Enquanto neste 7 de setembro o Brasil comemora o dia da pátria, as comunidades cristãs latino-americanas recordam que, nesta mesma data, em 1968, encerrou-se, em Medellin, na Colômbia, a 2ª Conferência geral do episcopado católico latino-americano.
Foi esta reunião que oficializou o compromisso social e político da Igreja Católica com a completa independência e libertação de nossos povos.
A partir da conferência de Medellin, pastores e teólogos, inclusive os papas, têm se referido à opção pelos pobres como uma decisão evangélica que é da própria natureza da Igreja ser.
No discurso inaugural da Conferência dos bispos em Aparecida, Bento XVI afirmou: "A opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristã naquele Deus que se fez pobre por nós". João Paulo II também falou da opção pelos pobres em suas encíclicas sociais. A razão de ser de uma comunidade cristã é ser testemunha do reino de Deus no mundo.
Concretamente, isso significa servir à humanidade continuando a missão de Jesus que na sinagoga de Nazaré disse ter vindo ao mundo para curar as pessoas doentes e libertar as oprimidas (Lc 4, 16- 21).
Há 50 anos, o Concílio Vaticano II reuniu todos os bispos católicos em Roma e definiu a Igreja como sinal e sacramento da salvação que Deus quer dar ao mundo inteiro e atinge o ser humano em sua integridade.
Em 1968, a conferência de Medellin aplicou o Concílio à América Latina e, pela própria realidade do nosso continente, decidiu aprofundar este assunto. O saudoso padre José Comblin afirmava: "Medellin representou o nascimento de uma Igreja propriamente latino-americana, com rosto de nossos povos".
O tema geral da conferência foi a missão da Igreja na transformação da América Latina. Em 1968, eclodiam manifestações da juventude em países da Europa e movimentos revolucionários desejavam mudar nosso continente. Era uma época de transformações sociais e políticas que encontravam resistências e repressões por parte do império norte-americano.
Este financiava e apoiava ditaduras militares que, pouco a pouco, se instalavam em nossos países e reprimiam toda tentativa de libertação do povo. Neste contexto, o fato dos bispos terem assumido uma postura crítica com relação às estruturas políticas do continente foi muito importante.
O próprio papa Paulo VI que inaugurou aquele encontro deixou claro: "o desenvolvimento é o novo nome da paz". E ele insistiu que este desenvolvimento só merece este nome se for baseado na justiça e na solidariedade humana.
Os bispos denunciaram a realidade social e política da maioria de nossos países como "injustiça estrutural" e tiveram coragem de propor que a Igreja se colocasse no mundo como sinal e instrumento de libertação integral da humanidade e de cada ser humano.
É claro que na conferência de Medellin, os bispos puderam aprofundar teologicamente e propor pastoralmente este jeito novo de ser da Igreja, porque isso já era uma experiência concreta nas comunidades eclesiais de base. Desde o começo dos anos 60, muitas comunidades e grupos cristãos, nas periferias urbanas e no campo, começaram a estudar a Bíblia e a ligar a Palavra de Deus à sua vida concreta.
Em conseqüência disso, muitos cristãos, jovens e menos jovens, em nome da fé, participaram de movimentos e lutas pela justiça, inclusive muitos arriscaram a vida neste caminho.
Neste ano, festejamos o Sete de Setembro, com a consciência de que a verdadeira independência social, política e econômica de um país é um processo que precisa sempre ser completado e aperfeiçoado até o dia em que todos os cidadãos tenham o necessário para viver, contem com um trabalho digno e remunerado de forma justa e possam usufruir um merecido lazer na beleza da terra que Deus lhes deu.
Hoje, 43 anos depois, as palavras dos bispos latino-americanos em Medellin devem ressoar em nossas Igrejas para nos recordar que é nossa missão cristã participar desta construção de uma pátria verdadeiramente libertada e independente. Junto com todos os irmãos e irmãs da humanidade, devemos lutar pacificamente para que se realize no mundo o projeto divino de paz, justiça e defesa da natureza.
Hoje, está mais do que nunca atual a proposta dos bispos latino-americanos de 1968: "Devemos dar à nossa Igreja o rosto de uma Igreja verdadeiramente missionária e pascal. Seja ela uma Igreja pobre e despojada do poder, comprometida com a libertação de toda a humanidade e de cada ser humano por inteiro" (Medellin, doc 5, n. 15).
Marcelo Barros é monge beneditino
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