O reformador protestante Martim Lutero e o fundador da Companhia de Jesus, padre Inácio de Loyola, foram profetas criativos e influentes, talvez até mesmo complementares, e podem ser vistos como versões variantes de um mesmo fenômeno. Os dois sofreram com a pergunta existencial pela salvação, valorizando a experiência pessoal com Deus.
O jesuíta Philip Enden, professor do Campion Hall, da Universidade de Oxford, na Inglaterra, faz um comparativo entre Inácio e Lutero, numa tentativa de desalojar a ideia de que o líder jesuíta, como figura da Contra-Reforma, tinha como principal objetivo resistir à Reforma protestante. Na chamada “Autobiografia” de Inácio não aparece menção a Lutero ou ao luteranismo.
A narrativa inaciana concentra-se na Espanha, no período de 1521 a 1527, depois em Paris, até 1535, quando, no país ibero, foi aplicado todo o tipo de medida para deter a infiltração das inovações de Lutero no país. Inácio teve que enfrentar, inclusive, quatro julgamentos na Espanha, dois em Paris, um em Veneza e um em Roma. O último foi um processo eclesiástico contra toda a Companhia, quando rumores diziam que os seguidores de Inácio eram pregadores luteranos disfarçados.
Enden arrola pelo menos três paralelos importantes entre Inácio e Lutero: “há uma notável semelhança na forma como ambos, já idosos, recordaram as suas experiências mais formativas de Deus”; “ambos tentaram estabelecer um novo ideal ministerial e pastoral dentro do cristianismo ocidental”; e “ambos tinham dificuldades para reconciliar consciência e autoridade”.
O professor jesuíta destaca que o cristianismo, antes do advento da imprensa, era muito diferente do que se pode imaginar. Tanto Inácio como Lutero tiveram experiências de conversão baseadas na leitura de um livro impresso. “O que contava como vida da Igreja antes da Reforma era tão estranho às nossas expectativas de religião que não reconheceríamos isso, de fato, em nada como cristão”, escreve Enden, que teve uma síntese do seu original publicada no sítio “Thinking Faith”, revista eletrônica dos jesuítas britânicos.
Daí que Lutero e Inácio, na compreensão de Enden, não tinham a ver com uma reforma, mas como uma formação – “a formação de todo o nosso senso do que é ser religioso”. Os dois líderes foram reformadores clericais, diz o jesuíta inglês. Sob esse prisma, eles não aparecem como oponentes, mas como modelos de um novo tipo de piedade e de um novo tipo de sacerdócio, constata Enden.
Lutero recuperou a noção bíblica do sacerdócio universal de todos os crentes. “Seu propósito em fazer isso, no entanto, não foi defender uma compreensão congregacionalista indiscriminada da autoridade da igreja. Ele está simplesmente lutando para estabelecer o direito da nobreza leiga de depor um sacerdote indigno da autoridade da Igreja”, analisa Enden.
O professor do Campion Hall afirma que Inácio e Lutero tinham respostas diferentes para o problema da autoridade e da consciência. “Mas eles enfrentaram basicamente a mesma questão e com uma intensidade que era bastante nova, decorrente das suas experiências pessoais da misericórdia de Deus”, afirma.
Enden avalia que Lutero era uma figura muito mais abrasiva, clara e óbvia do que Inácio “Enquanto Inácio podia viver com o cinza, Lutero precisava do preto e branco. Por isso ele fez uma divisão com Roma”. Na análise do jesuíta, Lutero não podia, assim com Inácio, viver com as tensões e confiar em sua capacidade de construir relações, por uma questão de temperamento, lembrando que Inácio era latino.
Mas os dois passaram por uma crise de culpa intensa, “quase patológica”, aliviada pelo entendimento de que é Deus quem redime o ser humano. “Em ambos os casos, isso leva a uma completa transformação do entendimento. Para Inácio, todas as coisas parecem novas; para Lutero, uma face totalmente diferente de toda a Escritura se revela.”
Fonte: CONIC
Fonte: CONIC
Nenhum comentário:
Postar um comentário