, redes sociais, pequenos sites e uma série de atores que  atuam na internet permitindo a distribuição e organização da informação  de forma mais ágil e democrática. “Isso, de alguma maneira, diminuiu o  monopólio das grandes empresas de comunicação como mediadores da agenda  pública. O poder dos grandes veículos não foi sepultado, mas foi  diluído. E eles não querem perder esse poder. Por isso, desqualificam  esse pólo alternativo de comunicação ou exercem pressão econômica sobre  eles, através da judicialização”, afirma.
Segundo ela, o fenômeno  é mundial. Nos EUA, só em 2007, processos contra blogueiros  movimentaram US$ 17,4 milhões. No Brasil, os valores também assutam. No  caso do site “Falha de S. Paulo”, a justiça estipulou multa diária de R$  5 mil. “Como dois jornalistas, assalariados, vão pagar uma multa  dessas? O objetivo é calar as vozes dissonantes”, questiona ela.
A  jornalista afirma que processos civis e criminais contra blogueiros  estão pipocando em todo o Brasil. Só o jornalista Paulo Henrique Amorim é  alvo de 37 processos. “É preciso cuidado para não virarmos sociedade do  patrulhamento, do policiamento. Devemos ser uma sociedade da liberdade.  E a comunicação é um direito humano”, acrescenta.
Para ela, é  urgente que se aprove o marco civil da internet. O projeto de lei está  parado justamente na Câmara dos Deputados, esperando a constituição de  comissão especial para avaliar o tema. A jornalista avalia que é urgente  também a definição de um novo marco regulatório para a radiofusão.
“Não  é possível que se discuta as questões da comunicação de forma fatiada.  Isso permite que as empresas coloquem no movimento social, que sempre  defendeu a liberdade de expressão, a pecha de serem novos censores da  sociedade. Regra não é censura. A sociedade precisa entender isso."
O  deputado Emiliano José acrescentou que a distinção entre fatos e  opiniões não é algo muito simples: não há jornalismo sem interpretação  em nenhum momento. “A organização do fato comporta opinião, mas há  alguma diferenciação entre as duas coisas, e o jornalismo brasileiro tem  caminhado numa direção."
Ele lembrou que as novas mídias, ao  mesmo tempo que permitem maior democratização na produção de conteúdos,  também ajudam a trazer à tona velhos preconceitos que resistem nas  entranhas da sociedade brasileira, com ocorreu no episódio do câncer do  ex-presidente Lula. Ele acha que a velha mídia brasileira é um partido  político que conspira contra os governos petistas, de caráter popular e  democrático.
Segundo o deputado, a velha mídia demite jornalistas  que usam as novas mídias para manifestar suas opiniões, como aconteceu,  por exemplo com Maria Rita Khel, que elogiou o impacto do bolsa família  na vida das famílias pobres brasileiras e acabou demitida do jornal O  Estado de S. Paulo. “Isto sim é censura”, afirma.
Ele defendeu a  regulamentação da mídia, incluindo novas e velhas. “As novas mídias têm  uma responsabilidade social e política muito grande porque representam  novas vozes, novos atores políticos. Ninguém faz o que quer. Precisamos  ter direito de resposta. A sociedade também precisa ser protegida dos  erros dos jornalistas, sejam elas das novas e velhas mídias.”
Fonte: Carta Maior

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